Opinião
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26 de janeiro de 2024
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08:43

As eleições municipais de 2024 em Porto Alegre (por Céli Pinto)

Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

Céli Pinto (*)

Comecemos pela pergunta que não quer calar: é possível para a esquerda ou, em termos mais gerais, a centro-esquerda, ganhar as eleições municipais em Porto Alegre em 2024?  A resposta é a tese que começo a defender neste artigo: sim, é possível, mas difícil. Não há espaço para erros. 

Porto Alegre teve uma tradição de esquerda, desde meados do século passado, que em certo momento se perdeu. Temos, portanto, para começar, uma história a resgatar. A militância política não estava apenas nos partidos, estava nos sindicatos operários, nas organizações populares.  O Orçamento Participativo na cidade deve muito de seu sucesso a esta tradição de luta e participação.

Na década de 1950, Brizola foi prefeito de Porto Alegre e, em 1961, quando tornou-se governador do Estado, o povo desta cidade foi para as ruas pedir armamento para lutar pela democracia, fortemente ameaçada pelo aparato militar que não queria a posse de João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros.

O Movimento da Legalidade não foi um aglomerado qualquer. O Palácio Piratini esteve ameaçado de ser bombardeado pela FAB, aquartelada na Base Aérea de Canoas. Isto só não aconteceu porque houve resistência dos sargentos, que não permitiram que os aviões levantassem voo. Enquanto isto, os artistas militantes Pereio e Lara de Lemos escreviam às pressas um hino para a resistência. Havia entusiasmo, havia postura política. Brizola e Jango representavam um impulso em direção à esquerda e Porto Alegre estava na linha de frente. 

Esta mesma cidade, durante a ditadura militar, buscou resistir ao momento mais radical e tenebroso do período, ao tentar uma desesperada e mal enjambrada tentativa de sequestrar o Cônsul dos Estados Unidos, em 1970. Podemos não concordar com a ação, podemos até achá-la ingênua, partindo de militantes muito jovens, mas não podemos deixar de admirar a coragem, a vontade férrea de fazer alguma coisa contra a estupidez de uma ditadura militar.

O Brasil superou a ditadura, infelizmente fazendo muitas concessões que, depois de 35 anos, ainda se refletem de forma mórbida na politica brasileira.  Novos partidos surgiram, entre eles o PT, em 1980, visto como a grande novidade entre todas as democracias que renasciam na América Latina. Em todos os países reagruparam-se os velhos partidos; no Brasil surgiu um partido que reunia sindicalistas das indústrias, dos bancos, intelectuais e uma parte progressista da Igreja Católica. 

Nesta ocasião, Porto Alegre novamente mostrou sua tradição de esquerda. Nove anos após a criação do Partido dos Trabalhadores, um ano depois de promulgada a Constituição que foi chamada cidadã, elegeu um prefeito do PT, um líder do sindicato dos bancários, que havia sido constituinte, Olívio Dutra. Nas três eleições consecutivas, Porto Alegre votou PT, elegeu Tarso Genro duas vezes e Raul Pont uma. Durante 16 anos, a capital dos gaúchos teve um governo do PT. Nesta época, o Orçamento Participativo tornou-se um exemplo para o mundo. O governo municipal agia de tal forma que todas as pessoas trabalhavam por soluções coletivas, não interessava se eram petistas ou não. Todos faziam política, acreditavam em soluções políticas e isto não era pouca coisa. No mesmo período, aconteceram três edições do Fórum Social Mundial e Porto Alegre ficou conhecida no mundo como a cidade onde  se discutia que “um novo mundo é possível”.

Siqueira e Marlozu, em artigo sobre o a história da participação popular nos governos em Porto Alegre, chamam a atenção para a efervescência desta participação para além do próprio orçamento participativo nos governos de prefeitos petistas:

“ocorreu a rediscussão, reestruturação e criação de novos conselhos, cujo resultado foi a instalação de 25 conselhos de políticas públicas durante a totalidade dos governos da Administração Popular (1989-2004). Interessa tratar em especial dos eventos que incidiram na reflexão e alargamento da experiência de democracia participativa desde o OP. São eles: a realização do Projeto Porto Alegre Mais – Cidade Constituinte, instaurado a partir de 1993, e o I Congresso da Cidade e Conferência da Cidade (1993), ambos no primeiro governo de Tarso Genro (1993-1997); o Seminário Internacional de Democracia Participativa (1999) e a atualização do Plano Diretor (1999) no governo de Raul Pont (1997 à 2000); e a realização do Fórum Social Mundial (2001; 2002; 2003), no governo Genro-Verle (2001-2004). ( Siqueira e Marluzo, 2021). [1]

Lula se elegeu pela primeira vez presidente da república nas eleições de 2002 e o PT se manteve no governo federal até o golpe parlamentar de 2016.  Há aí uma paradoxal coincidência: já na primeira eleição municipal com Lula presidente, a esquerda perdeu as eleições para a prefeitura de Porto Alegre e nunca mais voltou a vencê-la. Por que isto acontece?  Esta é a pergunta de um milhão de dólares que tanto as forças políticas de esquerda em Porto Alegre quanto os movimentos sociais necessitam responder. Esta questão é mais profunda do que as brigas internas do PT. O mau hábito de colocar a culpa no outro, no que deveria ter cedido, não resolve nada. O PT de Porto Alegre perdeu seus elos históricos com as camadas populares da cidade e teve uma renovação mínima. 

Porto Alegre é antipetitista por definição? Para quem acha que a cidade é o Parcão sim, mas felizmente o Parcão é apenas um parquinho. Nas últimas eleições presidenciais, Bolsonaro perdeu as eleições para Lula na cidade e, o que é mais importante, teve uma vitória muito significativa, se compararmos com a vitória nacional. Lula teve 53,47% dos votos dos porto-alegrenses (437 5980), enquanto Bolsonaro teve 47,59% (437 598), isto é, Lula teve 5,88% de votos a mais. Nacionalmente esta diferença foi de 1,8%. (https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2022/divulgacao-dos-resultados-das-eleicoes-2022)

Então, Porto Alegre, está na hora de, nas próximas eleições municipais, virar este quadro! É preciso uma candidatura forte, agressiva, determinada, com um programa realmente popular, de esquerda. Não adianta imitar a direita, nem fazer uma campanha tipo bom-mocismo, não é esta que tradição de luta da cidade. Não podemos ter medo de ser felizes, mas principalmente temos que agir sem medo de fazer  uma campanha de esquerda, radicalmente popular.

Referência

SIQUEIRA,  Lucimar Fátima   e MARZULO,   Eber Pires. Da democracia participativa à desdemocratização na cidade: a experiência do Orçamento Participativo em Porto Alegre.  Metropole 23 (50) • Jan-Apr 2021 . Acesso em 25 Jan. 2024.

(*) Professora Emérita da UFRGS; Cientista Política; Professora convidada do PPG de História da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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