Opinião
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3 de janeiro de 2023
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19:07

O que o RS e seus municípios podem esperar de 2023? (por Diogo Joel Demarco e Alessandro Donadio Miebach)

Foto: Felipe Dalla Valle / Palácio Piratini
Foto: Felipe Dalla Valle / Palácio Piratini

Diogo Joel Demarco e Alessandro Donadio Miebach (*)

Janeiro marca o início de um novo ano e de um novo governo no Brasil. Apesar da natural ênfase nas ações e decisões do Governo Federal, especialmente em seu âmbito fiscal e na reconstrução das políticas sociais, é relevante para a realidade local pensar sobre os desafios colocados para a gestão de Estados e Munícipios. Se os dilemas mundiais e nacionais do contexto pós-pandemia são enormes, o mesmo pode ser dito sob uma ótica regional e municipal.

No que tange aos municípios gaúchos, dados disponibilizados pelo TCE-RS revelam que os efeitos diretos e imediatos da pandemia sobre as finanças públicas municipais não foram tão deletérios como o inicialmente previsto. As receitas não caíram de maneira acentuada, assim como os repasses da união mitigaram eventuais perdas, ampliando a dependência dos municípios em relação às receitas de transferências, como demonstra o quadro 1. 

Observando-se o período de 2019 a 2021 (ano anterior e dois anos mais agudos da pandemia) verifica-se uma elevação, em valores reais (atualizados pelo IPCA em 31/12/2021) de 7,6%, na ordem de 4 bilhões de reais. Este crescimento da receita foi observado em 387 municípios do estado (78%), enquanto em 110 municípios (22%) houve queda na receita total.

Entretanto o menor impacto imediato da pandemia não pode ocultar os grandes desafios postos aos municípios gaúchos. A pressão nas despesas municipais é crescente, e este fenômeno precede a pandemia vindo de um contínuo de demandas por ampliações dos gastos visando dar efetividade às políticas de bem-estar definidas pela Constituição Federal de 1988. Desde então os municípios estão na linha de frente da prestação de serviços à população. As principais demandas se situam na elevação do número de matriculas no ensino fundamental nas redes municipais, no represamento de atendimentos e procedimentos na área da saúde durante a pandemia, gerando uma sobrecarga no atendimento da assistência hospitalar e ambulatorial, sobretudo nos municípios maiores (acima de 50 mil habitantes) e, também, na assistência social, que viu aumentar as demandas por auxílios eventuais e permanentes, ao passo que se reduziu fortemente o aporte de recursos federais para esta área. 

Ao mesmo tempo, a proximidade dos eleitores com os gestores públicos no âmbito local, especialmente nos municípios menores, implica em maior pressão tanto política como social. Especialmente a partir da recessão brasileira iniciada em 2015, as pressões por maiores gastos com a provisão de bens públicos se elevaram de forma acentuada dada a própria magnitude da crise. A Pandemia de Covid-19 apenas acentuou esse processo, o que demanda, para a provisão minimamente adequada de serviços públicos, um crescimento de gastos maior do que as previsões apontam. As indicações são de intensificação de pressões sociais e fiscais sobre os orçamentos municipais. 

Processo análogo pode ser observado no cenário estadual. Nesta esfera a tendência de pressão fiscal também se associa aos impactos das reduções na arrecadação de ICMS sobre combustíveis impostas pela União em meio ao processo eleitoral de 2022, o que deverá ser revertido pelo novo governo. Um fator mitigador conjuntural de maiores pressões nos orçamentos estaduais ao longo de 2022 residiu na elevação recente da inflação. Dada a relação dinâmica entre a correção das receitas e despesas, a inflação é conjunturalmente benéfica às contas públicas ainda que tenda a gerar prejuízos ao conjunto da população, especialmente aos segmentos assalariados e de menor renda. 

A trajetória de recuperação cíclica da economia gaúcha após a pandemia parece ter se esgotado (Gráfico 1), e agora o crescimento do Estado tende a se alinhar com o comportamento histórico, com forte dependência da Agropecuária e da economia nacional, além de sujeito a eventos climáticos extremos. Cabe ponderar que tanto fatores externos como a própria gestão da política econômica nacional encontram-se fora do controle dos gestores estaduais, o que pode implicar em rápida deterioração de um já pressionado cenário fiscal. 

Esse conjunto de desafios ressalta a necessidade de repactuação das receitas dos entes federados no contexto de uma reforma tributária. A experiência da pandemia global de Covid-19 demonstrou cabalmente para as sociedades ao redor do mundo a relevância e a insubstituibilidade da provisão de bens públicos por parte do Estado. Ao mesmo tempo se coloca a necessidade imperativa de aprimoramento da gestão fiscal de toda a estrutura estatal brasileira. É fundamental a retomada da participação da cidadania nos processos de definição de prioridades alocativas e na avaliação de eficiência da gestão pública, o que é naturalmente mais efetivo no espaço local. Ao mesmo tempo é premente a busca por justiça fiscal e equidade contributiva, reduzindo o caráter regressivo da carga tributária. A realização de uma reforma tributária eficaz, que permita o aprimoramento da arrecadação será um passo relevante na direção do desenvolvimento da sociedade brasileira.

Estes são alguns dos desafios que se vislumbram no cenário socioeconômico do estado do Rio Grande do Sul para 2023. As previsões nada alvissareiras de crescimento econômico, de um lado, e, de outro, as pressões crescentes por mais e melhores serviços públicos, tensionarão não somente os gestores públicos em todos os níveis, mas toda a sociedade, exigindo a articulação e coordenação de esforços na superação destes desafios.

Diogo Joel Demarco é Professor da Escola de Administração (EA/UFRGS) e do Programa de Pós-Graduação Profissional em Economia (PPECO-FCE/UFRGS)

Alessandro Donadio Miebach é Professor da Faculdade de Ciências Economias (FCE/UFRGS) e do Programa de Pós-Graduação Profissional em Economia (PPECO-FCE/UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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