Opinião
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11 de setembro de 2023
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18:00

Lei de drogas e racismo estrutural (por Jeferson Aguiar)

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Jeferson Aguiar (*)

Na retomada do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da constitucionalidade do artigo 28 da chamada Lei de Drogas, que criminaliza o porte de entorpecentes para consumo próprio, mas retira desses, sanções privativas de liberdade, o voto do Ministro Alexandre de Moraes suscitou um importante debate: o racismo estrutural e a discriminação social na aplicação da legislação penal brasileira.

A intenção da lei era melhorar a situação do usuário e reduzir o encarceramento, enquanto aumentava as penas para traficantes. Porém, na sua aplicação a lógica foi invertida. Em especial, porque não determina um critério de quantidade de entorpecentes necessários para diferenciar usuários e traficantes, nem exige outros tipos de provas complementares. Assim, concedeu autonomia demasiada aos agentes do sistema de persecução penal para sua própria interpretação e aplicação. Segundo estudo da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), a falta de definição de um critério quantitativo para caracterizar tráfico causou uma injustiça entre perfis de pessoas [1]. Uma pessoa preta, jovem e com pouca escolaridade têm quase três vezes mais chances de ser considerado traficante, ou, para não ser preso, pode portar, no máximo, cerca de um terço do que pode portar uma pessoa branca, com mais de 30 anos e com ensino superior [2]. Estamos lotando os presídios com jovens, pretos e periféricos. 

Estabelecer critérios de quantidades mínimas para enquadrar a posse de entorpecentes como tráfico de drogas, hoje é necessário a fim de diminuir a discricionariedade e atacar as injustiças de tratamentos desiguais e critérios da seletividade racial e social. Necessitamos de dedicação para solucionar o problema do encarceramento em massa da população negra, de jovens e de pessoas com baixa escolaridade [3]. O direito à liberdade e à vida são os mais fundamentais na garantia de uma sociedade democrática. Só assim políticas de combate à desigualdade e de inclusão social poderão alcançar seus objetivos.

Notas

[1] O estudo analisou 656.408 ocorrências de flagrantes por tráfico e 565.613 apreensões como uso, entre 2003 e 2017, em São Paulo. Mais de 1,2 milhão de casos em São Paulo. Implicando 2.626.802 pessoas envolvidas. Das ocorrências, 53,16% maconha, 44,50% cocaína e 2% outras drogas. 

[2] Para um analfabeto, é de 32 gramas; para quem tem o ensino médio, 40g e, para quem possui ensino superior, salta para 49g. Para um jovem, em torno de 18 anos, 23,9 g, para quem tem até 30 anos, 36g e para quem tem mais de 30 anos, pula para 56g. 134% a mais. Uma pessoa branca precisa portar 80% mais maconha do que uma pessoa preta ou parda para ser considerada traficante.

[3] Isso não significa aceitar, ou normalizar o direito penal do autor, negando direitos fundamentais, como o da presunção da inocência, mas efetivamente proteger a população negra da fúria estrutural do Estado.

(*) Advogado e Professor de direito processual e penal da ULBRA

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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