Opinião
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23 de maio de 2024
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21:51

A emergência climática e os ataques do governo Leite ao bioma Pampa (por Egbert Mallmann e Veronica Korber Gonçalves)

Foto: Guilherme Santos
Foto: Guilherme Santos

Egbert Scheid Mallmann e Veronica Korber Gonçalves (*)

A grande quantidade de chuva que cai no Rio Grande do Sul nos meses de abril e maio de 2024, causando mortes, deslocamentos forçados, prejuízos bilionários em infraestrutura, entre outros tantos males, não pode ser considerada como um evento isolado, aleatório, obra do divino. Esse evento climático extremo decorre diretamente da equivocada intervenção humana no meio ambiente, quase sempre voltada para a maximização de ganhos econômicos. Decorre de um modelo de desenvolvimento desigual que acentua injustiças socioambientais. Decorre de um modelo de privatização dos lucros e socialização dos prejuízos que agrava violações de direitos humanos num contexto de emergência climática global.

É preciso reconhecer. Um agricultor ganha mais dinheiro expandindo a sua a produção agrícola sobre a floresta e as margens de rios compactando esses solos, assim como ganha mais aquele que minerar sobre áreas de proteção ambiental, reduzindo a área de absorção das águas das chuvas. Exemplos como esses não são fictícios. Basta ver as margens dos rios Caí, Jacuí, Sinos, Gravataí e lembrar a intenção de implantação de uma grande mina de carvão nas margens da APA do Delta do Jacuí, na região metropolitana de Porto Alegre, defendida pelo Governador Eduardo Leite em seu primeiro mandato. Tratam-se de práticas de apropriação privada – com a chancela do Poder Executivo, do Poder Legislativo e por vezes do Judiciário – de bens comuns do povo, essenciais à sadia qualidade de vida humana e não humana.

Por outro lado, também é certo que quanto menos floresta e áreas com vegetação para absorver e conter a água das chuvas, mais água teremos cobrindo e devastando as nossas cidades, muitas delas construídas sobre áreas de inundação dos rios, como estamos vendo agora. Algumas das cidades atingidas ficaram totalmente submersas, como é o caso de Eldorado do Sul, forçando o deslocamento de milhares de pessoas.

Por isso, uma das medidas urgentes que devemos adotar daqui para frente é a proteção efetiva dos nossos biomas, especialmente do bioma Pampa, que ainda não conta com uma legislação protetiva e vem sendo dizimado ao longo dos últimos anos. Conforme informações do MapBiomas, o Pampa foi o bioma que mais perdeu vegetação nativa nos últimos 36 anos.

De maneira oposta ao que o governador Eduardo Leite afirmou em entrevista para o programa Roda Viva em 20/05/2024, o bioma Pampa não foi protegido no novo Código Estadual do Meio Ambiente. Este código, que foi proposto em regime de urgência pelo governador e aprovado sem discussão com a sociedade gaúcha, não proibiu o desmatamento da vegetação desse bioma. Pelo contrário, estabelece expressamente a possibilidade de supressão da sua vegetação, o que antes não havia. E para tanto exige apenas o cadastramento do imóvel no CAR, ou seja, de uma autodeclaração do proprietário.

Além disso, não há uma limitação de supressão como a prevista na lei da Mata Atlântica. O código não estabelece uma regra capaz de impedir o desmatamento total do bioma Pampa. Portanto, existe algo de verdadeiro nas palavras do Governador, o novo código apenas “previu o bioma Pampa”, mas não o protegeu.

Essa “simples previsão legislativa” teve efeitos negativos na prática. Não foi capaz de conter a destruição do Pampa. Segundo o INPE, em 2021, ano posterior à aprovação do novo código estadual do meio ambiente, houve o desmatamento de 1.526 km² do bioma Pampa, quase o dobro do verificado no ano de 2020, dado que confirma que essa lei foi um grande retrocesso ambiental nesse aspecto. Assim, ao invés de proteger e restaurar o bioma Pampa, o governador passou a “autorizar” a sua gradual extinção.

Se, mesmo diante desta grave catástrofe que vivemos no Rio Grande do Sul, mantivermos esse tipo de legislação em vigor, que autoriza o desmatamento de vegetação nativa sem qualquer limite, ficará mais difícil colocar a culpa na força da natureza nos próximos eventos climáticos extremos que ocorrerão.

(*) Egbert Scheid Mallmann é advogado. Veronica Korber Gonçalves é professora do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS, coordenadora do Grupo de Pesquisa em Relações Internacionais e Meio Ambiente (GERIMA), e relatora ad hoc do Conselho Nacional de Direitos Humanos sobre justiça climática.

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