Opinião
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17 de abril de 2022
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07:43

O banheiro da Dona Maria, os caranguejos e as obras importantes nos 250 anos de Porto Alegre (por Luciano Fedozzi)

 Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

Luciano Fedozzi (*)

Os 250 anos de Porto Alegre vem ensejando debates e posicionamentos sobre o significado dessa data na história de nossa Capital. É natural apontar aspectos relativos ao balanço que se faz da cidade. E é nesse sentido que compartilho uma experiência com o jornal Zero Hora, porque ela revela muito da posição ocupada pelo principal grupo midiático do Estado no que tange ao tipo de modelo urbano que vem sendo implementado desde a redemocratização. É um relato pessoal, mas ao mesmo tempo creio servir para contextualizar e avaliar o papel que o grupo empresarial RBS vem cumprindo no bloco de poder dominante no país e no RS. Esse relato de certa forma avaliativo em nada depõe contra os trabalhadores dessa empresa que merecem e tem o meu respeito.

Fui contatado pelo jornal Zero Hora, por meio da assessoria de imprensa da UFRGS, para opinar sobre uma matéria relativa aos 250 anos de Porto Alegre. Já tinha conhecimento da lista das obras que a ZH estava considerando relevantes no “passado, presente e futuro da cidade”[1], conforme os objetivos da matéria. Na lista das obras selecionadas é possível verificar que algumas delas são realmente importantes porque marcaram o crescimento e a modelagem espacial da cidade. Todavia, a lista das 15 obras selecionadas também expressa a visão de uma cidade pensada para a classe média e os estratos de maior renda da população. Parece que Porto Alegre só tem essas classes e camadas sociais que moram e trabalham aqui. O restante são segmentos periféricos social e espacialmente invisibilizados e menos importantes na construção da cidade.

Mas porque o jornal ZH escolheu estas obras como as mais importantes? Creio que isso não pode ser respondido sem considerar o papel e a função que o grupo RBS desempenha. E nesse aspecto é possível dizer que o jornal Zero Hora e o grupo RBS desempenham funções típicas das “agências privadas de hegemonia”, no sentido gramsciano. Como se sabe, em sociedades relativamente complexas o poder de dominação necessita tanto da coerção dos aparelhos do Estado como da produção permanente de consentimento necessária para que determinada hegemonia de classes (e de um bloco histórico) possa comandar o conjunto da sociedade e manter o sistema de dominação. O Estado, assim, é ampliado, porque abarca tanto as instituições governamentais e estatais quanto as ações culturais das instituições na sociedade civil. De forma sutil ou por vezes explícita, o grupo RBS e o jornal Zero Hora desempenham essa função. E assim contribuem para o consentimento da população quanto à vigência do modelo de desenvolvimento adotado na maior parte da história do Brasil, um modelo que como sabemos não é caracterizado pela preocupação em garantir benefícios coletivos do crescimento econômico e tampouco o acesso universal ao bem-estar social por meio de políticas públicas redistributivas. O pressuposto é a ideia liberal de que a vida melhor para todos é alcançada apenas com o crescimento econômico. E o crescimento econômico funcionará se não houver freios, regulações e tentativas redistributivas por parte do Estado e das instituições da sociedade política e da sociedade civil, é o laissez-faire.

Esse modelo é naturalizado e fortemente resistente a mudanças estruturais de caráter redistributivo e democratizante na nossa história. Estamos falando, portanto, não de uma empresa ou grupo de comunicação, mas de um importante ator do bloco de poder dominante no país. Nesse sentido, é bastante óbvio que se trata de um veículo associado ao receituário neoliberal, porque sempre aponta esse caminho como sendo o que deve ser adotado pelos governantes e representantes políticos. É claro que na ZH há boas matérias e espaços que tratam de diversas áreas e temas, em geral abordados com qualidade inegável. Mas as colunas e matérias sobre questões duras e decisivas para o país (como política, economia, questões urbanas e o mundo rural), elas se inclinam, em geral, para reforçar a visão de mundo do projeto neoliberal, tendo-se na visão das camadas médias e superiores o ponto normativo de onde o restante social é projetado. À afirmação da superioridade da ação do setor privado soma-se o apontamento dos limites intransponíveis da função pública representado pelo Estado, visto com desconfiança e sinônimo de atraso do país. O mantra do “livre do mercado” via reformas estruturais neoliberais é o norte a ser perseguido.

É claro que as colunas sobre esses temas-chaves podem dar a impressão de neutralidade e objetividade ou ainda de serem meras “opiniões pessoais”. Por vezes até o são. Mas seria enganoso supor a independência da comunicação empresarial sobre esses temas quentes. Amparado nas reflexões do sociológico Pierre Bourdieu creio ocorrer muito mais uma confluência ou uma afinidade eletiva, consciente ou inconsciente, entre a ação jornalística e o que é esperado pela posição que a empresa ocupa estruturalmente no espaço social em que atua. Dessa forma, uma das principais consequências do trabalho ideológico da RBS é apresentar os interesses particularistas das classes dominantes como sendo o desejo e os interesses de toda a população, como se o interesse particular e a visão de mundo das classes superiores, incluindo as classes médias, representassem os interesses de todo o universo social. Essa é uma função decisiva para a hegemonia no todo social, sem a qual não se poderia presumir a dominação de classe. A isso soma-se o fato de que o grupo detém a condição de oligopólio midiático, já que comprou muitos órgãos de mídia nas principais cidades do Estado, da serra gaúcha à zona sul. Além do jornal ZH, dedicado aos estratos médios e superiores, o grupo edita o Diário Gaúcho direcionado às classes de menor renda, onde sobressaem matérias e notícias de interesse das classes de baixa renda.

Voltando a entrevista da Zero Hora, houve um esforço para compreender a consideração crítica que fiz sobre o foco nas grandes obras que a matéria queria destacar. Mas também houve  interesse em saber minha opinião sobre elas. Então falei que as obras importantes para pensar o presente e o futuro da cidade deveriam ser também as mais de duas mil obras que foram aprovadas pelo Orçamento Participativo e que não foram executadas, porque elas poderiam tornar a cidade menos desigual e fragmentada em termos de bem-estar urbano. É isso que está previsto nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) adotados pela ONU que também tratam de habitats mais inclusivos no mundo. No conjunto dessas obras e projetos do OP, que não foram executados nas periferias e bairros pobres da cidade, encontra-se a esperança de milhares de pessoas em melhorar um pouco sua qualidade de vida. São obras importantes como foi o caso do banheiro da Dona Maria, demanda assim conhecida no Orçamento Participativo dos anos 1990, e veiculada com maestria pela Casa de Cinema no programa de comunicação Cidade Viva, da Administração Popular. Ou seja, as grandes obras estruturantes são importantes, não resta dúvida, ainda mais quando beneficiam toda a cidade ou um bairro. Não se constrói uma grande metrópole sem elas. Mas pequenas ou até médias obras de intervenção governamental, realizadas em territórios carentes do desenvolvimento urbano também são fundamentais, porque demonstram que todas as vidas importam e que todos os moradores da cidade têm os mesmos direitos. Se alguém já viu ou participou de uma festa comunitária para a inauguração de uma simples pavimentação de via na periferia, conquistada por meio da participação cidadã, sabe bem o que isso significa em termos de autoestima e de sentimento de pertencimento das pessoas.

Creio que o contato direto com o caso das “obras importantes” da ZH evidenciou as representações sociais dominantes sobre o modelo urbano de Porto Alegre a ser seguido. De forma já direcionada sobre a escolha das obras perguntaram-me sobre o que achava da obra do Pontal do Estaleiro? E da revitalização do 4º Distrito? E do Cais Mauá? Casos esses escolhidos pela ZH que demonstram o quanto a visão de mundo de determinado grupo de classes tenta se impor como sendo de interesse geral[2]. E o quanto os interesses do capital imobiliário são apresentados como sendo os de toda a cidade. E aqui não se trata de responsabilidade individual do profissional que perguntava. Não é uma questão moral e sim das representações sociais dominantes. Das 10 obras listadas pelo jornal ZH para o “presente e o futuro da cidade”, a maioria delas (06) tem a Orla do Guaíba como foco. Até o “Embarcadero” no Cais Mauá, feito provisoriamente de containers, virou obra. Algumas das obras apontadas resultam de concessões para exploração do setor privado a partir do urbanismo neoliberal que tomou conta da cidade, a exemplo do Parque da Harmonia, rebatizado de Maurício Sirotski Sobrinho. Seria ingênuo pensar que a relevância dessas “obras” é mero acaso, como se não estivesse em jogo a construção de uma narrativa favorável ao modelo do empreendedorismo urbano (a cidade-mercadoria) e de city marketing que vem sendo implementado de forma acelerada em Porto Alegre.  Modelo esse que une setores econômicos, políticos neoliberais e até acadêmicos. Então, diante das obras citadas respondi que nossa pesquisa do Observatório das Metrópoles estava interessada em mudar a lógica urbana atual para outra situação em que o processo de produção das cidades fosse mais justo, mais democrático e sustentável, e que isso tem relação com a diminuição da violência urbana e com a forma de evitar tragédias como as que acontecerem em Petrópolis (RJ), em razão da ocupação inadequada do espaço urbano. Esse tipo de ocupação em áreas de risco é uma solução que grande parte da população encontra para morar e trabalhar, algo que não deveria acontecer se nossa legislação fosse levada a sério quanto ao direito à moradia previsto para todos. A Zero Hora, então, ponderou que a iniciativa privada estava fazendo obras importantes, como a do complexo do Pontal do Estaleiro nas margens do Guaíba. Bem, opinei que aquela obra é exemplo de um Grande Projeto Urbano pensado para o usufruto de uma pequena minoria abastada e que por meio daquele projeto polêmico, desde 2008, busca-se expandir as fronteiras da acumulação urbana na Orla do Guaíba, assim como é o caso da revitalização do Cais Mauá pretendida pelo Governo do Estado e a Prefeitura. Não são decisões da iniciativa privada, conforme alegado pela RBS, mas sim uma decisão política do governo do Estado e da Prefeitura em entregar o Cais do Porto e a Orla do Guaíba para a expansão da acumulação dos diversos tipos de capitais urbanos e imobiliários. E será a classe média que poderá pagar para usufruir desses espaços e se sentir confortável neles. Aproveitei para informar que nós, um grupo de professores da UFRGS, não fomos recebidos e nem ouvidos pelo governo do Estado e pela Prefeitura, apesar de termos elaborado uma proposta alternativa para a revitalização do Cais Mauá, juntamente com movimentos culturais da cidade, para fazer com que a revitalização do Cais do Porto seja capaz de tornar aquele espaço acessível a toda a população, já que como patrimônio público não deve ser apropriado por apenas um segmento social e nem utilizado como fonte de lucro privado. Também informei que nesse episódio da proposta para o Cais, a RBS não noticiou uma linha sequer sobre isso e foi o único órgão de imprensa que não se fez presente na coletiva que fizemos no Instituto dos Arquitetos do Brasil, o que contrasta com o amplo espaço que a Zero Hora e a RBS têm dado à ocupação do Cais Mauá por empresas privadas por meio do festejado Embarcadero! Aliás, empreendimento esse que conta com empresas associadas da RBS em eventos de entretenimento. E ainda que tudo o que está ocorrendo na Orla do Guaíba – como o projeto Golden Lake, (primeiro bairro privado de luxo de Porto Alegre), as torres no Sport Club Internacional (área pública concedida), o projeto imobiliário da Fazenda do Arado, em Belém Novo – representa um processo galopante de apropriação da Orla pelo capital imobiliário e financeiro, que viu uma oportunidade para sua expansão e acumulação de capital. Tipo esse de produção do espaço na cidade que irá valorizar mais ainda a terra junto a Orla, como mostram as campanhas publicitárias dos empreendimentos já existentes e a alta de preços nesse momento. Além disso, são projetos com potencial degradante e que agridem o meio ambiente da Orla.

A ZH então achou que eu estava a defender uma “preocupação mais social”, a qual respondi que não é social. É uma proposta antiga de reforma urbana para o país. Proposta que não separa o que é social, o que é econômico, o que é político, porque na prática estão juntos, e as decisões sobre o desenvolvimento urbano das cidades são políticas. É nas cidades onde vivem mais de 85% da população brasileira. “Tá e sobre o 4º distrito? Eles querem fazer algo bacana como Barcelona, atraindo turistas que vem para Gramado e não ficam em Porto Alegre”. Certo, disse eu, mas hoje saiu no Jornal Diário Gaúcho (da RBS) que as famílias da Vila Liberdade (que nome!), aquela próximo da nova Arena do Grêmio, no 4º Distrito, ainda estão esperando as 700 casas que iriam ser construídas após o incêndio que consumiu a vila no mesmo dia da tragédia da boate Kiss, há nove anos. Perguntei, será que a revitalização do 4º Distrito vai incluir esses moradores com habitação de interesse social na revitalização do bairro? Parece que não. Agora a Prefeitura mudou e está oferecendo dinheiro para os moradores comprarem moradia em outro lugar, “em todo o Estado do RS!”, segundo a reportagem citada. (Pensei, comigo: isso que será a liberdade dos moradores da Vila Liberdade, eles vão poder sumir da Capital!). Disse ainda que estes Grandes Projetos Urbanos até podem ser importantes para as metrópoles. Mas, no Brasil – que não é a Europa em termos de índice de Gini sobre a desigualdade –, eles precisam ser implementados de forma a não reproduzir as tremendas desigualdades socioespaciais e a segregação cada vez maior dos pobres no país. Isso impõem políticas de habitação de interesse social e outras formas de integração. No entanto, os Projeto Especiais do Plano Diretor de Porto Alegre estão virando rotina para beneficiar os empreendimentos imobiliários em troca de quase nada para a cidade, algo que vem sendo verificado na revisão fatiada do Plano Diretor pela Prefeitura Municipal.

Não disse ainda – para não parecer tão explicitamente que sou um “caranguejo”, a forma depreciativa com que a RBS costuma cancelar o pensamento crítico na cidade – que a realidade de Barcelona também não é esta maravilha que os colonizados daqui contam. Quem visita Barcelona deveria ir também na região metropolitana para ver outra realidade. A gentrificação, a expulsão e a elitização também se apresentam na invejada Barcelona, apesar de não ser com os níveis de nossa pobreza tropical. Mas deixei pra lá, para não espichar demais a conversa, afinal, e Porto Alegre?

Bem, então voltando ao diálogo com a ZH impressiona o quanto a visão de mundo de quem depende da grande mídia corporativa perde em autonomia. Algo comum no mercado de trabalho das grandes empresas midiáticas. Tomando-se, por exemplo, o que colunistas da ZH vêm defendendo e falando sobre a questão urbana em Porto Alegre, não é de se espantar. Eles estão repetindo mil vezes que Porto Alegre sucumbiu porque ficou muito tempo sob direção do atraso. Provavelmente se referindo ao período de 16 anos dos governos de esquerda, quando a cidade foi colocada no mapa mundial após reconhecimento internacional da democracia participativa aqui implementada. Nesse período, os investimentos foram invertidos para atender necessidades básicas da população. Nunca se investiu tanto em saneamento básico e pavimentação de vias nas periferias da cidade. A regularização fundiária e a urbanização da Vila Planetário – localizada em plena Avenida Ipiranga, próxima da sede da RBS -, por exemplo, quebrou o paradigma anterior de expulsão dos pobres para a periferia. Na época, houve uma gritaria muito grande pela “defesa daquela área nobre da cidade”, cuja destinação deveria ser para outros fins “nobres” que não para a moradia dos pobres. Também houve investimentos importantes para toda a cidade, como no Mercado Público, na 3º Perimetral, e em grandes obras de tratamento e abastecimento de água e de esgoto. Serviços foram qualificados e a cidade ficou limpa, cuidada e iluminada. O poder se tornou mais transparente e sujeito as críticas diretas da população nos bairros e vilas. A educação inovadora ganhou o mundo. Praias do Guaíba foram despoluídas na zona sul depois de décadas e a cidade ganhou o Anfiteatro Por do Sol na Orla do Guaíba. A cultura foi incentivada inclusive na periferia. O novo ambiente cultural e as trocas internacionais mudaram o humor e a motivação da cidade, algo notado e comentado até pelos taxistas após a vinda do Fórum Social Mundial, a partir de 2001. É claro que isso tudo foi pouco para enfrentar os graves problemas acumulados durante décadas, mas não há como negar a mudança que ocorreu na relação entre o governo local e as comunidades, em favor da ampliação do direito à cidade e da incorporação de camadas populares na gestão pública na condição de protagonistas. Enfim, momento histórico da capital esse que é negado pela RBS, como se não tivesse existido ou então tivesse somente atrasado o desenvolvimento da cidade. Nunca se viu no jornal Zero Hora um tratamento sério sobre o Orçamento Participativo, por exemplo. Será que uma cidade onde o prefeito e os secretários vão de forma sistemática e planejada até os bairros periféricos e lá se expõem às críticas e às demandas de toda ordem não seria notícia a ser abordada de forma objetiva? Parece que razões extra critérios jornalísticos falaram mais alto nesse período da administração da cidade após a redemocratização.

O fato é que Porto Alegre ganhou vários prêmios nacionais e internacionais e foi eleita uma das melhores cidades para morar e para investir. Isso mesmo, para investir, algo que contraria a narrativa do atraso propalada pelos meios do grupo RBS. Porto Alegre ostenta mais de 80 prêmios e títulos que a distinguem como uma das melhores capitais brasileiras para morar, trabalhar, fazer negócios, estudar e se divertir. Foi destacada em 2010 também pela ONU como a Metrópole nº 1 em qualidade de vida do Brasil por três vezes; como possuindo um dos 40 melhores modelos de gestão pública democrática pelo seu Orçamento Participativo e por ter o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre as metrópoles nacionais. A empresa de consultoria britânica Jones Lang LaSalle a incluiu em 2004 entre as 24 cidades com maior potencial para atrair investimentos no mundo Porto Alegre recebeu a classificação de cidade autossuficiente, por parte do Globalization and World Cities Study Group & Network (GaWC)[3]. Mas esse reconhecimento nacional e internacional parece não existir como fato objetivo para a RBS, que reproduz o esquecimento da história típico de regimes que não são liberais, e o faz em nome da liberdade de imprensa. A sua narrativa faz crer que a capital ficou estagnada e perdeu tempo nas décadas anteriores. Seria esta uma análise isenta e independente por parte da ZH? A resposta parece clara a esse respeito. Não deixa de ser interessante que agora veio à luz os vínculos estreitos entre o grupo RBS e o mercado imobiliário. E foi noticiado pela própria ZH, numa demonstração de transparência que não se constrange sobre o fato de a mesma empresa mercantilizar a informação, defender o projeto de cidade-mercadoria e atuar no mercado de investimentos imobiliários[4].

Quanto à reportagem, não creio que minha opinião, como pesquisador e ativista da reforma urbana fosse considerada relevante, como de fato aconteceu. Do contrário, seria dar voz aos “caranguejos”, os mesmos que impediram a privatização imobiliária da Orla do Guaíba (ao resistir ao Projeto Praia do Guaíba, em 1988), fato que permite atualmente que esse lugar possa ser qualificado para o acesso público. Não fosse essa ação coletiva – simbolizada pela ocupação de ativistas na chaminé da Usina do Gasômetro –, não teríamos os trechos da Orla hoje disponíveis para serem revitalizados. Aliás, é bom lembrar do Projeto Guaíba Vive e da construção do Anfiteatro Pôr do Sol, em 2000, numa parceria da Prefeitura com o jornal ZH, a Fundação Roberto Martinho e a Bradesco Seguros, o que não corrobora a narrativa do isolamento da prefeitura na época do PT. Da mesma forma, foram os “caranguejos” que impediram que a Usina do Gasômetro fosse demolida, assim como o Mercado Público, entre outros “atrasos” cometidos por essa turma “contra o progresso”. Agora, diante da sanha neoliberal que governa a cidade – a Porto Alegre S.A -, são os “caranguejos” que resistem para que a cidade preserve um pouco da dignidade que a caracteriza.

A mídia informativa não precisa e não deve ser partidária, mas tampouco ela não é independente quando assume somente um lado da história. Felizmente hoje existem outras formas de comunicação que podem amenizar o poder dos oligopólios midiáticos que assolam as democracias mundo afora. Mas a luta pela informação e a comunicação ainda é muito desigual e precisa avançar para que a democracia seja mais democrática e independente do peso desproporcional que as coalizões políticas/capitalistas/midiáticas exercem nas democracias.

(*) Professor Titular do Departamento de Sociologia da UFRGS, pesquisador do Observatório das Metrópoles

[1] As cinco obras do passado: Viaduto Otávio Rocha, Cais do Porto, Canalização do Arroio Dilúvio, Antiga Ponte do Guaíba, Terceira Perimetral. As cinco obras do presente: Trechos 1 e 3 da Orla, Cais Embarcadero,

Parque Pontal, Revitalização do Centro Histórico, Ampliação da Anita Garibaldi. As cinco obras do futuro: Trecho 2 da Orla, Revitalização do 4° Distrito, Aeromóvel, Parque da Harmonia, Revitalização do Cais do In: Jornal Zero Hora. Porto. As obras mais emblemáticas da Capital. 24/03/2022

(https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2022/03/passado-presente-e-futuro-15-obras-que-moldaram-ou-ainda-prometem-reformular-porto-alegre-ckzyju49a004x0165h0iqstls.html)

[2] Entre várias outras obras e projetos que nós poderíamos citar estariam o Parque da Redenção e seu Bric, o Mercado Público, a Usina do Gasômetro (maior símbolo de Porto Alegre), o aterro da Avenida Praia de Belas, o Parque Marinha do Brasil, lugares consagrados pelo uso de pessoas de todas classes sociais.

[3] Ver as fontes das premiações em https://pt.wikipedia.org/wiki/Porto_Alegre

[4] Grupo RBS lança RBS Ventures e anuncia acordo com investidores. Link: https://gauchazh.clicrbs.com.br/economia/noticia/2022/02/grupo-rbs-lanca-rbs-ventures-e-anuncia-acordo-com-investidores-ckzwmf25q000o017p98v9txk6.html (21/02/2022)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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