Opinião
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31 de maio de 2022
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14:43

A celebração da vida contra os PLs da morte (por Lisiane Becker)

Trecho de Mata no Morro do Osso, em Porto Alegre. (Foto: SMAM/Prefeitura de Porto Alegre)
Trecho de Mata no Morro do Osso, em Porto Alegre. (Foto: SMAM/Prefeitura de Porto Alegre)

Lisiane Becker (*)

Neste período em que comemoramos o Dia do Meio Ambiente, em meio às crises climática e hídrica, as notícias de danos à natureza são alarmantes – imagens da Amazônia e do Pantanal têm estarrecido o mundo.

Especificamente na Mata Atlântica, e seus ecossistemas associados (Patrimônio Nacional, cuja data alusiva foi 27/maio), pouco é divulgado. Não obstante, nela se concentra 80% da economia nacional, sendo a morada de cerca de 70% dos brasileiros. 

Os registros históricos da degradação da sua flora e fauna remontam à descoberta do Brasil. Com muitos endemismos e, forte pressão antrópica, a Mata Atlântica está entre os 5 hot spots planetários (ameaçados de desaparecer). Ainda. A relação entre fauna silvestre nativa e a manutenção do recursos hídricos permanece desconhecida para a maioria da população.

Contudo, apesar dos avanços tecnológicos e a certeza da importância deste bioma para a humanidade, em 2021 foi registrado um aumento de 66% de desmatamento (ou conversão do uso do solo) em relação ao ano anterior – conforme dados do Atlas da Mata Atlântica / SOS Mata Atlântica e INPE.

A Década da Restauração dos Ecossistema (ONU), após seu primeiro ano, encontra muitas batalhas a vencer em nosso país – especialmente, no que tange à Mata Atlântica.

A própria legislação é refém da ganância de alguns poucos, em detrimento do bem coletivo.  Os gabinetes políticos trabalham para extingui-la em Projetos de Lei alicerçados em falsos argumentos, maquilagem de dados, omissão de informação, restrição do debate público e muita pressa.

Enquanto entidades da sociedade civil e parceiros se esforçam na conservação e recuperação da Mata Atlântica (como os Bosques da Memória e CN RPPN) milhares e milhares de hectares estão pautados para desaparecer “legalmente”. 

O cenário é dos mais sombrios. Há que se pressionar os representantes do POVO para que eles sejam contrários a estas propostas que arruinarão a já combalida economia, saúde e qualidade de vida do Brasil. 

Ao contrário de projetos como PL 108/2019Rodrigo Agostinho – PSB/SP (Altera a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, reclassificando os apicuns e salgados como Área de Preservação Permanente (APP) e o PL 6054/2019 – Ricardo Izar (que reconhece a senciência dos animais alterando seu tratamento como “coisa” no Código Civil) que são de interesse nacional,  tramitam outros que são verdadeiros crimes contra a saúde ambiental/humana, dos quais se destacam:

–  O PL 4473/2020, de Lucas Redecker (PSDB-RS), que dispensa comentários sobre os reais interessados na proposta, pois “acrescenta dispositivos à Lei nº 11.428 de 22 de dezembro de 2006, a fim de modificar critérios para supressão de vegetação secundária em estágio avançado e médio de regeneração, nas hipóteses de atividade de lavra de recursos minerais de agregados para a construção civil. Permite o licenciamento ambiental de empreendimentos de lavra de minerais usados na construção civil (fragmentos de rochas, areia, argila, brita e cascalho)”. Tudo isto sem a necessidade de apresentação de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) e de Relatório de Impacto Ambiental!

E em que pese a Lei Complementar Federal 140/2011, que confere a segurança jurídica ao remeter, em sua óbvia interpretação, à Lei 11.428/2006 (lei da Mata Atlântica) e a ineficácia da implementação do C.A.R. (0,01% dos imóveis estão regularizados após DEZ anos do Código Florestal), Alceu Moreira do MDB-RS, propõe o PL 364/2019 que “dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa dos Campos de Altitude associados ou abrangidos pelo bioma Mata Atlântica. Justifica (??) que “A alteração proposta visa a reforçar a aplicação do Código Florestal Nacional (Lei nº 12.651/2012) ao bioma da mata atlântica em todo o território nacional, inclusive em regiões de mata atlântica, de modo a conferir segurança jurídica à matéria.” 

Contudo, o mais hediondo de todos, visto que ignora a senciência e a importância da fauna silvestre nativa para o equilíbrio ambiental, num país à mercê do armamento generalizado, é o PL 5544/2020 do Deputado Nilson Stainsack (Progressistas/SC)  que “Dispõe sobre a autorização para caça esportiva de animais no território nacional”, cujo primeiro objetivo é o “Fomento do espírito associativista para a prática do esporte”). 

O Antropoceno já nos manda a fatura da exploração da natureza: seca, enchente, pragas agrícolas, o granizo, endemias, epidemias….  Os juros estão previstos e serão impagáveis.

(*) Bióloga, especialista em Direito Ambiental e em Políticas Públicas Ambientais

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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