Opinião
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23 de abril de 2024
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09:36

A memória coletiva como expressão da luta de classes: disputas em torno da Ditadura e das Diretas Já!

Divulgação
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“O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer”. 

Walter Benjamin. In: Sobre o conceito de História 

Josiane Mozer, Fernanda Feltes, César Rolim, Marco Mello  (*)

Duas efemérides são especialmente lembradas na esfera pública ao longo do ano de 2024: os 60 anos do golpe empresarial-militar de 1964 e os 40 anos da campanha das Diretas Já!. Situá-las em uma perspectiva de análise mais ampla, e em conjunto, nos convida a refletir sobre as formas que a luta de classes assume, sob determinada conjuntura histórica, em nossa sociedade, assim como dialogar sobre a importância das lutas em defesa da democracia no país. 

Há 60 anos, o Golpe foi o produto de uma articulação entre setores do empresariado nacional ligados às multinacionais, com o apoio sistemático da mídia corporativa, políticos conservadores ligados à economia agroexportadora e às propostas liberais para o desenvolvimento econômico nacional, e setores reacionários da Igreja Católica, em aliança com a burguesia econômica transnacional, articulada sob a liderança dos Estados Unidos, que promoveu diversas ações no sentido de desestabilizar o governo João Goulart. Estas ações se intensificaram especialmente desde a tentativa de golpe em agosto de 1961, a partir da renúncia de Jânio Quadros e da Campanha da Legalidade, liderada por Leonel Brizola. A aliança buscou conter avanços econômicos e sociais em curso no Brasil sob o governo de Goulart. Convencidos de que o projeto econômico que se opunha ao projeto nacional-desenvolvimentista não ganharia os “corações e mentes” da população, decidiram romper com a democracia existente. Impuseram pela violência um projeto de nação adequado à expansão do capitalismo dependente e associado aos interesses econômicos dos países centrais do sistema. Como consequência, a partir da influência da Doutrina de Segurança Nacional, seguiram-se anos de uma terrível ditadura que perseguiu, prendeu, matou, torturou, censurou, amordaçou cidadãos por 21 anos mas que, ainda assim, não foi capaz de esvaziar a resistência, que, renovada a cada dia, seguiu a luta em busca do restabelecimento da democracia no país.

A Campanha pelas Diretas Já! expressou o ápice de um processo contínuo de luta popular contra a ditadura ao longo dos anos. Ao eclodir a Campanha, que buscava assegurar apoio à Emenda Constitucional 05/1983 (popularmente conhecida como Emenda Dante de Oliveira, proposta para a retomada de eleições diretas para a Presidência do país), a população ocupou as ruas e praças, aglutinando personalidades públicas, artistas e movimentos populares diversos aos movimentos da política junto ao Congresso Nacional. 

Após anos de ditadura, o que ressurgiu com o movimento pelas eleições diretas não foi a disposição popular para lutas mais radicalizadas, mas a sua face pública, aberta, saída das catacumbas da repressão. Embora considerado o maior movimento popular da história do Brasil, na campanha pelas Diretas as pautas das(os) trabalhadoras(es) não foram vitoriosas. Capturada pelas mesmas classes dominantes que antes tinham promovido o golpe empresarial-militar e inserida na estratégia geral da famigerada “abertura lenta, gradual e segura” orquestrada pelos militares, a Campanha resumiu-se à votação da Emenda Dante de Oliveira, também ela derrotada, justamente no dia 25 de abril de 1984, há exatos 40 anos. Estava em curso a construção de um caminho “seguro” de transição, no qual seriam preservados os interesses da associação entre a burguesia brasileira e o capital monopolista e contidas as possibilidades de uma radicalização popular, quer fosse pela eleição de um governo de caráter popular, quer fosse pela ampla participação da sociedade nos rumos do país. 

A luta pela memória coletiva, que é uma das formas da luta de classes, não escapou dessa captura. É preciso que nós, classe trabalhadora, compreendamos os mecanismos de controle coletivo da memória e identifiquemos os espaços em que esse controle se manifesta. A mídia corporativa é um desses espaços, mas não é o único e talvez nem o mais importante. A memória de luta também pode ser ceifada no lugar onde se produz conhecimento científico e onde se propaga esse conhecimento. E aqui nos referimos especificamente à universidade e às escolas. 

A historiografia é, também, campo de batalha da História e da memória. Nela, não se opera propriamente o apagamento da ditadura ou da luta popular contra o regime ditatorial, mas interpretações que obscurecem a compreensão da totalidade do fenômeno e suas múltiplas conexões. Sob o manto do revisionismo, constroem-se análises que reduzem o tempo da existência da ditadura, por exemplo, que a consideram branda, ou que a justificam, na sua face mais terrível, como consequência provocada pela luta armada sob a teoria dos dois demônios. Ou, ainda, análises que ajudam a invisibilizar os setores da sociedade realmente implicados na articulação do golpe e em sua sustentação, apoiando-se numa vaga e imprecisa teoria sobre uma suposta “gênese autoritária da sociedade brasileira”, que teria fundamentado essa ditadura empresarial-militar. Essas “análises” alimentam a mídia conservadora, os livros didáticos voltados para estudantes da Educação Básica, minimizam a importância da luta popular e deixam ilesos (e impunes) os responsáveis diretos, não apenas pela ditadura, mas pelas mazelas sociais que nos afligem diariamente. 

Com o objetivo de colaborar com um debate crítico sobre o processo histórico da ditadura brasileira, o GT História e Marxismo, seção gaúcha da ANPUH (Associação Nacional de História) e o Coletivo de Professoras e Professores da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre, CPHIS, convidam para o Seminário 60 Anos do Golpe de 1964 e 40 Anos das Diretas Já

O Seminário ocorre entre os dias 26 e 27 de abril, no auditório do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (R. Sete de Setembro, 1020 – Centro Histórico, Porto Alegre). Na noite de 26 de abril, às 19h, um debate reunirá os professores pesquisadores Carla Rodeghero (UFRGS), Graciela Bonassa Garcia (UFRRJ) e Nilo Piana de Castro (Colégio de Aplicação – UFRGS). Na manhã do sábado, dia 27, ocorrerão oficinas temáticas e relatos de experiência de ensino, pesquisa e extensão, da Educação Básica à Universidade. 

Inscrições para apresentadores estão abertas até a próxima quarta-feira, 24/04. Ouvintes podem se inscrever até o dia 27. Ambos receberão certificação pela participação. As inscrições podem ser realizadas por meio do formulário disponível em: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSc78dEJdHRen4veP3PfX4MedfgqjadGNx OkvQoNb9z8-WCxRA/viewform

Mais informações estão disponíveis no Instagram do GT, @gt_historiaemarxismo_rs. Dúvidas também podem ser enviadas para o e-mail do GT, [email protected].

(*) Pesquisadoras(es) e Professores(as) de História 

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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