Opinião
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21 de setembro de 2023
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15:14

O futuro do Pampa e o nosso futuro (por Nilvo Silva)

O Pampa é o bioma brasileiro que mais perde sua área com cobertura natural. Foto: Arquivo Pessoal/Valerio Pillar
O Pampa é o bioma brasileiro que mais perde sua área com cobertura natural. Foto: Arquivo Pessoal/Valerio Pillar

Nilvo Silva (*)

O distanciamento psicológico das pessoas em relação à crise climática e ambiental vai se alterando quando o nosso cotidiano e o nosso bem-estar e o bem-estar das pessoas que amamos vai sendo concretamente ameaçado e corroído. A ideia de que as consequências da nossa cultura de destruição (muitas vezes para construir) só aparecerão no futuro ou de que elas só acontecem lá, em outros lugares, e não aqui, e com os outros, e não conosco, vai dissipando-se pela experiência de perdas e de sofrimento. E acho que, infelizmente, vai ser assim até que tenhamos a capacidade e a coragem de mudar. De pensar formas de construir sem destruir. De fazer escolhas pensando em quem está mais vulnerável hoje e escolhas sobre o tempo que ainda está por vir. Isto vale para os gaúchos, para os brasileiros, para os gregos, para os americanos, para os turcos, para os vietnamitas, para os uruguaios… Vale para todo mundo, para quem vive lá e para quem vive aqui.

E essa mudança está acontecendo. Com contradições, com dificuldades, sem a escala necessária, mas está acontecendo. Em empresas, em universidades, no desenvolvimento de tecnologias, em cidades, em escolas… Neste momento de mudança, o mais importante é pensar com novos olhos, pensar sobre a direção para onde nossas decisões nos levam. E tomar decisões pensando no futuro nunca foi fácil, mesmo que nele estejam crianças, gerações ainda por nascer e a sua segurança.

Na semana passada, o Conselho Estadual de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul deliberou sobre o Zoneamento da Silvicultura do Estado (ZAS), ampliando a possibilidade de destruição da vegetação e solos nativos do Pampa para sua conversão em monoculturas de árvores. Não questiono os interesses envolvidos nesta decisão, talvez façam sentido na lógica dos setores econômicos que a apoiaram. Não quero também minimizar os questionamentos sobre as limitações do processo de discussão e de ausência de incorporação das manifestações de organizações da sociedade civil e de órgãos técnicos do governo do estado. Isto precisa ser devidamente esclarecido e corrigido.

O que quero chamar a atenção é que este tema e esta discussão precisam ser elevados. O Pampa é o bioma brasileiro que mais perdeu cobertura de vegetação e solos nativos (3,4 milhões de hectares, ou 29,5%) entre 1985 e 2021. Isto diz respeito à segurança de disponibilidade de água, ao clima, ao risco de desastres, à produção de alimentos, à proteção da biodiversidade, à vida dos gaúchos e de seus filhos hoje, e dos filhos de seus filhos no futuro. Diz respeito à segurança de todos os filhos do mundo.

Há um elefante na sala. Por mais que se deva discutir aspectos técnicos e de devido processo, diante dos fatos e números, a decisão do Conselho Estadual de Meio Ambiente vai na direção errada. Tanto para a economia do Estado, quanto para a segurança das pessoas, quanto para a biodiversidade, o Pampa precisa ser mais protegido. E precisa ser regenerado em várias regiões. Isto se torna ainda mais necessário com clima mais severo. É preciso aprender a construir sem destruir. Estes são os novos tempos. É para onde caminham as economias modernas.

Li autoridades do Estado falando de modernidade, de que a decisão conciliaria proteção ambiental e desenvolvimento. Com todo respeito, porque sei que estes não são temas fáceis, não há nada moderno na destruição do Pampa. Ao contrário. Desenvolvimento sustentável não implica em conciliações impossíveis. Na maior parte do tempo, implica em escolhas.

E é assim que concluo. Com a esperança de que a sociedade gaúcha perceba a enormidade da escolha feita pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente. E que a questione e a disseque enquanto é tempo.

(*) Nilvo Silva é Engenheiro Químico e mestre em ecologia pela UFRGS. É ex-presidente da FEPAM e exerceu várias funções junto ao Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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