Opinião
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21 de março de 2023
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19:05

Corsan: mais uma tragédia privatista? (por Matheus Gomes)

Foto: Acom Corsan
Foto: Acom Corsan

Matheus Gomes (*)

Nos últimos anos o Brasil viveu uma retomada das privatizações à la década de 1980/1990, quando se privatizava qualquer coisa no mundo, sem nem saber muito bem no que ia dar. A moda passou, e hoje o que vemos são diversos países reestatizando empresas e serviços públicos essenciais. Um levantamento do Centro de Estudos em Democracia e Sustentabilidade do Transnational Institute (TNI), sediado na Holanda, listou entre 2000 e 2017 ao menos 884 serviços reestatizados, principalmente em países europeus. Na Alemanha, 348 serviços foram reestatizados, na França 152 e nos EUA – o farol do privatismo – 67.

Isto ocorreu porque muita coisa deu errada: preços altos e serviços ruins. Afinal de contas o único objetivo dessas empresas é a busca incessante do lucro, e muitas vezes isso não combina com a garantia da qualidade em serviços tão importantes para a população. E olhem só, o segundo setor com maior número de devoluções foi a de águas, com 267 devoluções. Só perdeu para o de energia elétrica (pobre de nós com a privatização da Eletrobras!).

Infelizmente este filme poderá ser o mesmo assistido pelo povo gaúcho, com a venda da Corsan. Na contramão do mundo, em pleno ano de 2023, o governador quer privatizar a maior empresa de saneamento do estado.

Nesse Dia Mundial da Água vale a reflexão: por que o líder do Palácio Piratini quer privatizar uma empresa superavitária e lucrativa? Segundo o governador o “objetivo da desestatização é preparar a empresa para cumprir as novas exigências do Marco Legal do Saneamento, ampliando a capacidade financeira da empresa para dar conta de investimentos de R$ 10 bilhões”. Ou seja, a empresa estatal não teria condições de garantir os investimentos legais necessários.

Mas isto é simplesmente falso. Segundo o Ministério Público de Contas do estado a companhia tem nos últimos anos buscado com sucesso ampliar sua capacidade de investimentos, podendo alcançar até R$ 11,53 bilhões. Essa informação consta no Parecer 10/2021 [1] e considera valores que a CORSAN teria em empréstimos, recebimentos do Governo Federal e investimentos próprios.

Também em estudo realizado por economistas da nossa equipe, ao analisar os valores investidos pela companhia de 2015 a 2021 se observou que a Corsan aumentou ano após ano 7,5% em seus investimentos. Seguindo esse mesmo crescimento para os investimentos até 2033, ano em que as metas do marco deveriam ser concretizadas, teríamos exatamente os R$ 10 bilhões previstos para consecução dessas metas.

Não é só o argumento do governo para privatizar que é o problema, mas também o valor que a empresa está sendo vendida. Segundo relatório de avaliação econômico-financeira encomendada pelo SINDIÁGUA/RS, a Corsan está sendo vendida para o grupo Aegea por praticamente a metade do seu valor. A conclusão é decorrente de uma análise de avaliação por fluxo de caixa descontado, método comum no mercado financeiro para se avaliar o “preço justo” de venda de uma empresa. Segundo este estudo, a Corsan está valendo hoje R$ 8,03 bilhões, muito mais do que R$ 4,151 bilhões arrematado em leilão, com os míseros 1,15% de ágio. Ou seja, a privatização da Corsan tem todos os elementos de tragédia privatista: venda sem motivo e a preço de banana.

No parlamento estadual estamos em luta pela abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar esse processo de privatização, o que seria fundamental para exigir explicações do governo estadual sobre os diversos estudos e questionamentos em aberto. Também nos somamos aos esforços do movimento sindical, das organizações populares e ambientalistas que fazem um amplo movimento em defesa da água como um público e direito humano elementar. É urgente que o povo gaúcho consiga barrar a venda desse nosso patrimônio, impedindo que daqui a algumas décadas nós tenhamos que pagar mais uma vez a conta, que com certeza chegará.

[1] REPRESENTAÇÃO MPC Nº 010/2021, Ministério Público de Contas do Estado do Rio Grande do Sul.

(*) Deputado estadual (PSOL-RS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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