Opinião
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28 de março de 2022
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08:03

O antagonismo social que beneficia Lula (por Carlos Eduardo Bellini Borenstein)

Lula visita fábrica em Diadema (SP) (Foto: Ricardo Stuckert)
Lula visita fábrica em Diadema (SP) (Foto: Ricardo Stuckert)

Carlos Eduardo Bellini Borenstein (*)

A pesquisa do instituto Datafolha divulgada na semana passada sobre a sucessão presidencial trouxe pelo menos duas informações relevantes. A primeira é a permanência do favoritismo do ex-presidente Lula (PT) há cerca de 7 meses do pleito. A segunda é a existência de um antagonismo social de contornos bem definidos na sociedade, o que beneficia Lula por conta da vantagem que o ex-presidente possui junto a segmentos do eleitorado que concentram a maior parcela da população brasileira. 

Começamos pelo favoritismo de Lula. O pré-candidato do PT preserva uma folgada vantagem sobre o presidente Jair Bolsonaro (PL) tanto nas simulações de primeiro turno – 43% a 26% (17 pontos percentuais) – quanto de segundo turno – 55% a 34% (21 pontos). 

Outro aspecto importante: Bolsonaro tem uma rejeição 18 pontos maior que a de Lula (55% a 37%). Como no segundo turno o eleitor escolhe o candidato que menos antipatiza, ter um índice de rejeição menor costuma ser decisivo. 

Há ainda duas variáveis que convergem em favor de Lula. A primeira é o fato da disputa desse ano ter uma característica mudancista, consequência da elevada avaliação negativa (ruim/péssimo) do governo Bolsonaro que, segundo o Datafolha, é de 46%. Para efeito de comparação, a avaliação negativa de Bolsonaro supera, por exemplo, o índice negativo (ruim/péssimo) que todos os ex-presidentes que foram reeleitos – FHC, Lula e Dilma Rousseff – tinham em igual período de mandato. Bolsonaro tem hoje praticamente o dobro da desaprovação que FHC (21%), Lula (23%) e Dilma (25%) tinham, respectivamente, em março de 1998, 2006 e 2014. 

Por outro lado, comparado a FHC, Lula e Dilma, Bolsonaro registra a avaliação positiva (ótimo/bom) mais baixa. O índice positivo de FHC (38%), Lula (38%) e Dilma (36%) em 1998, 2006 e 2014, respectivamente, eram maiores que o registrado hoje por Bolsonaro (25%).

A segunda variável que pesa em favor de Lula envolve a agenda da eleição. De acordo com o Datafolha, as principais demandas do eleitorado são a saúde (22%), o desemprego (12%), a economia (15%), a fome/miséria (6%) e a inflação (10%). Ou seja, temos uma forte preponderância dos temas econômicos e sociais, que juntos somam 65% das preocupações, na agenda do eleitor. 

O fato da agenda econômica ser o carro-chefe da eleição beneficia Lula, já que além do ex-presidente ser o único entre os pré-candidatos que cabe no figurino de candidato da mudança, uma parcela importante do eleitorado, principalmente os segmentos de menor renda, que ascenderam socialmente na Era Lula (2003-2010), possuem uma memória positiva em relação ao legado do Lulismo.

E é justamente esse eleitor que garante o favoritismo de Lula na disputa contra Bolsonaro. Ao segmentarmos as intenções de voto do cenário estimulado de primeiro turno com variável renda mensal dos entrevistados, Lula possui uma expressiva vantagem sobre Bolsonaro na fatia do eleitorado com renda mensal de até 2 salários mínimos (51% a 19%). 

No segmento com renda mensal de mais de 2 a 5 salários, Lula está numericamente à frente (36% a 34%). Porém, considerando a margem de erro pesquisa (2 pontos percentuais para mais ou para menos), há um quadro de empate técnico com Bolsonaro. E nas faixas de renda de mais de 5 a 10 salários e acima de 10 salários, a vantagem é de Bolsonaro – 36% a 28%; e 39% a 25%, respectivamente. 

Conforme podemos observar, quanto menor a renda dos entrevistados, maior é a preferência por Lula. E quanto maior a renda, maior é a preferência por Bolsonaro. Esses números sinalizam que há um forte antagonismo social na sociedade brasileira. 

Fenômeno similar ocorre quando segmentamos a rejeição de Lula e Bolsonaro pela variável renda. Bolsonaro tem o dobro da rejeição de Lula na faixa de renda de até 2 salários (61% a 28%). Nas faixas de renda de mais de 2 a 5 salários e mais de 5 a 10 salários, as rejeições são idênticas – 48% a 48%; e 51% a 51%, respectivamente. E no segmento com renda mensal acima de 10 salários, Lula é mais rejeitado que Bolsonaro: 58% a 44%. 

Este antagonismo social também é observado quando segmentamos as intenções de voto em Lula e Bolsonaro na simulação de segundo turno considerando a variável renda. Assim como na simulação de primeiro turno, Lula possui folgada distância na parcela do eleitorado com renda mensal de até 2 salários (65% a 25%). 

Lula também está numericamente à frente entre quem recebe de 2 a 5 salários (45% a 43%), mas atrás entre quem possui renda mensal de mais de 5 a 10 salários (45% a 43% em favor de Bolsonaro). E na faixa de renda acima de 10 salários, a vantagem é de Bolsonaro: 52% a 41%. 

Como, segundo o Datafolha, 53% dos brasileiros ganham 2 salários mínimos, segmento em que Lula vence Bolsonaro com folga, o antagonismo social favorece o ex-presidente. A faixa de renda de mais de dois a cinco salários, onde há um equilíbrio entre Lula e Bolsonaro, concentra 33% da população. E os segmentos que, por ora, pendem para Bolsonaro – mais de 5 a 10 salários (7% da população) e mais de 10 salários (2% da população) – representam apenas 9% da população brasileira. 

A preferência dos segmentos de menor renda por Lula é consequência dessa memória positiva do Lulismo, mas também da situação da economia, já que o desemprego, a fome e a inflação, pesam negativamente sobre os segmentos socialmente mais vulneráveis.

Não é por acaso que o foco do discurso de Lula é a economia e a piora das condições de vida dos setores populares. No último sábado (26), ao participar das comemorações dos 100 anos do PCdoB, em Niterói (RJ), Lula prometeu, caso seja eleito, “abrasileirar” os preços de gasolina, diesel e gás de cozinha.

Sintonizado com os números mostrados pelo Datafolha, Lula adota uma narrativa que visa fidelizar o eleitor mais pobre ao dizer que, em um eventual novo governo do PT, os ricos terão que pagar mais imposto de renda, e afirmou que a população mais pobre entrará no orçamento público. 

(*) Cientista político formado pela ULBRA-RS. Possui MBA em Marketing Político, Comunicação e Planejamento Estratégico de Campanhas Eleitorais pela Universidade Cândido Mendes

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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