Opinião
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27 de outubro de 2022
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08:09

Propaganda criminosa do ódio (por Milton Pomar)

Foto: Joana Berwanger/Su21
Foto: Joana Berwanger/Su21

Milton Pomar (*)

Quais argumentos levam uma pessoa pobre, residente na periferia de uma pequena cidade, a afirmar com convicção “eu sou de direita”? E ato contínuo, a manifestar muito ódio pelo candidato adversário do seu? (Ela recebe salário-mínimo e, agora, também a ajuda eleitoral fornecida pelo governo. Em janeiro, voltará a receber apenas o salário-mínimo, que é o valor que lhe aguarda quando – e se – se aposentar, daqui a 30 anos.) Para pensar e agir assim, quanta propaganda, de que tipo e com qual frequência ela recebeu nos últimos meses (ou anos?)?

Nenhuma informação diferente – ainda que verdadeira – das que tem sobre o seu candidato lhe abala. Desconhece que ele está aposentado desde janeiro de 1989, quando tinha 33 anos de idade e “saúde de atleta”. Nesses 33 anos sem trabalhar, com R$11 mil mensais a valores de hoje, recebeu mais de cinco milhões de reais do Exército. Como teve mandato parlamentar a partir de 1989, recebeu a aposentadoria mais o salário de vereador e depois de deputado federal. Ou seja, o homem que se diz contrário ao Estado, em janeiro de 2023 terá vivido 50 anos exclusivamente (e muito bem) às custas do dinheiro público.

Qual é a lógica de pessoas pobres, sobrevivendo na informalidade, muitas em situação de rua, sem perspectiva alguma de melhora com o atual governo, pretenderem votar em quem comprou 51 imóveis em “dinheiro vivo” por R$25 milhões (a valores de hoje), segundo o portal UOL?

Motorista de ônibus intermunicipal no Rio de Janeiro, eleitor assumido do atual presidente, não sabia que ele foi obrigado a sair do Exército por ter mentido em inquérito que apurava a sua responsabilidade em tentativa de colocar bombas em banheiros de quartéis. E não havia se dado conta da contradição – o sujeito que faz juras de amor ao Exército, por que não continuou nele até atingir o posto de general, como os seus colegas da Academia Militar? Mesmo confrontado com essas questões, o motorista não se abalou em suas convicções a respeito do presidente, repetindo igual papagaio as frases (bom caráter, fala a verdade) de pura mentira.

Detalhe: ouve-se de pessoas simples exatamente as mesmas frases, de amor ao ser abjeto e de ódio às esquerdas, em Bagé (RS); nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro; no Cariri (Ceará); na região Sul de Santa Catarina, e, portanto, provavelmente em todo o País.

Mais que a semelhança das frases contra e a favor, e do ódio com que são pronunciadas todas as contrárias às esquerdas e ao candidato de oposição, o que mais impressiona é a total falta de senso crítico dessas pessoas – elas não têm nenhuma dúvida, e não há prova que abale suas convicções. E estão “vacinadas” para provas contrárias: é tudo “fake”.

Nem mesmo o meio de milhão de mortes na pandemia que poderiam ter sido evitadas, é capaz de produzir um “será?” nessas pessoas tão convictas e repetitivas. Orçamento secreto? Barras de ouro no Ministério da Educação? Devastação ambiental na Amazônia? Garimpo em terras indígenas e contrabando de madeira? Desestruturação dos órgãos federais (Ibama, Funai)? Liberação da venda de armas pesadas e munições? – Nada a ver. Isso não interessa. A questão é o comunismo que querem instalar no Brasil. Querem transformar o País em uma Venezuela. Declarações públicas do candidato (“eu sou a favor da tortura” e elogiando notório torturador), são apenas empolgação de político em campanha. E por aí vai. Nada cola, nada se altera.

Por tudo isso, uma coisa é certa: independentemente dos resultados das eleições dia 30, essa propaganda ideológica precisa ser investigada a fundo, começando pelo mais importante: quem está pagando tudo isso, desde 2018 (ou antes)? Quem realiza(ou) esse trabalho? Com quais recursos técnicos e científicos? Quem aplicou e analisou as muitas pesquisas qualitativas? A tal da Cambridge Analytica ou a sua sucessora está nessa? Os famosos irmãos bilionários dos Estados Unidos (EUA) também? O ex-assessor do Trump (e “marqueteiro” da extrema-direita)?

Essa propaganda do ódio resultou em milhões de imbecilizados no Brasil. Pessoas que não pensam no que dizem, não argumentam, elas apenas repetem o ódio do candidato de oposição e das pessoas que pretendem votar nele. Cenas como a da caixa de supermercado que se descontrola e começa a gritar com a cliente que se declarou eleitora do candidato adversário, como se fosse questão de vida ou morte, acontecem cada vez com mais frequência. Propaganda eleitoral não gera esse tipo de resultado, muito menos em dezenas de milhões de pessoas.

Estamos vivenciando algo novo e extremamente perturbador. É um crime de grandes proporções e resultados previsíveis. Nesse segundo turno não se debate projeto de desenvolvimento, não se discute quais as melhores propostas para acabar com a fome e a falta de moradias para o povo pobre, a violência etc., etc. A lenga-lenga gira em torno de besteiras, uma avalanche de mentiras absurdas, tornando quase impossível dialogar de maneira racional, com argumentos.

Essa situação no Brasil lembra a da ascensão do nazismo na Alemanha, do militarismo no Japão e do fascismo na Itália, na década de 1930, quando grande quantidade de pessoas foram “dopadas” com propaganda de ódio, com valores primários dos povos alemão, japonês e italiano, motivando dezenas de milhões de pessoas desses países para a morte e a destruição.

A propaganda de ódio anticomunista nos EUA levou-o em 1965 a invadir o Vietnã, do outro lado do mundo (mais de 10 mil km de distância), resultando em 50 mil norte-americanos e 2,5 milhões de vietnamitas (5% da população do país na época) mortos nessa guerra – a única derrota militar da história dos EUA.

Outro caso de propaganda do ódio baseada em mentiras, com 800 mil mortes (estima-se que o total possa ter chegado a 1 milhão) é o de Ruanda, em 1994, que começou de maneira totalmente idiota e atingiu características inacreditáveis. Esse caso também merece ser estudado, porque a receita da propaganda utilizada lá é parecida com a que está sendo aplicada no Brasil.

A propaganda do ódio é criminosa em si, e é potencialmente geradora de crimes de ódio, que podem se alastrar rápida e descontroladamente, como ocorreu em Ruanda, e no massacre de toda a população de Nanjing (China), pelas tropas japonesas em dezembro de 1937.

Sabendo-se da quantidade de armas de guerra no Brasil em mãos de “caçadores, atiradores e colecionadores” (CAC), muitos deles adeptos do anticomunismo dos anos 1950, e de como elas estão sendo “pilhadas” com essa propaganda do ódio, temos que conseguir que tudo isso seja denunciado, investigado e interrompido, antes que seja tarde.

(*) Geógrafo, mestre em Políticas Públicas.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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