Opinião
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25 de abril de 2023
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07:27

Close (2022) (Coluna da APPOA)

Foto: Divulgação/O2 Filmes
Foto: Divulgação/O2 Filmes

Gerson Smiech Pinho (*)

Dois garotos buscam por um esconderijo enquanto brincam que estão prestes a ser atacados por uma horda de inimigos invisíveis. Ao mesmo tempo que se refugiam empunhando frágeis espadas de madeira no interior de um lugar abandonado em ruínas, divertem-se imaginando escutar os passos dos invasores que se aproximam – cerca de oitenta pessoas que formam um círculo sobre o telhado. Frente ao ataque iminente, saem em disparada, correndo em meio a um belo e colorido campo, repleto de flores.

Esta é a cena de abertura do filme Close, a qual condensa e retrata, em grande medida, aquilo que irá se desenrolar na sequência de todo o restante da trama. Isso porque, nesta passagem que dá início à história, os personagens Leo e Remi brincam que têm seu território invadido, ao mesmo tempo que expressam o laço de amizade aparentemente inabalável que os une, edificado no interior de uma espécie de domínio fraterno, íntimo e protegido. Efetivamente, ao longo da primeira parte da narrativa, os dois garotos de 13 anos passam quase todo o tempo conectados – divertem-se juntos, têm atitudes carinhosas, trocam palavras afetuosas e dormem um na casa do outro dividindo inclusive a mesma cama.

O filme dirigido pelo cineasta belga Lukas Dhont aborda de forma extremamente sensível e tocante o lugar fundamental que as amizades e os pares têm durante a adolescência. A meio caminho entre a intimidade da família experimentada na infância e a inserção na coletividade pela proximidade da vida adulta, as relações de amizade e de grupo costumam se firmar através de ligações profundamente intensas entre os jovens. Reunidos aos pares ou em bandos, com universos particulares e códigos exclusivos, os investimentos afetivos dirigidos aos amigos nessa época da vida trazem consigo a força dos laços afetivos familiares dos quais derivam. Ao deixar para trás a identidade infantil sustentada até então, o adolescente encontra, no convívio com os pares, o semelhante que devolve uma nova imagem de si próprio em espelho.

É nesse ponto que se encontram Leo e Remi na parte inicial do filme, ligados um ao outro numa relação complementar, ainda bastante próxima do domínio familiar e infantil. A amizade pretensamente sólida dos dois, construída desde quando eram crianças, começa a ser desestabilizada quando as fronteiras da intimidade compartilhada por ambos começam a ser transpostas, como na invasão da fortaleza imaginária que simulam no jogo de faz-de-conta na cena de abertura do filme. Trata-se de seus companheiros de escola que, de algum modo, levam à ruptura do idílico universo cultivado pelos dois garotos.

Na medida em que percebem a intimidade entre os dois meninos, os colegas de aula dão uma interpretação até então inédita à ligação entre eles, na medida em que supõem que possam constituir um casal. A hipótese que lhes chega de fora, de forma mais ou menos abrupta e surpreendente, inscreve um novo sentido ao laço que os unia até então. Junto a esse cenário, advém também as situações de bullying que tem como alvo a relação entre os dois.

A partir desse momento, não só se produz um conflito que fomenta o gradual distanciamento entre os dois amigos, mas cada um deles toma uma posição bastante distinta frente à questão que se coloca. Leo se aproxima de outro garoto e começa a praticar hóquei no gelo, numa espécie de ritual de passagem para a assunção de uma imagem masculina mais assentada na força e no pouco interesse pelos afetos, afastando de si o antigo companheiro. Remi sofre com a separação, o que o leva a uma atitude extrema frente à insuportabilidade da ruptura do laço de amizade. Interrompo aqui o percurso pela narrativa de Close, pois é a partir desse ponto que a história toma um rumo inesperado e comovente, o qual necessita ser experimentado por quem se disponha a mergulhar na história desse filme único e surpreendente.

A ligação de Leo e Remi constitui o argumento central do filme, que coloca em destaque o modo como ambos são afetados pelo laço com os outros adolescentes ao redor. Cada um dos protagonistas expressa uma experiência distinta frente aos ideais com os quais são confrontados, nesse tempo tão sensível da vida. Enquanto Leo busca corresponder a certo modelo que condiz às exigências do grupo, Remi fica à deriva, sem suporte onde se apoiar, na mais absoluta posição de exclusão. Ainda que ele evidencie de forma extremamente impactante e radical sua situação de desamparo, ambos expressam o sofrimento a que estão expostos. Se a adolescência é um momento de profundo questionamento, no qual um sujeito busca situar alguma orientação a partir dos ideais vigentes no laço social de sua época, o filme mostra o quanto, por vezes, esse percurso fica obstruído.

(*) Psicanalista, membro da APPOA e do Centro Lydia Coriat

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