Flávio Fligenspan (*)
Para quem ganha a vida tentando se antecipar às variações futuras da economia, chega a ser no mínimo estranho que só agora, no meio de junho, o sistema financeiro começa a se dar conta de que um conjunto de informações leva à conclusão de que estamos começando a viver um ambiente de virada no Brasil. Técnicas econométricas sofisticadas utilizadas por profissionais de alto gabarito não foram capazes de se adiantar aos fatos e levaram praticamente meio ano para mudar suas projeções para 2023. Imagine quanto dinheiro se perdeu neste intervalo por fazer apostas erradas ou, no mínimo, tardias.
Pois é justamente isto que se observa neste meio de junho, quando as previsões ruins do sistema financeiro no início do ano começam a virar uma a uma, como se fosse um movimento coordenado. Lembremos de uma previsão significativa, a do crescimento do PIB em torno de 0,8% para 2023. Os meses se passaram e as previsões de diversos agentes foram se transformando para alcançar atualmente algo em torno de 2%, alguns chegando mais perto de 3%, ainda uma taxa baixa para o que o país necessita, mas muito acima da projeção inicial.
O que mudou, para justificar estas revisões? Nada muito significativo. Algumas promessas que Lula fazia ainda no final de 2022, depois do resultado do segundo turno, começaram a se efetivar ou estão muito próximas de se tornar realidade. O aumento real do salário mínimo e o novo Bolsa Família, por exemplo, já estão em vigor, o arcabouço fiscal caminha bem no Legislativo, o Programa Desenrola finalmente vai começar a rodar e o Novo PAC e o novo Minha Casa Minha Vida logo vão ser lançados. Mas, para quem é especialista em prever o futuro, não era necessário chegar até aqui para mudar sua opinião.
Afinal, as promessas já haviam sido feitas, a PEC da Transição reservou recursos suficientes para retomar obras e, principalmente, o histórico dos Governos Lula apontava caminhos bem definidos para a retomada dos investimentos públicos e da expansão do consumo com redistribuição de renda.
Além disso, a taxa de juros já estava no seu nível máximo, logo só poderia se prever sua redução; o que não se sabe até agora é quando exatamente começa o ciclo de baixa e qual sua velocidade. Por sua vez, a excelente safra agrícola já estava projetada e seus efeitos sobre a inflação e as exportações são conhecidos há muito tempo.
Ainda no terreno das incertezas está a negociação em torno da Reforma Tributária, mas nunca antes houve tamanha probabilidade de se conseguir avançar em vários pontos que certamente vão aumentar a eficiência do sistema e diminuir a incerteza e os custos das empresas, favorecendo uma expansão maior do PIB. Também era previsível uma mudança da imagem do país no exterior, com avanços na agenda ambiental e energética, fazendo crescer o interesse do capital estrangeiro, algo que o histórico de Lula também já mostrava.
O empurrão que faltava veio na semana passada, com enorme repercussão na imprensa, o anúncio da expectativa de mudança da classificação de risco do Brasil pela agência Standard and Poors, provavelmente seguida pelas suas congêneres internacionais logo à frente. Recuperação de preços das commodities internacionais e dólar desvalorizado no cenário mundial ajudam a compor um quadro favorável, que tem expressão na alta recente da Bolsa brasileira e no rebaixamento dos juros futuros.
Verifica-se, por outro lado, enormes dificuldades políticas no Congresso e um passivo muito grande de famílias e empresas que não vai se resolver rapidamente, sobretudo pelo elevado patamar dos juros. Mas o que é inegável é que as previsões econômicas em geral melhoraram muito de um mês para cá e que, óbvio, só melhoraram muito porque estavam bem erradas antes. De qualquer forma, depois de um pessimismo inicial com Lula – que colaborou para o ambiente com declarações inoportunas –, o sistema financeiro começa a adotar um clima de “agora vai”. Não “vai” ser tão depressa nem com tanto entusiasmo, contudo a simples troca de humor também ajuda a construir um cenário mais favorável ao crescimento.
(*) Professor Aposentado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
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