Opinião
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5 de junho de 2023
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17:05

Dia Mundial do Meio Ambiente e a privatização do saneamento básico (por Adriano Reinheimer)

Prefeitura atendeu pedido dos trabalhadores do Dmae para manter pagamento de horas extras sob risco de afetar serviços a população. | Foto: Maia Rubim/Sul21
Prefeitura atendeu pedido dos trabalhadores do Dmae para manter pagamento de horas extras sob risco de afetar serviços a população. | Foto: Maia Rubim/Sul21

Adriano Skrebsky Reinheimer (*)

Comemora-se anualmente em 5 de junho o Dia Mundial do Meio Ambiente, estabelecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1972, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizado em Estocolmo, Suécia. Data apropriada para reconhecer a importância da gestão pública do saneamento básico como uma política social essencial e renovar nossos esforços para promover o acesso universal a serviços de saneamento de qualidade, garantindo um futuro mais saudável e sustentável a todos.

Muito distante disso, no Brasil o Novo Marco Legal do Saneamento Básico, a Lei Federal no 14.026/2020, introduziu no contexto das privatizações do setor uma prática controversa que merece atenção, a securitização. Operação financeira, que apesar de passar despercebida pela sociedade, desempenha um papel fundamental nas transações envolvendo a transferência da gestão dos serviços de água e esgoto à iniciativa privada.

Na securitização, ativos financeiros, dívidas e recebíveis provenientes das tarifas futuras de água e esgoto, são transformados em títulos negociáveis no mercado como estratégia de viabilidade econômico-financeira à aquisição desses serviços de interesse local. Informações da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, a ANBIMA, mostram que a securitização do saneamento privado no Brasil tem potencial para movimentar cifras de bilhões de reais por ano, um verdadeiro “eldorado” para o sistema financeiro, que considera a área do saneamento básico muito atrativa para os investidores financeiros devido à sua natureza essencial e à demanda estável por seus serviços, garantindo-lhes acesso a um fluxo constante de recursos e uma fonte de lucro de longo prazo.

Nessa esteira, a modelagem da entrega dos serviços do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) de Porto Alegre ao setor privado, maquiado de “parceirização” pela Gestão Municipal, prevê prazo de concessão de 35 anos e lance mínimo de R$ 400 milhões em leilão de privatização na B3, a Bolsa de Valores, contratada por inexigibilidade desde dezembro de 2021 pela Secretaria Municipal de Parcerias. No entanto, com base na receita lançada do DMAE no ano de 2022 e que ficou em R$ 938.368.668,47, tem-se que dessa possível negociata público-privada o resultado total do montante do fluxo de caixa ao longo dessas mais de três décadas, com a Taxa Selic que hoje está em 13,75% ao ano, será de R$ 59.433.495.043,17. Sim, aproximadamente 60 bilhões de reais. Cenário que faz com que o valor desse lance mínimo, outorga fixa de R$ 400 milhões, que é a contrapartida pela transferência do controle e da responsabilidade da prestação do serviço para a empresa privada, soe como um deboche à população porto-alegrense.

Posto que estudos robustos e sérios no mundo todo, definidos por critérios específicos e transparentes, como o valor de mercado dos ativos, o potencial de retorno financeiro do serviço e a capacidade de investimento da empresa, determinam que a outorga inicial deva ser de no mínimo 10% do valor total do contrato de concessão, enquanto que as outorgas variáveis ou contingentes, que se baseiam também por indicadores próprios, como o cumprimento de metas de desempenho, a qualidade dos serviços prestados e o alcance de eficiência operacional, devam ficar em 5% da receita operacional bruta anual. No caso do DMAE, a ausência de objetivos estratégicos nos tomadores de decisão do governo, sensíveis aos interesses do mercado, faz com que aceitem migalhas, abrindo mão de R$ 5.943.349.504,31 de outorga fixa e de R$ 141.808.113,84 anuais de outorgas variáveis. Números que, aliás, podem colocar o modelo de “parceirização” do DMAE sob suspeição ou muito próximo do interior de algum contêiner do DMLU.

Assim, tendo em mente que dentre os objetivos do Dia Mundial do Meio Ambiente está à promoção da conscientização em relação às questões ambientais, a fim de propiciar um futuro mais sustentável a todas as gerações, não há como deixar de fora do debate público suscitado por essa data o quão nefastas são as repercussões sociais e econômicas da securitização como método financeiro nos processos de privatização do saneamento básico. Visto que tal mecanismo se configura na mão oculta do mercado financeiro, em benefício dos mais ricos e em detrimento dos mais pobres. Logo, é preciso questionar e repensar essa prática, assegurando que as políticas públicas no setor de saneamento estejam voltadas para o interesse público e a promoção da igualdade, garantindo que todos tenham acesso a serviços básicos de qualidade.

(*) Engenheiro Civil, Servidor público efetivo do DMAE/PMPA ([email protected])

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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