Opinião
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3 de agosto de 2023
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08:59

A morte lenta da arborização de Porto Alegre (por Arno Kayser)

Parque Harmomia, em Porto Alegre. (Foto: Luiza Castro/Sul21)
Parque Harmomia, em Porto Alegre. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

Arno Kayser (*)

Quem conhece um pouco de ecologia sabe que o ambiente urbano tem características bem diferentes de uma floresta. O micro clima em geral é mais seco por ter mais vento e menos evapotranspiração. O solo não tem reposição de nutrientes pela queda de material orgânico e é mais seco por ser menos permeável.

Por isso é meio óbvio que as árvores vivem menos em ambiente urbano que nas matas naturais. A gente não costuma perceber isso porque, mesmo sofrendo num ambiente hostil, elas costumam viver mais que a maioria das pessoas. Mas isso não significa que sejam eternas.

Porto Alegre, graças ao trabalho dos ecologistas, é uma cidade com uma bela arborização. Mas infelizmente essa arborização está passando por um processo de morte lenta.

Tudo começa nas absurdas devastações dos parques públicos entregues à iniciativa privada pautada pelo desejo de lucro que surgiram como resposta aos anos de desintegração dos ótimos serviços públicos do setor do verde da Secretaria de Meio Ambiente que geriam muito bem esse setor. Também passa pela liberação de cortes de vegetação de espaços privados para atender aos interesses da especulação imobiliária que parece ter seu senso estético cultivado nos prédios da Flórida e não na nossa incrível flora nativa.

Mas essa é a face mais evidente que muita gente percebe. Há um processo mais sutil. Há muitos anos não há uma política planejada de plantio de árvores novas. Os projetos de compensação por corte não são implantados e fiscalizados de modo transparente e não se revelam eficientes em repor os danos à vegetação adulta.

O resultado é que as grandes árvores vão ficando velhas e fracas e a cada temporal algumas dezenas caem e não são substituídas por árvores jovens.

Em paralelo a isso há uma explosão de reprodução de erva de passarinho atacando as árvores desvitalizadas pelo estressante ambiente urbano. O fenômeno é uma combinação dessa falta de cuidado com o manejo da vegetação e o aumento da avifauna frugívora nos espaços urbanos. Por conta do uso de agrotóxicos no campo e da abundância de verde elas têm vindo para as cidades. O que é positivo em si.

Mas em seus corpos elas, muitas vezes, carregam as sementes da erva de passarinho que são espalhadas pelas suas fezes nas árvores em que pousam. Isso não seria um grande problema se houvesse um manejo destes parasitas pelo serviço público de arborização.

Mas como esse está cada vez pior, o resultado é que ela está se espalhando sem controle. Nos ambientes naturais equilibrados a erva de passarinho também ocorre. Mas elas não afetam significativamente as árvores saudáveis e ao atacar as árvores doentes ajudam a abrir caminho para a renovação natural da floresta. Já nos ambientes urbanos sem manejo da vegetação pode virar um grande problema.

Esses fatos estão levando a uma morte lenta da arborização de Porto Alegre e de outras cidades onde a mesma omissão do setor público está ocorrendo. Se nada for feito essas cidades ficarão cada vez mais degradadas e com menos condições de equilíbrio para trazer conforto e beleza para seus moradores.

O setor público de arborização tem que ser requalificado com meios adequados e com profissionais competentes com visão pública voltada para o bem da população para que se possa ser revertido este quadro de morte lenta e seja garantida a perenidade de uma arborização saudável a exemplo do que ocorre nas florestas nativas.

(*) Agrônomo, ecologista e escritor

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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