Opinião
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1 de junho de 2022
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09:12

Há um caminho de retomada no segundo semestre de 2022? (por Flávio Fligenspan)

Foto: Marcelo Cassal Jr./Agência Brasil
Foto: Marcelo Cassal Jr./Agência Brasil

Flávio Fligenspan (*)

Há quem esteja entusiasmado com o desempenho da economia brasileira nestes primeiros cinco meses de 2022. Efetivamente, nos números divulgados até agora há melhoras em relação ao que se pensava no final de 2021 e muitos analistas do sistema financeiro mudaram suas projeções para o ano completo de 2022, alguns chegando a aumentar suas taxas para o crescimento do PIB em até um ponto percentual, de 0,5% a 1,5%, por exemplo. Algumas variáveis ajudam a explicar a mudança, incluindo, infelizmente, a própria guerra na Ucrânia, que elevou os preços internacionais das commodities em geral, muitas delas exportadas pelo Brasil, o que gera renda adicional ao que se projetava no final do ano passado.

Vários outros fatores explicativos vêm da ação governamental, especialmente em função da busca de popularidade visando às eleições. São eles o Auxílio Brasil, o adiantamento do 13º salário para aposentados e pensionistas, a permissão de saque de até R$ 1 mil do FGTS, o pagamento do abono salarial atrasado de 2020, a ampliação do crédito consignado, a nova rodada do programa de crédito para pequenas empresas (Pronampe) – agora ampliado para Microempreendedores Individuais e empresas de médio porte –, e a redução do IPI. Por sua vez, muitos Estados têm reajustado salários dos funcionários, ajudando a estimular a demanda.

Todos estes fatores, secundados pelo menor impacto da pandemia e pela enorme disposição da população de voltar a um estilo de vida mais próximo do anterior, têm ativado principalmente o setor de Serviços, o de melhor performance nesta primeira metade de 2022. Diante deste quadro, uma questão ganhou força no debate de conjuntura: qual a possibilidade de seguirmos um caminho de expansão no segundo semestre do ano?

A resposta depende de começar a pesar não só os fatores positivos da conjuntura, mas também os negativos. Um dos piores é a continuidade de uma inflação muito alta, que, tal como a taxa de crescimento do PIB, está maior do que se pensava no final de 2021. Aqui a guerra conta como fato negativo, ao encarecer, principalmente, produtos de alimentação e derivados de petróleo. A persistência da inflação tem diminuído muito o poder de compra das camadas de baixa renda, mas também se faz sentir sobre as famílias da classe média. Na combinação com um mercado de trabalho frágil, que gera mais ocupações informais e rebaixa o rendimento médio, a massa de rendimentos reais não cresce e não fomenta a demanda.

Há outro fator importante que vai se manifestar cada vez com mais intensidade daqui para a frente, os efeitos da elevação da taxa de juros básica determinada pelo Banco Central como mecanismo de combate à inflação. Já discuti neste espaço várias vezes a impropriedade de se aumentar os juros para controlar uma inflação que não é causada por excesso de demanda, mas é assim que funciona nosso sistema de metas de inflação. Como se sabe, o auge dos efeitos negativos esperados da alta dos juros sobre a atividade econômica ocorre a partir de um ano. Considerando-se que a taxa básica estava bem baixa para o padrão brasileiro em 2020 e começou a subir em março de 2021, cumprindo uma trajetória de 2% ao ano naquele momento para os atuais 12,75% ao ano, muitos dos seus efeitos negativos esperados ainda estão por aparecer. E devem se estender no tempo, visto que o ciclo de alta da taxa sequer se encerrou, ou seja, é certo que no mínimo até o final de 2023 e mesmo no início de 2024 ainda estaremos colhendo as consequências dos juros mais elevados sobre o nível de atividade.

Por fim, o aumento da inadimplência de pessoas físicas e jurídicas já foi detectado pelo sistema financeiro e pelas empresas especializadas nesta matéria. Muito do que se projetava que ocorreria com a pandemia – alta significativa do número de devedores – não apareceu porque os bancos “seguraram” a inadimplência, ao oferecerem amplas possibilidades de negociação. Especialmente em 2020, mas também em 2021, ninguém sabia por quanto tempo viveríamos sob os efeitos da pandemia, tanto do ponto de vista sanitário, como econômico, e, para manter sua clientela e a chance de receberem os recursos emprestados, o sistema financeiro concedeu crédito, renegociou e postergou pagamentos. Supunha-se que num prazo de um ano ou um ano e meio tudo voltasse ao normal. Passados mais de dois anos, nos encontramos com um nível de atividade fraco e uma inflação impensável em 2020, a conta das negociações chegou e não há fôlego financeiro das famílias e empresas para honrar os compromissos assumidos no passado. A nova rodada do Pronampe veio como mais uma oportunidade de “pedalar” os pagamentos devidos, mas há que se verificar sua efetiva abrangência somente nos próximos meses.

O fato é que a situação de aperto de famílias e empresas acaba por influenciar negativamente a confiança necessária para a reativação da economia, e isto já apareceu nas pesquisas mais recentes de confiança do consumidor. Para complicar o quadro, há a ameaça de uma recessão nos Estados Unidos e na Europa e uma já visível desaceleração da economia chinesa, além da continuidade dos efeitos negativos da guerra na Ucrânia. Enfim, o ambiente econômico atual não permite projeções otimistas para o segundo semestre deste ano e mesmo para 2023, quando ainda teremos mercado de trabalho fraco, juros elevados e ambiente internacional desfavorável.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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