Opinião
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17 de junho de 2022
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14:11

O cheiro do Brasil (por Luciana Burlamaqui)

Violência contra povos indígenas virou trágica rotina no Brasil. Foto: Relatório Cimi 2020/Divulgação
Violência contra povos indígenas virou trágica rotina no Brasil. Foto: Relatório Cimi 2020/Divulgação

Luciana Burlamaqui (*)

Nosso corpo, nossa mente, nosso DNA, nossas células, nossa alma, nosso consciente e inconsciente, nosso sangue, nossos sonhos – hoje no Brasil – cheiram à morte. 

Somos frutos, filhas e filhos, feitos de uma história que se barbariza a cada dia pela insensatez de não se olhar para o mais essencial: o ser humano, o ser animal, o ser vegetal – aqueles que sofrem por falta de tudo e têm suas vidas banalizadas e marcadas para morrer. 

No poder, um tirano que amaldiçoa a vida com sua verve mortífera. 

Em todos os lados, seres materialistas, egoístas, predadores da pior espécie, que ainda que muito bem alimentados querem que o povo se lasque e morra, de preferência, rápido e sem chamar a atenção. 

Querem beber e comer no banquete dos desavergonhados, festejar e dançar sem culpa enquanto milhões à deriva são jogados na selva dos famintos. 

O Brasil hoje é um desterro. Um enterro. Um aterro. Uma terra sombria e sufocante com alguns vaga-lumes que aparecem para nos lembrar que ainda existe um caminho diferente e amoroso vestido de esperança que precisa, ininterruptamente, se proteger dos ataques soturnos e permanentes dos seres viciados no extermínio. 

Dom e Bruno são algumas dessas luzes que apareceram na escuridão e doaram em vida e com vida, suas próprias vidas, pelas causas hoje tão mal faladas pelos  “homens de bem”. 

Afinal, os “homens de bem” querem destruir para nutrir seus prazeres sórdidos da ganância, regados com a violência dos covardes armados. 

Ou entendemos que a maioria dos “do andar de cima” da pirâmide não vão mudar com a urgência que a realidade pede ou a fragrância que irá perpetuar em nosso canto azul, verde e amarelo será o dos fétidos mortos-vivos que sugam tudo onde há vida e dilaceram e destroem com suas próprias mãos ou com as mãos daqueles que os assemelham, o oxigênio dos que respiram humanidade.

Aliás, hoje, ser humano é atrapalhar a liberdade da jornada desenfreada pela riqueza funesta de todo tipo de gangue que vive espalhada pelos desencantos de um país que dorme e amanhece em completa escuridão 

Pois, então, lutemos pelo cheiro do alecrim, do jasmim, das rosas brancas, vermelhas e amarelas, pelas cores e força dos ipês, dos jacarandás, tatajubas, andirobas, castanheiras, buritis, piquiás, cedros, paineiras , jenipapos, jatobás, sumaúmas, embaúbas, peixes, rios, lagos, cachoeiras e igarapés e tantos outros personagens que formam a natureza e representam, no íntimo, as causas que tantos e tantas levantam a partir de seus próprios corações: o direito à vida. 

O Brasil precisa perfumar-se dessa vida e defumar-se do cheiro da morte que penetrou nos poros e nos cantos de todos nós, enquanto ainda há tempo. 

Enquanto isso, hoje, somos restos mortais.

Luto por Dom Phillips, Bruno Pereira e todos os povos indígenas brasileiros. 

(*) Jornalista, cineasta, poeta. Diretora do documentário Entre a Luz e a Sombra sobre a prevenção à violência no Brasil. Diretora da produtora Zora Mídia especializada em filmes humanistas e da Editora Histórias para Contar

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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