Opinião
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1 de março de 2024
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14:48

A normalidade não nos serve (Maister F. da Silva)

Embora fosse a vítima da agressão, entregador foi detido por policiais. Foto: Reprodução/Twitter
Embora fosse a vítima da agressão, entregador foi detido por policiais. Foto: Reprodução/Twitter

Maister F. da Silva (*)

Cenas lamentáveis capturadas por câmeras de celulares e câmeras de monitoramento tornaram Porto Alegre pauta nos principais jornais do País e levaram até mesmo o Governo Federal a se manifestar perante os casos de flagrante racismo e violência física sofridos pelo motoboy Éverton Henrique Goandete da Silva e pelo porteiro Rodinei Antônio Xavier, por coincidência ambos os casos aconteceram no Bairro Rio Branco.

Certamente não foram os únicos casos de violência contra a comunidade negra que aconteceram na cidade nesse intervalo de duas semanas, certamente em alguma comunidade da periferia mais de um jovem negro estava tendo seu direito de ir e vir interrompido porque a polícia viu na cor de sua pele a suspeita necessária para interrogá-lo e agredi-lo. A cor da pele, esse é o elemento que torna nossos irmãos e irmãs suspeitos. Ontem, também no centro de Porto Alegre, uma mulher negra foi agredida por um homem branco porque ele suspeitou que ela estivesse furtando em um estabelecimento comercial. Após passar pela humilhação de ser agredida fisicamente, de ter sido obrigada a abrir sua bolsa para revista do agressor, constatou-se que ela não tinha cometido nenhum ato ilícito.

O caso do motoboy Everton foi o mais emblemático, porque escancara todo o racismo incrustrado na sociedade, a violência característica da Brigada Militar que não é despreparo como há muito vem se tratando no âmbito das políticas institucionais, a cada vez que um fato de violação de direitos humanos é denunciado. A violência e o racismo são parte estruturante da formação das forças de segurança desde o período colonial, o Brasil trata de forma desigual todos aqueles que não estão inseridos no contexto ideal da branquitude. Essa ordem social é mantida pela força policial com apoio da Justiça – que legitima ações perpetradas pelos órgãos de segurança, no caso a Justiça preparada pra falhar, visto que os crimes dos policiais militares são julgados pelos próprios militares através da Corregedoria da Brigada Militar e do Tribunal Militar, conhecidos por acobertar e passar pano para seus companheiros de farda.

Segundo dados da pesquisa fruto de convênio do Governo do Estado do Rio Grande do Sul e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), e publicada no ano passado, ser negro é a principal característica para tornar uma pessoa suspeita.

Conforme mostra o gráfico a seguir:

O Brasil escravocrata fazia o controle dos corpos negros pela posse. Após a abolição da escravidão, o controle dos corpos negros passou a ser feito pelas forças de segurança. Não é fruto do acaso o que a pesquisa evidencia: as quatro características principais apontadas pelos policiais como suspeitas a ponto de gerar abordagem coincidem com as características dos corpos que lideram as mortes por violência policial. Também não é fruto do acaso que as prisões brasileiras sejam um amontoado de jovens negros.

A branquitude se enxerga como a normalidade, as instituições dominadas pela branquitude refletem o que ela impôs à comunidade negra como normalidade, e tudo o que não está dentro dessa normalidade eurocêntrica precisa ser inferiorizado para que o poder possa se manter inalterado.

Essa normalidade não nos serve.

 (*) Secretário Municipal de Combate ao Racismo do PT Porto Alegre

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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