Opinião
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22 de maio de 2024
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08:25

Carta do CEGOV/UFRGS à comunidade gaúcha e às autoridades públicas

Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (*)

O Centro de Estudos Internacionais sobre Governo – CEGOV (UFRGS) vem a público manifestar a sua profunda solidariedade à comunidade gaúcha atingida pelos eventos climáticos extremos. Nos seus 15 anos de existência o CEGOV vem desenvolvendo estudos científicos e acadêmicos aplicados para atender demandas dos governos das três instâncias da Federação, além de desenvolver projetos de produção de conhecimento de relevância pública, contribuindo assim com a missão maior da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a partir das práticas multi e interdisciplinares e de cooperação interinstitucional na universidade e fora dela. Este trabalho é constituído por diversos Núcleos de Pesquisa e Grupos de Trabalho que congrega dezenas de pesquisadores, docentes, discentes e extensionistas, ligados aos departamentos e unidades acadêmicas da nossa universidade, cujas equipes técnicas de pesquisa e extensão são organizadas conforme a necessidade dos projetos e priorizam a interdisciplinaridade (https://www.ufrgs.br/cegov/).

Sendo assim, entendemos que nesta hora dramática da história do RS, a universidade deve contribuir de forma decidida e cooperada, mobilizando suas capacidades científicas e práticas e sendo protagonista da reconstrução do Estado, em colaboração com outras instituições, organizações sociais e instâncias governamentais. Este trabalho, já iniciado por grupos, departamentos e unidades, que estão contribuindo com as ações emergenciais, deve prosseguir e se constituir em apoio à reconstrução do RS de forma articulada e eficaz na UFRGS, por meio de novas ações e projetos de médio e longo prazos que são necessários.  

Nesse sentido, reafirmamos algumas posições e princípios que balizam nossos projetos e intervenções e que julgamos devem ser buscados na contribuição desejada pelo CEGOV no processo de reconstrução do nosso Estado:

Em primeiro lugar, a reconstrução precisa atender ao interesse público no que diz respeito a devolver à comunidade gaúcha as condições de vida digna e segura, privilegiando a integração social das comunidades e pessoas mais severamente atingidas pelos eventos climáticos. A integração social requer políticas públicas relativas às áreas de infraestrutura, habitação e urbanismo, políticas sociais (educação, saúde e assistência social), saneamento ambiental, apoio e geração de renda, empregabilidade, segurança e desenvolvimento econômico local. Considerando experiências de desastres em outros países e cidades as políticas de reconstrução baseada no interesse público não devem promover ou agravar as exclusões de segmentos sociais menos privilegiados. Ao contrário, precisam ser norteados para buscar a melhora das condições de vida e segurança anteriores. As medidas para promover a reintegração social precisam considerar as assimetrias e desigualdades socioeconômicas e demográficas verificadas nas áreas urbanas e rurais das enchentes, conforme já se sabe hoje por estudos da UFRGS.

Em segundo lugar a reconstrução precisa buscar, obrigatoriamente, a mudança das condições ambientais que originaram a gravidade das inundações. Será pouco eficaz e responsável ambientalmente, socialmente e economicamente se a reconstrução apenas reproduzir as condições materiais existentes anteriormente, sem o aprendizado das causas macro ambientais e micro locais. Tanto na macrozona do Estado como nas localidades, a reconstrução deve seguir as metas mitigadoras dos efeitos das mudanças climáticas, com planejamento ambiental, social, econômico, urbano e rural articulado a este objetivo estratégico. A tragédia que se abateu sobre o RS é uma oportunidade que não deve ser desperdiçada para a mudança dos modelos de desenvolvimento econômico, agrícola e de ocupação e uso dos solos e dos recursos naturais que precisam ser adaptados às novas condições ambientais do planeta, cada vez mais evidentes e previsíveis, conforme há muito tempo as ciências da natureza vêm mostrando.  A universidade pode ser uma grande força que contribua com um processo de transição visando a recuperação de serviços ecossistêmicos por meio de soluções baseadas na natureza.

Em terceiro lugar, a reconstrução requer melhorar e aperfeiçoar as capacidades estatais das instâncias governamentais, quanto aos requisitos técnicos, administrativos e executivos das políticas públicas, buscando maior eficiência e eficácia não apenas emergencial, mas também de ação estratégica e de planejamento dos governos. A melhoria dessas capacidades é uma necessidade permanente, mas adquiriu maior dimensão ainda em termos de formação técnica, qualificação, expertise e otimização dos recursos orçamentários do setor público e das possíveis parcerias com os setores privados e da sociedade civil.  A tragédia das inundações mostrou a importância da qualidade do serviço público. 

Em quarto lugar, o processo de reconstrução será mais eficaz se for realizado com o máximo de transparência e participação da sociedade. Este é um requisito permanente das democracias, em contraste com os estilos tecnocráticos ou das soluções impostas desde cima, sem diálogo e consulta à sociedade, em especial os setores mais interessados nas soluções. Como mostra a experiência nacional e internacional de reconstrução após desastres ou eventos extremos, as políticas dos governos e das agências de ajuda ganham em qualidade e resultados práticos quando são construídas com o envolvimento das comunidades atingidas e a corresponsabilidade do conjunto da sociedade, suas instituições representativas e organizações sociais diversificadas. O Estado do RS tem historicamente um importante capital social e experiências relevantes de participação social, independentemente de partidos políticos, que fortalecem e contribuem com esta necessidade. Pode-se citar o caso dos Comitês das Microbacias Hidrográficas, elemento fundamental do planejamento ambientalmente sustentável. Da mesma forma, a governança transparente e a corresponsabilidade na escolha de prioridades na aplicação dos recursos públicos e/ou de ajuda privada torna-se um imperativo da eficácia das ações, da confiança da sociedade e do controle social da reconstrução.

Reconhecemos que existem hoje muitas iniciativas acontecendo em diferentes IES e mesmo na UFRGS, porém, para evitar duplicação de atividades será interessante unirmos esforços compartilhando informações, metodologias, saberes e assim sermos efetivos no atendimento das inúmeras demandas advindas da tragédia climática que vivemos. Agregar esforços ajudará e dinamizar as respostas que podemos dar para a sociedade e governos, a pulverização, além de não ser eficiente pode gerar desperdício de recursos e de tempo. O CEGOV com toda sua experiência e estrutura pode ser um centro que unifique as inúmeras iniciativas, dento da UFRGS e também em parceria com outras IES e governos municipais e estadual.

Essas orientações que norteiam os trabalhos do CEGOV, no âmbito da pluralidade dos grupos e núcleos que o constituem na UFRGS, estão inseridas na ideia do apoio científico a um modelo de desenvolvimento inclusivo, sustentável economicamente e ambientalmente, e soberano do país e do Estado do RS. Nesse sentido, reafirmamos nossa disposição para contribuir e apoiar as instâncias governamentais e o setor público nos projetos e ações necessários à reconstrução.  Igualmente nos colocamos a disposição da comunidade acadêmica da UFRGS para o apoio ao desenvolvimento de projetos e iniciativas que contribuam no processo de reconstrução do estado.

Porto Alegre, 21 de maio de 2024.

(*) Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV/UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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