Opinião
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12 de maio de 2024
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09:33

A RMPA já tinha um Plano de Proteção contra Cheias desde 2018 (por Leticia Xavier Corrêa)

Canoas é uma das cidades mais devastadas pelas cheias na Região Metropolitana. Foto: Bruna Ourique/PMC
Canoas é uma das cidades mais devastadas pelas cheias na Região Metropolitana. Foto: Bruna Ourique/PMC

Leticia Xavier Corrêa (*)

De 2021 a 2023 eu trabalhei como Secretária Adjunta de Mobilidade Urbana na Prefeitura Municipal de Canoas. Durante esse período participei de diversas reuniões e grupos de trabalho sobre o plano diretor municipal, que estava em processo de revisão, e uma pauta frequente era a famosa “mancha de inundação” na Metroplan. Acreditem, quem trabalha com planejamento urbano na região metropolitana de Porto Alegre (RMPA) já ouviu falar muito sobre esse tema. Em 2018, a Metroplan, a fundação de planejamento da região, apresentou o Plano de Proteção contra Cheias para os municípios da RMPA, que, entre outros produtos, resultou na demarcação das áreas suscetíveis ao alagamento nos territórios municipais [1].

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O plano foi desenvolvido entre 2015 e 2018, e segundo consta no próprio estudo “contou com simulação e modelagem em bases técnicas consistentes, permitindo uma visão regional inédita do fenômeno das cheias da Região Metropolitana de Porto Alegre”. Além de estimar custos de uma eventual “omissão” do poder público, onde nada fosse feito, foram elaborados diversos cenários com avaliação dos respectivos custos das alternativas propostas, como diferentes conjuntos de obras de proteção. O estudo também forneceu diversas diretrizes para o desenvolvimento urbano na região metropolitana, onde grandes áreas dos municípios deveriam ser consideradas como área de risco para inundação, e terem sua ocupação restrita.

Porém, o mercado de terras é o que uma cidade tem de mais valioso. Demarcar uma área da cidade no plano diretor como área restrita à ocupação tem como efeito imediato a desvalorização imobiliária, pois a área perde seu potencial construtivo.

Portanto, o estudo da Metroplan caiu como uma “bomba” em vários municípios, como é o caso de Canoas, onde a maioria dos seus vazios urbanos disponíveis foram demarcados como área alagadiça. Os proprietários desses terrenos com certeza não gostaram desse estudo. A partir desse ponto, começa o jogo de poder da cidade. O Ministério Público determina que os municípios e gestores não liberem novos loteamentos e construções nessas áreas. A iniciativa privada, por sua vez, pressiona pela liberação de construções, alegando que isso barra o desenvolvimento da cidade. Nesse contexto, quais atitudes devem ser esperadas dos gestores municipais?

Em Canoas a alternativa foi contratar um segundo estudo [2], dessa vez do IPH (Instituo de Pesquisas Hídricas da UFRGS) para confirmar a mancha de alagamento da Metroplan e verificar quais obras poderiam ser feitas para proteger o território. O estudo ficou pronto no final de 2022, e concluiu que a mancha de alagamento da Metroplan está correta, e para Canoas proteger seu território são necessárias obras de grande vulto (pólders, casa de bombas, comportas, diques). E, principalmente, não basta só Canoas fazer suas obras, pois se trata de uma bacia, ou seja, nada adianta Canoas se proteger, se Esteio não se proteger, Sapucaia do Sul, Nova Santa Rita, São Leopoldo, e inclusive, uma eventual obra em Canoas pode resultar em alagamentos em outras áreas.

Enfim, as cidades precisam se coordenar e juntas planejarem o conjunto de obras que deve ser feito. Para isso é necessário um órgão de gestão na escala regional coordene essas iniciativas e principalmente lidere a busca de recursos para sua execução, sejam eles técnicos ou financeiros. Nesse sentido, era de se esperar que a Metroplan estivesse sendo fortalecida. Mas a verdade é que a fundação está em processo de extinção pelo Governo Leite – processo que iniciou na gestão José Ivo Sartori no governo do Estado (2015-2019) através da lei estadual 14.982/2017 [3]

Sabendo que as emergências climáticas vão acelerar todas a projeções, e que eventos como esse que estamos vivendo no Rio Grande do Sul irão acontecer cada vez mais, e com maior intensidade, é necessário o total fortalecimento no planejamento integrado em escala metropolitana e regional, e principalmente que gestores encarem com seriedade e principalmente celeridade estudos e planos que já foram realizados. Às vezes não falta planejamento, falta ação.

Notas

[1] Estudo na integra pode ser baixado em: Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos – Google Drive

[2] Para ler o estudo na integra: Estudo Hidrológico do IPH do solo na região Oeste – Prefeitura Municipal de Canoas

[3] Para ler mais sobre isso a extinção da Metroplan: A questão metropolitana e o fim da Metroplan – UFRGS – Jornal da Universidade

(*) Arquiteta e Urbanista, Mestre em Planejamento Urbano e Regional, Ex- Secretária Adjunta de Mobilidade Urbana de Canoas

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