Opinião
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23 de março de 2022
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14:43

Pare de perguntar ‘e o PT?’ O que a aliança Lula-Alckmin diz sobre a burguesia (por Luís Eduardo Gomes)

Chapa entre Lula e Alckmin está próxima de ser formalizada. | Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação
Chapa entre Lula e Alckmin está próxima de ser formalizada. | Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação

Luís Eduardo Gomes (*)

Um dos problemas da análise política brasileira nos últimos anos é que ela é excessivamente lulocêntrica. Isto é, foca demais no Lula e no PT, deixando de lado alguns movimentos importantes da sociedade e da política.

Por exemplo, a leitura das eleições de 2018 exauriu todos os ângulos do porquê o PT ter sido derrotado, de como o PT criou o bolsonarismo, da influência do antipetismo no resultado, entre outros, o que acabou deixando “passar batido” o colapso do que já foi o partido mais poderoso do Brasil, o PSDB.

Neste momento, de novo, a inevitável chapa presidencial Lula-Alckmin está sendo esmiuçada do ponto de vista do que significa o movimento do petista. Contudo, faz-se necessário também compreendê-la a partir da posição do agora ex-tucano.

Neste sentido, precisamos, primeiro, entender que o PSDB ocupava um espaço na sociedade de defesa de uma social-democracia liberal. Era mais liberal do que social-democracia, mas era uma ideologia que acreditava que o Estado precisava, sim, ser reduzido ao mínimo necessário e privatizado no que fosse possível respeitando [alguns] marcos da Constituição de 1988. E essa é a chave, o que sucedeu os tucanos na direita brasileira é a ruptura com a carta magna.

Para o bolsonarismo, o respeito à diversidade e dignidade humana de toda a população não é mais uma cláusula pétrea, assim como também, no ideário da turma, não faz sentido encarar a educação e a saúde públicas como direito universal. Se os tucanos queriam ou ainda querem terceirizar as funções públicas do Estado, o bolsonarismo quer acabar com o público e submeter o Estado a ser um instrumento de favorecimento de grupos de pressão ligados a quem está no poder. É isso que permite a ruptura, por exemplo, da proibição da mineração em terras indígenas. Não que os tucanos fossem contra, mas eles eram favoráveis a respeitar certos marcos legais.

Assim, a posição do Alckmin precisa ser entendida como uma correção de rumos, não só dele, mas também de certos segmentos da burguesia brasileira, que embarcaram na “Ponte para o futuro” achando que o desenvolvimento nacional viria às custas da precarização da mão de obra e da substituição das funções do Estado pela iniciativa privada. Ironicamente, tratava-se de uma utopia passadista que sonhava que o Brasil poderia voltar a ser uma fronteira de investimentos em setores dependentes de trabalhadores mal remunerados para produzir eletrodomésticos, guarda-chuvas ou qualquer indústria que deixou o Brasil rumo à Ásia e outros mercados para nunca mais voltar.

Como antítese a isso, está o lulismo, que tem a crença de que só o mercado interno pode colocar o Brasil no rumo do desenvolvimento e, por isso, a cerveja e a picanha não podem faltar na mesa do brasileiro. E, ainda sem romper com estruturas herdadas dos governos tucanos, acredita que o Estado tem que ser o indutor do desenvolvimento desse mercado interno. Se a gente olhar bem para a campanha do Alckmin em 2018, o que ninguém fez, por óbvio de seus 4%, ali já estava a ideia de que obras públicas deveriam ser o motor da recuperação econômica, talvez não diferente do que foram os PACs (Programas de Aceleração do Crescimento).

Ao conciliar com Lula, Alckmin sinaliza que deixa para trás, ao menos no momento, o sonho tucano de que bastaria arrumar a casa para “chover investimento externo”, que foi potencializado pelo bolsoguedismo, mas igualmente fracassou.

E deixa para trás porque sinaliza que compreende que retomar os compromissos com a Constituição de 88 o aproxima mais do eleitorado do Lula do que do eleitorado que os tucanos perderam para o Bolsonaro, que já não tem qualquer apreço por aqueles ideais. Se não chegarmos ao ponto de dizer que o desejo final do bolsonarismo é acabar com a democracia, podemos tranquilamente dizer que é superar os marcos fundadores da Nova República.

Em um cenário em que se compreende que a terceira via não irá decolar, Alckmin olhou para o lado e viu que quem estava mais próximo era Lula.

Mas mais importante do que a guinada de Alckmin é entender que não se trata só dele e que é um movimento que vai permitir que setores da burguesia — sem a inocência de achar que correspondem a toda ela —  desencantados com os resultados do capitalismo de hiperexploração possam também embarcar nessa chapa e nessa ideia da defesa da democracia de 88.

Às vezes, para entender o que está nas entrelinhas, basta apenas levar ao pé da letra: “Disputei a presidência contra o Presidente Lula e nunca colocamos em risco a questão democrática. Nunca. O debate era de outro nível. (…) Temos que ter a humildade para entender que é ele [Lula] quem melhor interpreta hoje o sentimento de esperança do povo brasileiro (…) Aliás, ele é fruto da democracia. Não chegaria lá, do berço humilde de onde veio, não fosse a democracia”, disse Geraldo Alckmin na manhã desta quarta-feira (23), após assinar a filiação ao PSB.

(*) Repórter do Sul21 e apresentador do podcast De Quinta, que debate as eleições na temporada de 2022.

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