Opinião
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24 de outubro de 2022
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14:48

Uma nota sobre a nota (por Odilon do Canto)

Pórtico da Universidade Federal de Santa Maria. Foto: Ítalo Padilha/Divulgação UFSM
Pórtico da Universidade Federal de Santa Maria. Foto: Ítalo Padilha/Divulgação UFSM

Odilon Marcuzzo do Canto (*)

Na validade do estado democrático e de direito, ainda vigente no Brasil apesar dos constantes ataques de forças do obscurantismo político às instituições republicanas, nós, os eleitores, somos chamados novamente a escolher nosso presidente.

Tal escolha é feita, e assim deve ser, a partir da análise livre e informada que o cidadão faz do conjunto de ideias e propostas de cada grupo que disputa o poder. A avaliação do posicionamento dos candidatos sobre assuntos de interesse nacional, regional e também local servem de base para o voto. 

Para 80% dos brasileiros a democracia é inegociável (Pesquisa DataFolha, TSE – BR-07340/2022) e é considerada o maior valor a ser preservado e fortalecido, pois sem ela todos os avanços civilizatórios ficam comprometidos. 

No atual contexto esta parte da análise fica muito facilitada uma vez que a escolha se dará entre dois candidatos que, longe de serem neófitos, se apresentam com larga bagagem de atuação no mundo político nacional. Basta um pequeno exercício de memória para termos nitidamente delineado o perfil de cada um dos candidatos com referência aos valores democráticos.

 Um candidato lutou contra a ditadura militar instalada no Brasil em 1964. Foi dela prisioneiro e teve seu irmão barbaramente torturado. Exerceu a presidência da República por dois mandatos consecutivos, sem um ato sequer de desafio ou atitudes contrárias aos preceitos constitucionais de divisão de poderes e com total respeito às instituições republicanas. 

O outro não só a defendeu e continua defendendo, como também declara que o número de assassinados pelo regime militar deveria ter sido muito maior do que o já estarrecedor número de vítimas. Tem registrado ao longo de seu mandato um grande número de ataques de forma absolutamente antidemocráticas aos outros poderes, atenta contra os pesos e contrapesos estabelecidos na democracia para equilibrar as interações entre os três poderes da república buscando aparelhar o Poder Judiciário escolhendo ministros da suprema corte que sejam caudatários dos desejos do Poder Executivo e, seguindo a cartilha do chavismo venezuelano, tenta aumentar o número de cadeiras da suprema corte (PEC 275/13) para conseguir ministros “terrivelmente” alinhados. Trata os rivais políticos como inimigos a serem destruídos (…mandar para a ponta da praia).

 Os interesses regionais e locais, embora devam estar circunscritos aos interesses maiores da nação, certamente apresentam peculiaridades e valores específicos a serem atendidos. Compete aos cidadãos com todas as suas formas de expressão de cidadania, individual ou em conjunto como associações, grupos, coletivos, uniões, sindicatos se posicionar e definir qual o candidato que melhor satisfaz às suas necessidades ou aspirações. Assim acontece em todas as cidades e regiões do Brasil, assim acontece em Santa Maria e região.

De meu humilde banquinho de cidadão, mas sem abnegar a responsabilidade que me compete por ter sido estudante, professor e dirigente de uma instituição – a UFSM, que tem sido atingida de forma violenta, injusta e inaceitável por palavras e ações do atual governo e de seus acólitos -, não posso deixar de declarar meu espanto e minha total desaprovação à Nota publicada por um conjunto de “entidades empresariais apartidárias”.

 Reconheço plenamente o direito desse coletivo de expressar livremente seus pontos de vista e suas visões e interpretações das ações do atual governo da República, mas discordo delas frontalmente.  Declaro que meu voto, foi no primeiro turno e será no segundo turno um voto “errado”, segundo os critérios expostos pela NOTA.

Vou votar “errado” na companhia de Carlos Ayres Brito, Joaquim Barbosa, Nelson Jobim, Carlos Veloso e mais de 7 mil juristas, políticos e artistas que entendem que a continuidade do desgoverno de Jair Bolsonaro seria “um risco ao Estado Democrático…e aos valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”. 

Vou votar “errado” – meu voto é Lula-, porque não posso de maneira alguma, aceitar que nos governe um grupo que faz das instituições científicas nacionais seus principais inimigos a serem destruídos; um governo que vem sistematicamente retirando recursos orçamentários das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) e das instituições de ciência e tecnologia, para garantir as lamentáveis Emendas de Relator ou “orçamento secreto”.

Vou votar “errado” – meu voto é Lula, em companhia da deputada Simone Tebet que declarou com relação ao orçamento secreto “…podemos estar diante do maior esquema de corrupção do planeta terra”. Mecanismo descaradamente utilizado na compra de votos.

Vou votar “errado” – meu voto é Lula-, pois como santa-mariense de nascimento e de coração e tenho acompanhando o desenvolvimento de Santa Maria e da região desde há muitas décadas e posso, sem medo de errar, afirmar que o fator básico responsável por transformar a pacata e rural Santa Maria de minha infância no pungente e próspero centro regional de desenvolvimento foi o sonho sonhado pelo Dr. José Mariano da Rocha- Marianinho, já nos anos 1950. Lembrando Don Helder Câmara “(…) um sonho é só um sonho enquanto sonhado por uma pessoa, mas quando compartilhado por muitos se torna uma realidade”.

Vou votar “errado” – meu voto é Lula-, porque primeiro como estudante, depois como professor, chefe de departamento, diretor de centro e reitor da UFSM e como presidente da associação nacional das IFES – reivindico aqui meu direito de “lugar de fala” ou “falando de cadeira” na expressão de minha juventude – tenho acompanhado o tratamento e atenção que ao longo de décadas os diferentes governos têm dispensado ao sistema universitário e em particular à nossa UFSM. 

Todos eles, evidentemente dentro da temporalidade e das características próprias na forma e conteúdo, tiveram sempre um relacionamento construtivo e de respeito ao preceito constitucional da autonomia das universidades. Todos eles sempre reconheceram o papel das IFES no desenvolvimento e na construção de eixos portadores de futuro para a nação.  Todos, com exceção do atual governo que desde os primeiros minutos da gestão sempre fez questão de deixar muito claro através de palavras e de atos seu incômodo com o sistema de IFES, por ele considerado um entrave e um mal a ser extirpado. 

Portanto, vou votar “errado” – meu voto é Lula-. Tenho este dever como beneficiário do sonho de Marianinho tornado realidade e como cidadão testemunha do papel da UFSM no desenvolvimento de Santa Maria e região e que percebe, com todo o respeito que merecem os dirigentes das diferentes associações que assinam a NOTA, que a continuidade da linha de atuação do atual governo com respeito às universidades significa o desmonte do parque de instituições de ensino superior criado em Santa Maria a partir da implantação da UFSM. Tal desmonte, escusado dizer, significa evidentemente um tremendo choque negativo nas condições econômicas, sociais e de desenvolvimento futuro para Santa Maria e região.  Ou pode passar despercebido a alguém de bom senso que o status de Santa Maria como grande prestadora de serviços se deve à existência e desenvolvimento da UFSM? Ou a razão da cidade apresentar um nível de empreendimento imobiliários bem acima das cidades do entorno? Ou ser um centro de serviços de saúde reconhecido nacionalmente?

Novamente declarando meu respeito aos que se posicionaram pela reeleição do atual governo, devo considerar a defesa da continuidade de um governo inimigo declarado das universidades como uma traição à obra de um santa-mariense visionário que já em meados do século passado pensava e agia para criar uma cidade progressista, igualitária.

Um tremendo petardo contra a manutenção e criação de empregos e contra o desenvolvimento de Santa Maria e região.

(*) Professor, ex-Reitor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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