Opinião
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1 de janeiro de 2023
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21:55

Cadê o responsável? (por Luiz Marques)

Lula toma posse em Brasília. Foto: Luiza Castro/Sul21
Lula toma posse em Brasília. Foto: Luiza Castro/Sul21

Luiz Marques (*)

“Graças à covardia de Bolsonaro tivemos a posse mais linda da história”. A frase circulou na internet junto com a foto de representantes do povo brasileiro que, através de uma mulher negra, catadora de materiais recicláveis, entregou a simbólica faixa presidencial na rampa do Palácio do Planalto ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo os profissionais mais experientes da imprensa se emocionaram com a cena. O gesto de covardia do fujão deu lugar ao gesto de coragem da população, a mesma que derrotou o aparato do Estado e a intervenção das elites neocolonialistas em favor da reeleição do governante, cujo programa se resumia à premeditada destruição do país.

Tanto o discurso no Congresso Nacional, quanto o proferido no Parlatório Popular destacaram o caráter desenvolvimentista e trabalhista, democrático e participativo, centrado no crescimento econômico com distribuição de renda para combater as desigualdades sociais. Desigualdades, estas, aprofundadas após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e a ascensão do golpista Michel Temer (2016), seguida da eleição para a presidência de Jair Bolsonaro (2018-2022), o qual promoveu o desmonte das políticas públicas que visavam um Estado de Bem-Estar Social.

Lula falou também sobre a punição dos responsáveis pelo genocídio na pandemia que causou a morte de quase 700 mil pessoas, fazendo do Brasil em termos proporcionais a nação com o maior número de vítimas na relação com o número de habitantes. Com 2,7% da população mundial, contabilizamos 30% do total do morticínio pelo coronavírus, no mundo inteiro (Estudo Epicovid, Pedro Hallal). Pesquisas demonstram a partir de modelos matemáticos e outras metodologias que, aproximadamente, um em cada cinco lutos eram evitáveis se as recomendações das autoridades sanitárias fossem aplicadas. A incúria governamental resultou em 400 mil perdas humanas. Não há emblema maior para a necropolítica proposital ocasionada pelas inações perversas do desgoverno. 

Os crimes são muitos; nenhum com uma estatística tão macabra. Se não levou ao afastamento e à prisão do genocida, apesar das provas robustas colecionadas naComissão Parlamentar de Inquérito (CPI), tal se deve à inoperância da Procuradoria Geral da República (PGR), que engavetou o caso sem apurar as denúncias. Só Augusto Aras não sabe por que colhe vaias em suas aparições públicas, onde anda. O procurador sonso foi o agente dos interesses do mandatário no Executivo, tout court.

O oportuno e já indispensável Dicionário dos negacionismos no Brasil (Cepe, 2022), organizado por José Szwako e José Luiz Ratton, no verbete sobre “Pandemia no Brasil (gestão da)” anota que o desastre não foi um simples acidente de percurso. “O enfrentamento à pandemia da covid-19 foi, e tem sido, desastroso. Houve por aqui a clara intenção de se disseminar o vírus, como política adotada. Isso se deu por uma tese negacionista, que ignorou a ciência e suas melhores evidências. Seus defensores tinham como crença e aposta a ‘imunidade de rebanho’ (imunidade coletiva), impossível de ser alcançada sem a política pública adequada para uma vacinação em massa”. 

O negacionismo bolsonarista negou a doença (“uma gripezinha”, “mimimi”) e debochou com sadismo de pacientes com falta de ar nas UTIs dos hospitais. Ainda, negou as vacinas (“as chinesas instalam chips comunistas no corpo”, “vira jacaré”, “induzem ao HIV”). Não à toa, os índices de vacinação da poliomelite, sarampo, caxumba, etc despencaram drasticamente em nosso território, conforme os dados do Ministério da Saúde. Doenças antes sob controle, agora, retornam com força.

“O governo federal foi equivocado e criminoso na gestão da pandemia… faltou coordenação nacional para orientar estados e municípios… a comunicação ambivalente confundiu a opinião pública com informações erradas e perigosas… houve um atraso na compra das doses vacinais e na distribuição para a população… o eixo principal era guiado pelo negacionismo científico”. Em suma, “a pandemia no Brasil foi sinônimo do descaso do governo e da desigualdade social e poderia ter sido muito diferente. Temos no SUS um dos maiores patrimônios de nossa sociedade” (idem).

Aquele que saiu pela porta dos fundos, na sexta-feira, tinha motivos de sobra para fugar, não é?

(*) Docente de Ciência Política na UFRGS, ex-Secretário de Estado da Cultura no Rio Grande do Sul 

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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