Opinião
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28 de novembro de 2022
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06:19

A sátira da economia no pós-eleição (por Marcelo Milan)

Foto: Marcelo Cassal Jr./Agência Brasil
Foto: Marcelo Cassal Jr./Agência Brasil

Marcelo Milan (*)

Embora esta coluna, no mês de novembro, prefira se dedicar à economia política do racismo e da discriminação, o momento pós-eleição histórica segue dando o tom. E no “país” das piadas prontas, nada mais apropriado que uma sátira. Enquanto os picaretas das instituições financeiras tentam impor sua agenda estagnacionista e concentradora, típica do subdesenvolvimento, ao presidente (não apenas eleito, mas finalmente presidente), a difícil transição no sentido de ruptura parcial com a restauração oligárquico-liberal-autoritária segue empantanada. Embora o PSDB tenha morrido de morte morrida, seus economistas e sua mídia venal querem que suas políticas nefastas sobrevivam a sua morte. O que mostra que muitos discursos em defesa da democracia e da eleição de Lula eram falsos. Na verdade, apenas não queriam um autoritarismo político maculando o autoritarismo mercadista travestido de liberdade. Esse pessoal estava mal-acostumado desde setembro de 2016, período em que a Bananilga ficou sem presidente(a). E agora, além de presidente, terá um ser humano à cabeça do poder executivo. Imperfeito, mas um grande humano. A época dos mortos-vivos, dos chupins e das amebas ficou, por enquanto, para trás. É claro, seria difícil esgotar todas as implicações do resultado político-eleitoral. Mas fica claro que a direita é ruim de voto nas disputas presidenciais quando há confronto direto de opções, e só consegue maioria de votos por circunstâncias únicas (replicar Goebbels em grande escala, lavajatismo etc.). A propósito, o pleito mostrou o que aconteceria em 2018 sem o golpe judiciário, e portanto todo o esforço do sistema de (in)justiça e da mídia comercial em condenar Lula a qualquer preço, pois nas urnas o velho barba tem se mostrado imbatível, mesmo contra uma máquina gigantesca e inescrupulosa.

Para ficar em apenas um desafio específico do novo governo: se o(a) futuro(a) Ministro(a) da Educação tiver coragem e apreço pela Educação, então é preciso revogar as portarias de nomeação de todo(a)s os reitore(a)s – e seus áulicos – que só foram alçados ao cargo pela excepcionalidade fascista e cujas investiduras foram, portanto, legais (porque a lei é ruim e permite que a nomeação não sirva ao seu propósito ao possibilitar a escolha do menos apto e qualificado segundo as balizas das próprias comunidades acadêmicas), mas imorais e ilegítimas. É preciso nomear os primeiros colocados nas listas tríplices, restaurando o padrão anterior (que já não era lá grande coisa, note-se). No âmbito mais geral, o governo federal terá enormes desafios. Primeiro porque a Bananilga não é um país sério, como já afirmava o embaixador Carlos Alves de Souza. E segundo porque cogerir o capitalismo periférico no sentido da superação de seu atraso histórico é praticamente impossível, dada a lúmpen burguesia doméstica (basta ver o seu apoio político massivo ao sujeito delirante…).

O quadro é deprimente para quem tem o lobo frontal do cérebro e idealiza um país de verdade, civilizado. Mas o enorme plantel de celerados torna qualquer projeto de país inviável. Resta a observação pessimista do quadro em que, infelizmente, não apenas a vida imita a arte. Na Bananilga dos minions, a morte também imita a arte. Certamente a de Rafael Sanzio. Porém, a arte também imita a (falta) de vida. Após o delírio causado em Porto Alegre pela notícia falsa da prisão do Ministro Alexandre Moraes, alguém precisa refilmar o clássico de Glauber Rocha, agora chamado Gado em Transe… E um longa-metragem com título pronto para as carpideiras dos quartéis: Debi e Lóide. Quem trafegou no feriado de finados (caiu como uma luva para o atual ocupante da faixa presidencial) pela BR-116 e pela RS-115 viu alguns trechos transformados em verdadeiros currais (ou habitantes das pirâmides do Egito). Uma verdadeira celebração da morte do fascismo eleitoral (mas não do fascismo político) com o sacrifício ritualístico do gado. Só mesmo um bovino para acreditar e compartilhar mensagens sugerindo que existem ministros de não se sabe qual tribunal ou especialistas em urnas eletrônicas com nomes como Benjamin Arrola, H. Romeu Pinto ou Jallim Habbei… Segue em execução o maior teste de burrice da história da humanidade… Apelar aos extraterrestres?! Como já disse em outra coluna, trata-se do puro elogio da loucura…

Mas tratemos da sátira da economia pós-eleição, já que análise de conjuntura não tem muita serventia. A discussão fiscal ganhou centralidade atualmente, pois os picaretas das instituições financeiras não querem que se gaste com a população pobre, apenas com eles (infusão de juros na veia). E que eles não sejam tributados, apenas a população pobre. Pois então, para aumentar a arrecadação sem especuladores fazendo beicinho, uma proposta é tributar armas e munições. E principalmente os Clubes de tiro. Uma espécie de imposto regulatório. A criação de um ISBEA (imposto sobre a burrice, estultice e assemelhados) deve gerar mais arrecadação que o imposto de renda (das pessoas físicas, por óbvio). Aliás, se os picaretas mencionados acima querem tanto equilíbrio fiscal (mais raro no capitalismo que bolsominion com alguma capacidade intelectual), então a compatibilização da agenda social (deteriorada pela própria estrutura financeirizada em que opera esta malta) com uma brecha fiscal menos inaceitável para a própria é tributar os ganhos financeiros de todos os tipos. Tributar rendimentos de juros da dívida pública, por exemplo, reduz o déficit nominal e também o déficit primário para um dado gasto não financeiro do tesouro.

E os gastos públicos? Nos primeiros meses, a demanda do governo federal por dedetização, desratização e vermifugação aumentará. Agora a ivermectina institucional poderá mostrar sua eficácia. Despesas com desinfectantes também devem experimentar alta. Com a esperada retomada da ociosidade das forças armadas, espera-se uma expansão dos gastos com cal para pintar meio-fio. No setor privado, se espera que a venda de globos terrestres aumente. A astrologia deve entrar em um período de baixa. As tendências do consumo, porém, dependem da manutenção ou não do plantel nos níveis atuais. Reduzindo a proporção de minions, cai a demanda por feno/alfafa e aumenta a demanda por livros (sim, aqueles objetos com muitas palavras). Cai também a demanda por ferraduras e por joelheiras para os muros das lamentações. A demanda por serviços psiquiátricos/psicológicos pode explodir. Recomendamos a compra de ações de clínicas de capital aberto. Ou então oferta pública inicial de ações daquelas que ainda não o fizeram. Com relação ao investimento, é importante notar que a variação nos estoques afeta a acumulação de capital com um todo. Se houver uma desacumulação do estoque de cloroquina, de viagra e de próteses penianas do exército, o investimento será fortemente afetado no próximo período.

Do ponto de vista da produção, com o repique da COVID a fabricação de vacinas deve aumentar. Certamente para as novas doenças, mas com alguma incerteza em relação às velhas conhecidas: inoculantes para febre aftosa, mal da vaca louca e antirrábica. Com o fim da necropolítica no governo federal, a produção e a venda de caixões e urnas funerárias devem cair. Itens de segurança no trânsito também devem experimentar aumentos na produção. A atividade produtiva aumenta igualmente no setor produtor de plaquinhas para porta de sanitário, com a unificação das placas para toiletes universais ou unissex. A produção de mamadeira de piroca deverá experimentar um salto, principalmente depois das férias escolares. Do ponto de vista da alocação da força de trabalho, haverá alguma recomposição no setor quase público. É preciso varrer os mais de seis mil milicos que usurpam funções civis. Com o fim dos bloqueios terroristas nas estradas, o comércio de pneus usados deve cair. Na mesma linha, com o fim do Gabinete Paralelo no MEC, os pneus deixam de esconder dinheiro e a produção de cofres e caixas-fortes aumenta. A venda de bíblicas promocionais também devem despencar. Ainda no âmbito produtivo, a atividade mineradora deve apresentar uma baixa histórica. O garimpo e sua cadeia produtiva também deve encolher. 

Este aumento da produção, todavia, pode não se materializar como descrito. Com a burguesia doméstica financeirizada e incapaz de promover a expansão da produção ou a acumulação de capital em escala ampliada, sobra a dinâmica externa como fonte de impacto econômico. No âmbito externo, haverá forte queda em algumas importações. Por exemplo, as de bandeiras. A burguesia tosca não consegue produzir nem bandeirolas… Os comunistas chineses devem estar desapontados com a queda nas exportações de bandeirolas para a Bananilga. E aqui se tem uma possível iteração do comércio externo com o consumo. Por exemplo, a AEPSS (Associação dos Economistas Políticos de Serra da Saudade) está realizando uma enquete (sem link no momento – por isso reproduzo aqui). Qual deveria ser o uso das bandeirolas da Bananilga (aquelas exibidas em janelas de imóveis e de automóveis)? Opção a: dobrar, enrolar e enfiar no cubículo de armazenamento. Opção: b: fingir que é capim e comer a parte verde (apesar do desmatamento recorde). Opção c: fingir que é feno ou alfafa e comer a parte amarela (ouro mesmo só em barra no pneu do trator ou escondida na bíblia). Opção d: Escrever a frase “Estava apenas antecipando a Copa da Fifa” na base da bandeira, tirando a ferradura e colocando uma chuteira. Opção e: deixar no toilete para alguma emergência (desde que este não seja também o cubículo de armazenamento). Opção f: contribuir para o fundo de retalhos que renovarão o guarda-roupa do Louro José. Opção g: enquadrar como atestado de baixa contagem de neurônios sem necessidade de utilizar o método Herculano-Houzel-Lent. Os resultados parciais mostram por enquanto uma vitória folgada da opção b. Mas ainda dá tempo de votar. 

É prevista também uma queda na importação de insumos para produção de viagra e próteses penianas. Mas aqui é preciso considerar também a esperada queda no preço do dólar quando os manés (valeu, Barroso!) da Faria Lima aceitarem que a população pobre deve ter recursos para se alimentar. Ao reduzir as importações de viagra e próteses, teremos o efeito Churchill, entre a ereção fraudulenta e a honra, escolheram o viagra. Não terão mais honra, e agora também seguirão sendo brochas. Isso deve aumentar a velocidade na cobertura dos meios-fios pintados. E como milico gosta de uma mamada…ops, mamata… Quase 80 mil pintadores de meio-fio receberam auxílio emergencial indevidamente. A cobrança e devolução do roubo engordarão o tesouro. Porém, a negativa dos patrões em Washington a uma quartelada deve ter deixado o MSE (movimento dos sem ereção) em polvorosa. “Como nossos superiores hierárquicos podem apoiar a eleição de um comunista?!” Veja a análise sobre demanda por serviços de saúde mental acima.

Como já mencionado, a cadeia produtiva do garimpo será afetada negativamente. Isso reduzirá a importação de máquinas para mineração no varejo. E claro, se houver bom senso, é preciso revogar todas as medidas autorizando a utilização de agrotóxicos. Isso deve poupar uma boa soma de cambiais. Por outro lado, com a esperada queda na cotação do dólar após o chilique dos financistas, a juristocracia golpista e a classe mérdia poderão voltar a Miami. E Orlando, of course. Mas como os salários tendem a subir também, eles podem se deparar com trabalhadoras domésticas na Disney. Para o desespero do Chicago Boy “Já Vai Tarde” Guedes. As reservas, portanto, devem cair. Parênteses: uma possível combinação dólar barato e salários em recuperação tornariam a reindustrialização natimorta mesmo que houvesse uma burguesia minimamente competente na Bananilga. E a gastança do Chicago Boy “Sem Noção” Guedes para manter os índices de verminose elevados no Planalto dificulta manter a terceira perna do tripé histórico de sustentação da burguesia industrial tupiniquim: salários de fome, proteção contra a concorrência do capital internacional e fartos e generosos incentivos fiscais. 

De forma sintética, em qual direção aponta o quadro acima? A expectativa é de leve melhora, supondo tautologicamente que, se as previsões não forem incorretas, elas serão confirmadas pela realidade. O aspecto mais importante para o qual se deve atentar, porém, é que a questão quantitativa é menos importante neste momento. A mudança qualitativa é muito significativa. E como vale a lei da transformação da qualidade em quantidade, ganhos de qualidade podem se traduzir em ganhos de quantidade em breve. A coluna recomenda cautela nas aplicações vinculadas ao Dólar, ao Euro e à Rúpia Nepalesa.

(*) Bacharel, Mestre e Doutor em Economia

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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