Opinião
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18 de agosto de 2023
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07:28

Recomposição de margens de lucro no setor de Serviços (por Flavio Fligenspan)

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Flavio Fligenspan (*)

O debate sobre o elevado nível da taxa de juros básica da economia brasileira segue forte. Depois da redução de meio ponto percentual decidida na reunião do início de agosto e da manifestação do Comitê de Política Monetária (COPOM) sobre os próximos passos, praticamente prometendo novas reduções de meio ponto por reunião, projeta-se qual a taxa que vigorará no final de 2024 e se este será o ponto final do ciclo de quedas. 

Os analistas preocupados com o que poderia ser um ritmo acelerado demais de queda da taxa de juros argumentam com alguns fatos, como que chamando atenção para um otimismo exagerado do COPOM com o trato da inflação. Para embasar sua preocupação, listam: (i) que as medidas dos núcleos de inflação ainda estão elevadas; (ii) que o mercado de trabalho estaria aquecido; e (iii) que a inflação de Serviços, ainda que em queda, permanece bem mais alta que a média do IPCA.

Me atenho à questão dos Serviços. Efetivamente, a inflação dos Serviços vem em queda desde a metade de 2022, mas estava em julho último acumulando 5,6% em 12 meses, acima do IPCA, que acumulava 4,0%, e acima do limite superior da meta do IPCA para este ano (4,75%). É, portanto, uma área que exige atenção do Banco Central, até porque houve um forte aumento de demanda deste setor quando cessaram as restrições associadas à pandemia. A classe média, maior cliente do setor, proporcionou uma espécie de “consumo de vingança” no pós-pandemia, uma vez que havia ficado alijada deste tipo de consumo e, ao mesmo tempo, acumulou recursos (poupança), justamente pela impossibilidade de gastar no período anterior. 

Se a demanda por Serviços se elevou muito desde mais ou menos a metade de 2021, e isso propiciou aumentos de preços, tais aumentos também poderiam estar vinculados a custos mais altos. Como se sabe, Serviços é um setor intensivo em mão de obra, especialmente no Brasil, em que boa parte de suas atividades não são as que exigem grande especialização nem o uso de alta tecnologia, como nos países avançados. Nossa configuração de Serviços ainda é a de alta intensidade de mão de obra, baixa qualificação e até mesmo muita informalidade. Assim, no Brasil, Serviços tem como um dos seus principais itens de custos o pessoal, e a PNAD-IBGE mostra que desde o final de 2021 houve recuperação do rendimento médio real, de cerca de 8,9%. Hoje, o mercado de trabalho mais do que recuperou as perdas com a pandemia, tanto em termos de pessoal ocupado, como de rendimento médio.

Ou seja, demanda em alta, sancionando preços igualmente em alta, poderiam estar associados a custos mais elevados, como reflexo da saudável recuperação do mercado de trabalho pós-pandemia, haja vista a queda da taxa de desocupação registrada há vários meses pela PNAD-IBGE. Ocorre que só aumento de rendimento médio não conta toda a história. Há que se comparar o aumento do pessoal ocupado com o avanço da produtividade, através da variável Custo Unitário do Trabalho (CUT), o que mais interessa às empresas, pois se o custo médio com pessoal cresce, mas cresce proporcionalmente mais a produtividade, o custo com mão de obra por unidade de produto ou serviço produzido diminui, isto é o CUT cai. Logo, em situações como esta, as empresas aumentam sua margem de lucro, especialmente se os preços finais dos Serviços sobem, como na conjuntura atual.

Parece que é exatamente esta a situação dos Serviços atualmente no Brasil. A demanda subiu muito desde a metade de 2021, seus preços crescem mais do que a média (IPCA) há um ano e seus custos com mão de obra também aumentaram, mas menos do que a produtividade, ou seja, o CUT setorial caiu, quando comparado com o período pré-pandemia. Esta queda do CUT é constatada pela publicação Destaque Depec-Bradesco, de 10.8.23, cujo título é: “Evolução recente do mercado de trabalho e dos salários”.

Assim, tudo indica que está em curso uma ampla recomposição de margens de lucro no setor, compensando ou até mais do que compensando as perdas durante o período de auge do distanciamento social da pandemia. E isto ajuda a explicar a alta do IPCA e, indiretamente, a opção do COPOM pelo ciclo de alta de juros que começou em março de 2021 e só agora começa a ser revertido.

(*) Professor Aposentado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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