Opinião
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27 de janeiro de 2024
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12:03

Porto Alegre: da capital mais arborizada do Brasil à perda de áreas verdes (por Rafael Fleck)

Parque Harmomia, em Porto Alegre. (Foto: Luiza Castro/Sul21)
Parque Harmomia, em Porto Alegre. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

Rafael Fleck (*)

Porto Alegre, a capital do Rio Grande do Sul, já foi reconhecida como a cidade mais arborizada do Brasil, com um índice de 82,7% de arborização em vias públicas, segundo o Censo Demográfico do IBGE de 20101. A cidade também recebeu o certificado do Programa Tree Cities of the World, que reconhece e incentiva cidades de todo o mundo a investirem na promoção e preservação de áreas verdes urbanas. No entanto, há pelo menos 30 anos Porto Alegre deixou de lado os cuidados com o parque arbóreo da cidade e como consequência disso perdeu esse título, e hoje enfrenta desafios para manter e ampliar sua cobertura vegetal.

De acordo com o Atlas Ambiental de Porto Alegre, a cidade possui cerca de um milhão de árvores em vias públicas e 74,8 km² de áreas verdes, sendo 748 praças, 411 áreas verdes complementares e oito parques, entre eles o Farroupilha (Redenção), Marinha, Moinhos de Vento, Mascarenha de Moraes e Maurício Sirotsky Sobrinho (Harmonia), esse último repassado por concessão à iniciativa privada, o que resultou na perda de dezenas de árvores em sua área de 40 hectares.

A arborização urbana de Porto Alegre é marcada pela diversidade de espécies, que caracterizam a beleza natural e a memória histórica da cidade. Algumas das árvores mais comuns são o Jacarandá, a Tipuana, o Cinamomo, o Plátano, o Ligustro e a Palmeira-da-Califórnia. Em parques como a Redenção, por exemplo, importantes espécies nativas são encontradas, como é o caso da Corticeira do banhado, Umbú, Cocão, Aroeira vermelha, Pitangueira, Amoreira e Butiá.

Essa diversidade na arborização urbana traz diversos benefícios para a qualidade de vida, ao meio ambiente e a sustentabilidade das cidades, como a influência no clima, a redução da poluição atmosférica, a oferta de sombra e amenização das altas temperaturas, a barreira para o ruído das ruas e avenidas, o abrigo e alimento para aves e outros animais, a integração da natureza ao cenário urbano, a valorização dos imóveis e o bem-estar e convivência humana. O parque arbóreo, portanto, pode ser caracterizado como um pulmão verde de uma cidade.

No entanto, nas últimas três décadas Porto Alegre enfrenta uma série de problemas que comprometem sua arborização urbana. O crescimento urbano desordenado, a demanda por infraestrutura, a falta de planejamento, a degradação ambiental, a redução de investimentos, a ausência de participação social, entre outros, levou a descaracterização e a perda do título de cidade mais arborizada do País.

Segundo dados da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), somente entre 2017 e 2020, foram suprimidas 11.392 árvores em áreas públicas e privadas, sendo que apenas 4.700 foram compensadas com novos plantios. Além disso, a cidade sofre com a falta de manutenção, poda e manejo adequados das árvores, o que pode causar riscos à segurança e à saúde da população. Isso ficou claro com o aumento de eventos climáticos adversos e de grande magnitude, como os ocorridos em 26 de janeiro de 2016 e, agora, em 16 de janeiro de 2024.

Em comparação com outras capitais brasileiras, Porto Alegre caiu no ranking de arborização em vias públicas, sendo superada por cidades como Goiânia, Campinas, Belo Horizonte, Curitiba e São Paulo, segundo o ArchDaily. Além disso, Porto Alegre ficou atrás de outras cidades brasileiras que se destacaram mundialmente por seus projetos de arborização, como Campo Grande, São José dos Campos, São Carlos, Maringá, Rio de Janeiro, Niterói e João Pessoa, segundo a BIO Nasa.

Se desejamos retomar o título, que por tanto tempo nos deu orgulho, será necessário que Porto Alegre inverta a lógica atual do seu planejamento urbano e promova ações integradas e participativas, voltadas a preservação e ampliação das suas áreas verdes. Deve aproveitar o momento em que se começou o debate para a atualização do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA), para nele integrar a visão de que é a urbanização quem deve se adaptar à natureza e não o contrário.

Assim, com o envolvimento da comunidade na gestão ambiental e a adoção de práticas sustentáveis vamos ter a oportunidade de inverter a lógica atual. a partir do entendimento de que a arborização urbana é um patrimônio e um direito de todos os porto-alegrenses que merecem viver em uma cidade mais verde, saudável e bonita. É isso, ou seguir na contramão do que dizem a maioria dos especialistas em climatologia mundial e continuar a sofrer os efeitos e respostas que a natureza nos envia como demonstração de nossos erros de percurso.

(*) Advogado (e-mail: [email protected])

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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