Opinião
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2 de fevereiro de 2024
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17:37

Nossas praias estão morrendo (por Arno Kayser)

Praia no norte da ilha de Florianópolis (Foto: Divulgação)
Praia no norte da ilha de Florianópolis (Foto: Divulgação)

Arno Kayser (*)

Esse verão de 2024, como todos os anos, os órgãos ambientais dos estados estão dando informações semanais sobre a condição de balneabilidade das nossas praias. Infelizmente os fatos apresentados são preocupantes. Cada vez mais praias dos litorais gaúcho e catarinense estão ficando impróprios para banho.

Aos poucos estamos fazendo com nossas praias do litoral do sul do Brasil o mesmo que se fez nos anos 40/50, com as praias da zona sul de Porto Alegre. Locais onde muita gente tinha casas de veraneio. Naquela época elas eram famosas, como local de lazer. Todas as famílias com bom poder aquisitivo tinha lá uma casa de veraneio para fugir do calor da cidade. Com o crescimento da população aumentou a carga de poluição cloacal no Guaíba sem a devida preocupação de se instalar sistemas de tratamento de esgotos. O que fez com que elas todas ficassem impróprias para lazer de contato.

Ao invés de fazer esses investimentos para sanear o problema a população optou pelo mais simples. Procurar um novo local. Por isso começaram a ocupar o litoral. Nos anos 60 começou a ocupação das praias no litoral norte gaúcho e nos anos 70 das praias catarinenses. A abertura da freeway e da BR101 facilitou essa opção.

Esse processo começou com loteamentos simples de casas mais hoje se caracteriza por grandes complexos imobiliários com condomínios fechados e prédios de dezenas de andares.

Alimentados pelo sonho de muita gente passar a aposentadoria nas praias e uma especulação imobiliária voltada para atrair até investimentos das pessoas mais ricas do país fomentada por uma propaganda massiva esse processo está aumentando a ocupação das nossas praias num ritmo veloz e impressionante.

Isso a custa de ocupação de ambientes frágeis como os campos de dunas, as matas de restinga, as lagoas litorâneas e a mata atlântica em solos rasos com lençol freático superficial. Processo que somados as mudanças das correntes marinhas devido às mudanças climáticas está modificando a realidade das nossas praias.

É bem provável que tenhamos, assim como no caso das praias da zona sul de Porto Alegre, ultrapassado a capacidade de suporte e recuperação do equilíbrio ambiental capaz de absorver e depurar a poluição decorrente dessa ocupação em larga escala.

Nesse contexto a perda da balneabilidade de muitos locais é um sinal evidente de que algo está errado no processo de ocupação na região litoral. São sinais de esgotamento da capacidade de suporte do meio ambiente para a forma de uso que estamos praticando na região. Balneabilidade que justamente junto com o clima mais ameno, foi à motivação de toda essa ocupação.

Tudo isso é um preço que paga a sociedade por sua negligência em relação à temática ambiental. Um preço difícil de calcular. Mas que alguns números podem nos dar uma idéia do valor. A recuperação do Guaíba, que ainda é parcial, já nos custou centenas de milhões investidos pelo Estado e municípios da região.  Somente uma das pontes perdidas na enchente, em 2023, no rio das Antas vai custar 50 milhões para ser refeita. Quando uma árvore é derrubada num temporal temos muitos custos decorrente dos reparos necessários na rede de serviços, na limpeza da rua ou até na recuperação de veículos ou construções atingidas.

Como no caso das árvores a culpa da perda da balneabilidade não é dos microorganismos que se reproduzem com a poluição.

É o processo de ocupação que não aceita os limites ambientais do ecossistema que está sendo ocupado e que não projeta formas de controlar os impactos dessa ocupação à causa desse processo de morte das nossas praias.

O desafio agora é saber como a sociedade vai reagir. Uma possibilidade é o abandono do uso e a busca de outros lugares para passar as férias como se fez na zona sul. A outra é entender melhor o ambiente local e começar a tomar medidas de políticas públicas que regulem a ocupação do território e minimizem o impacto do que já está posto e ampliem a infra-estrutura de saneamento nos municípios praianos.

A decisão do que fazer é de toda a sociedade. O que não podemos é ficar parados esperando nossas praias morrerem devagar.

(*) Agrônomo, Ecologista e Escritor

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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