Opinião
|
11 de novembro de 2022
|
19:24

Concessão do todo ou de partes do Parque da Redenção (por Fabian Scholze Domingues e Maria Dalila Bohrer)

Parque Farroupilha / Parque da Redenção. Foto: Luiza Castro/Sul21
Parque Farroupilha / Parque da Redenção. Foto: Luiza Castro/Sul21

Fabian Scholze Domingues e Maria Dalila Bohrer (*)

As parcerias público-privadas ou a ideia da concessão de áreas públicas para a iniciativa privada têm pautado as notícias dos jornais locais como prática predominante da atual gestão municipal na recuperação e manutenção dos parques e praças de Porto Alegre.

Será que frente ao cenário da falência programada da gestão pública na visão neoliberal a parceria público-privada é a única forma da Prefeitura de Porto Alegre de gerir suas áreas de uso público?

O Parque da Redenção tem um significado histórico para todos os habitantes de Porto Alegre. É seu parque mais popular diretamente ligado às vivências urbanas peculiares como esportes, caminhadas, rodas de conversa, performances artísticas, protestos, manifestações populares, entre outras que lhe atribuem um forte caráter público.

Saber identificar o caráter de cada praça ou parque da cidade é tarefa primeira antes de definir o instrumento de gestão e manutenção cabível.

Colocar “no mesmo pacote de concessão” o parque da Redenção e o Calçadão do Lami demonstra, por parte dos técnicos da Prefeitura, uma leitura homogênea, pragmática que desconsidera as características do lugar e incentiva a uniformização do tratamento dos espaços públicos e sua privatização, ou seja, a concessão retira o caráter democrático dos espaços públicos, ignora suas peculiaridades e estratifica seu uso para as camadas mais favorecidas.

Quanto às características morfológicas um parque urbano constitui um todo com atividades distribuídas e articuladas entre si, onde os passeios das ruas do entorno são uma continuidade deste todo. Cercar, dividir, definir polígonos privados dentro do parque significa romper a dimensão do todo que caracteriza o Parque da Redenção. O parque já possui seus espaços privados como o mercado da Bonfim,  o parque de diversões e o trenzinho que convivem harmoniosamente com o todo do parque

A concessão do Parque da Redenção à iniciativa privada por 30 anos detalhada através do caderno de encargos romperá a sua dimensão de todo transformando-o num arquipélago de ilhas privadas com alguns acessos públicos.

Recentemente a imprensa local publicou matéria reconhecendo que conceder toda a Redenção à iniciativa privada seria ruim para a cidade e argumenta que o ideal seria conceder polígonos do parque e não 100%. Desta forma a iniciativa privada poderia administrar e faturar com determinadas atividades como o centro gastronômico, bares, floriculturas e o estacionamento subterrâneo para 577 carros.

Por que construir um centro gastronômico dentro do parque?

Já existem nas ruas do entorno um significativo núcleo de bares e serviços que complementam o uso do parque. Poderiam ser dados incentivos fiscais para comércio e serviços nas ruas do entorno o que impulsionaria o setor explorado pela iniciativa privada sem a necessidade de ocupar as áreas do parque.

Por que construir um estacionamento subterrâneo na Redenção?

As obras de escavação impactariam diretamente os usos dados ao parque, como a prática de esportes, além de afetar as inúmeras árvores existentes há muito tempo no local. Já existem muitos estacionamentos nas ruas do entorno. Construir um estacionamento subterrâneo revela em termos de mobilidade uma visão rodoviarista, paradigma totalmente superado. Os estudos de mobilidade incentivam e priorizam o caminhar, o transporte ativo, as bicicletas. Chegar ao parque de carro e estacionar em garagem privada significa não vivenciar a cidade, mas privilegiar o uso do automóvel.

A prefeitura do Rio de Janeiro, por ocasião das Olimpíadas de 2016, implodiu o viaduto que seccionava a praça Mauá e impedia que as pessoas, da praça, desfrutassem a paisagem da Bahia de Guanabara. A praça Mauá foi reconfigurada na sua totalidade e devolvida à população.  Esta ação política e técnica rompe com o paradigma rodoviarista e incentiva a cidade para todas as pessoas, visão de planejamento oposta à da atual gestão da Prefeitura de Porto Alegre.

Conceder à iniciativa privada a gestão e manutenção do Parque da Redenção não trará desenvolvimento para a cidade de Porto Alegre, mas o favorecimento da exploração pela iniciativa privada de um único concessionário que irá lucrar com atividades rentáveis e com as próprias atividades que já ocorrem diuturnamente no parque.

Por que no Caderno de Encargos é citado “… o conceito do projeto deve considerar o livre fluxo dos usuários entre trechos…”?

A população de Porto Alegre:

– Não quer circular no parque da Redenção apenas por trechos entre polígonos privados, cercados, onde para usufruir do lazer precisa pedir permissão ou pagar ingresso.

– Não quer que a concessionária “…proponha outras intervenções e atividades que entenda relevantes …” Esta tarefa não é de uma empresa privada, mas atribuição do poder municipal.

Os usuários querem continuar tendo a consagrada vivência integral do Parque da Redenção, sem barreiras, sem portões de acesso, sem condicionantes definidos por uma empresa privada.  Nem a concessão integral do parque, nem a concessão de polígonos do seu todo atendem ao desejo soberano da população de Porto Alegre.

(*) Fabian Scholze Domingues, professor da Faculdade de Economia da UFRGS e pesquisador da UFRGS; Maria Dalila Bohrer, Arquiteta e Urbanista, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC até julho de 2022, membra da Comissão Cidades do IAB|RS.

***

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora