Opinião
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23 de janeiro de 2024
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06:45

Resoluções de ano novo? (Coluna da APPOA)

Imagem: Pixabay
Imagem: Pixabay

Luciano Mattuella (*)

Já faz alguns anos que eu não elaboro mais resoluções de ano novo.

O principal motivo disso é porque estas promessas da virada tendem ao fracasso, especialmente quando elas têm relação com alguma restrição como “não comer carboidratos” ou “não passar tanto tempo no celular”. Tudo o que é da ordem da compulsão não se resolve assim, literalmente, de um dia para o outro. Mudar de ano não faz diferença alguma aí.

Quase todo ato compulsivo remete a questões mais profundas, a impulsos ou constrangimentos inconscientes. Portanto, modificar comportamentos deste tipo implica se aventurar pelas forças ocultas que nos movem, e isso requer o tempo e o empenho necessários a uma terapia bem conduzida.

Como somos seres de linguagem, constituídos a partir da nossa história, todos os nossos atos têm um certo lastro narrativo. Comer doces ou gordura saturadas, por exemplo, em geral são escolhas que remetem à infância, ao papel que a alimentação ocupou em nossos primeiros anos de vida, à importância do próprio ato de termos sido cuidados e alimentados por adultos que nos amaram. Assim, não raro a comida se inscreve no psiquismo como um ato de afeto e carinho, e por isso mesmo se torna tão difícil simplesmente acordar um dia e decidir trocar a barra de chocolate por um punhado de insossas castanhas do Pará.

O uso do celular também entra nesse papo. Tem sido bastante comum escutar de pacientes que o aparelho cumpre uma função quase maternal. Ou ficam “rolando o feed” até caírem de sono, ou deixam tocando um podcast como uma canção de ninar. O celular aí surgindo como um lugar de refúgio, de escape das demandas do mundo. O problema, claro, são os efeitos colaterais: na verdade, esse berço digital é bastante desconfortável, muitas vezes servindo mais para manter acordado do que para tranquilizar. Ou seja: a questão não se resume ao ato voluntário de deixar o celular de lado, até porque muitos falam até de um certo movimento desapercebido de ver a mão ociosa indo irremediavelmente na direção do aparelho. Há mais motivos, tanto de cunho social quanto psíquico, para o nosso vício em celulares e redes sociais. Sem poder pensar esta causalidade enigmática, dificilmente alguém conseguirá se livrar deste hábito.

Neste sentido, não sei o quanto adianta pular sete ondinhas, mas posso assegurar que deitar-se em um divã pode efetivamente fazer diferença.

O outro motivo pelo qual eu não faço mais resoluções de ano novo é porque tenho um certo receio dos ideais. Pela minha experiência tanto de vida quanto de consultório, tenho para mim que as imagens de perfeição tendem a nos deixar imóveis. Quando o final do caminho parece tão evidente, temos muita dificuldade de dar o primeiro passo. Com os ideais acontece algo assim: se ficarmos muito tomados pelo ponto de chegada, acabamos nos sentindo pequenos demais frente ao tanto que é necessário caminhar. É o caso daquelas promessas como “No final do ano que vem eu vou ter corrido uma maratona”. 

Não funciona. Simples assim. E não funciona justamente porque tudo aquilo que se coloca para nós como uma obrigação tende a gerar um movimento contrário. Neste sentido, somos absolutamente infantis: quanto mais exigente o imperativo, mais tendemos a desobedecê-lo. O que ocorre aí é um desenlace entre a vontade – “em vez de sair da cama para correr, eu preferia dormir mais uma hora” – e a intenção. Ou, para sermos um tantinho psicanalíticos, entre o desejo e a satisfação. Uma criança não dá os primeiros passos porque alguém a obriga, mas porque fica satisfeita vendo a alegria do adulto que a chama.

Mas se as promessas de ano novo tendem ao fracasso, o que nos sobra, então?

Da minha parte, tenho tomado como inspiração algo que ouvi em um podcast há alguns anos: em vez de resoluções, eu escolho um tema que vai me acompanhar no ano seguinte. Quanto mais abstrato o tema, melhor. Um tema muito específico pode recair no mesmo problema das metas, se tornando um checklist de tarefas e afazeres. A ideia é realmente ser criativo e apostar nas alusões, metáforas e dissonâncias, de forma a que o tema sirva mais como uma bússola do que como um ponto de chegada.

Por exemplo, escolhi que 2024 será “o ano da abertura de espaços”. Tive um 2023 em que por muitas vezes me vi muito atarefado, sem tempo para ler e fazendo muitas coisas de forma corrida. Não gosto desta rotina tão atribulada em que tudo pisca, apita, chama, satura. Em todos os momentos em que for possível, neste ano farei a escolha pela redução dos estímulos, pelos intervalos mais generosos na agenda e pelo volume mais baixo. Mas este tema também pode significar me livrar de algumas roupas que estão no armário, me desfazer de alguns livros que nunca lerei, ou mesmo me desvincular de alguns compromissos mais pesados. 

O interessante de um tema assim amplo é o convite a ser criativo. Não há como saber de antemão em quais situações a ideia de “abertura de espaços” vai surgir, com quais situações cotidianas ela vai dialogar. Parte da graça de escolher um tema e não fazer resoluções é justamente essa: o flerte com o imponderável e o surpreendente.

Afinal, o mundo já nos cobra excessivamente por ponderação e obviedade. Não precisamos nós também fazermos isso com a gente mesmo.

Que todos tenhamos um 2024 de coragem, criatividade e um tantinho de sorte – mesmo que não tenhamos pulados as ondinhas ou comido lentilha no dia da virada!

(*) Luciano Mattuella é psicanalista, membro da APPOA.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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