Opinião
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4 de dezembro de 2023
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10:35

Pensando o crescimento a partir de 2024 (por Flavio Fligenspan)

Foto: Marcelo Cassal Jr./Agência Brasil
Foto: Marcelo Cassal Jr./Agência Brasil

Flavio Fligenspan (*)

A economia brasileira teve um desempenho bom no primeiro semestre deste ano, que surpreendeu a muitos. Lembremos que as previsões feitas no início de 2023 eram de crescimento de 0,5% e chegamos agora a taxas perto de 3% para o fechamento do ano. Estas previsões baseiam-se, essencialmente, na performance do primeiro semestre, pois estima-se que na segunda metade do ano esteja ocorrendo uma quase estagnação.

O que explica tal desempenho? Quando se examina o PIB pelo lado da oferta – por setores de atividade –, o destaque se dá pela Agropecuária, com sua safra recorde de mais de 317 milhões de toneladas de Cereais, leguminosas e oleaginosas. Já pela ótica da demanda, outra forma de medir o PIB, é o Consumo das famílias que ajuda a explicar o crescimento; neste caso o responsável maior é o mercado de trabalho, que criou mais vagas e, associado, à queda significativa da inflação, produziu elevação dos rendimentos reais. A combinação de mais ocupação com mais rendimento gerou uma massa de rendimentos que cresceu rapidamente e bancou a alta do consumo, mesmo com juros elevados e ainda com muita gente fora do mercado pelo problema da inadimplência e porque, em média, as famílias comprometem quase um terço de sua renda mensal com dívidas de toda ordem. 

É possível esperar a continuidade destes estímulos que ocorreram sobretudo no primeiro semestre de 2023? A resposta é não. A nova safra certamente não reproduzirá o que aconteceu neste ano; o IBGE espera uma queda de quase 3% no ano que vem. E o mais provável é que o Consumo das famílias não consiga uma arrancada como a de 2023, pois não deve sustentar uma expansão tão grande da ocupação (emprego) e a inflação já não tem tanto espaço para cair. O que de melhor pode acontecer do ponto de vista do Consumo é a continuidade da redução dos juros e o bom funcionamento de programas públicos e privados de renegociação de dívidas, que consigam diminuir a inadimplência e o comprometimento da renda com dívidas. Há sinais neste sentido, resta avaliar a força deste movimento para viabilizar novos planos de crediário e expansão das vendas do varejo.

O fato é que antes que o Consumo avance mais e com força, as empresas não sentirão a confiança suficiente para destravar novos planos de investimento, esta sim a variável que pode sustentar taxas de crescimento mais robustas do PIB. O investimento está parado no Brasil, se não em queda. Depois de um longo período de baixa contínua, durante a recessão de 2014-2016, até houve alguma recuperação desde o final do momento de maiores restrições da pandemia, mas a taxa de investimento (percentual de investimento sobre o PIB) hoje é pouco superior a 18%, abaixo dos 21% do início de 2014 e bem abaixo do que se considera o necessário para um crescimento sem pressões, de, no mínimo, 23%.

Por mais que o Consumo avance, não é esta variável que vai liderar o crescimento. Dependemos diretamente da retomada do investimento. Ele poderia ser induzido pelo investimento público, mas as restrições impostas pela nova regra fiscal tornam este caminho difícil. Resta o investimento privado, ainda em compasso de espera, a não ser pelas manifestações do capital privado estrangeiro. Os números do Investimento direto no país (IDP) seguem muito bons, fazendo do Brasil o quinto maior recebedor de capital estrangeiro produtivo no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, China, Singapura e Hong Kong em 2022, segundo a UNCTAD. O IDP é o capital que entra no Brasil para ser aplicado na produção, não no sistema financeiro, representando, portanto, uma manifestação de genuína confiança no crescimento da economia, algo que o capital privado nacional ainda não mostrou.

Não é por pouco que Lula quer mais obras de infraestrutura, no novo PAC, sejam com recursos públicos ou privados. Ele sabe que não há alternativa para um crescimento mais intenso e sustentado. O Brasil tem uma posição privilegiada na agenda ESG, nos projetos de descarbonização e de energias renováveis, e na reorganização geográfica das cadeias produtivas globais pós-pandemia. Há que se materializar este potencial, aparentemente com a colaboração inicial do capital privado estrangeiro, que é quem deve fazer o papel de “puxar” o capital nacional e, via crescimento, até mesmo melhorar a situação das contas públicas com o natural aumento da arrecadação tributária proporcionada pela expansão do PIB.

(*) Professor Aposentado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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