Opinião
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1 de janeiro de 2022
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14:34

Votos de ano novo: um alvissareiro 2023 (por Flavio Fligenspan)

Show de Luz e cor na praia de Copacabana, na virada de ano. (Foto: Rafael Catarcione/Fotos Públicas)
Show de Luz e cor na praia de Copacabana, na virada de ano. (Foto: Rafael Catarcione/Fotos Públicas)

Flavio Fligenspan (*)

Nos primeiros dias de 2018 escrevi uma Coluna no Sul 21 (“Feliz 2019 são os melhores votos para 2018”), dizendo que o melhor que poderia acontecer para a economia brasileira no novo ano é que ele passasse rápido, quase despercebido. A ideia ali era “pular” 2018 e chegar rapidamente em 2019, já que o ano que começava não tinha nada ou quase nada de bom a nos oferecer. Passados quatro anos daquele texto, meu sentimento é o mesmo: que passe logo o difícil ano de 2022 para que possamos começar a reconstruir tudo que foi recentemente desmanchado na sociedade brasileira.

Isso vale não só para a economia, mas para todas as áreas que sofreram o desmanche: a pesquisa científica, a cultura, as artes, a política, o meio ambiente, dentre tantas outras. E vale, especialmente, para a necessária reconstrução do sentimento de respeito às instituições e à própria noção de vida numa sociedade democrática.

Na economia, a melhor notícia para 2022 é a projeção da inflação baixar para algo próximo a 5%, ainda muito alta, mas representando a metade da que se viu em 2021. É possível que se alcance esta marca, visto que as forças de oferta (inflação de custos) que impulsionaram os preços em 2021 tendem a se enfraquecer, seja as derivadas da safra agrícola, dos preços da energia elétrica, dos derivados do petróleo, dos problemas de abastecimento de diversas cadeias internacionais de produção e da taxa de câmbio. Não se trata de voltar atrás, isto é, os preços não vão cair, mas apenas os aumentos cessarem ou perderem força; isto é possível.

Além da inflação, o que se pode esperar do lado real da economia não entusiasma ninguém. Uma taxa de crescimento do PIB próxima de zero, desemprego caindo lentamente – mas ainda muito alto –, avanço da informalidade no mercado de trabalho, rendimentos médios reais em queda e investimentos em nível muito baixo, pelo recuo da confiança empresarial e pela insegurança sobre o resultado eleitoral. Segundo o Banco Central, a taxa de juros, já elevada, ainda vai subir em 2022 antes de começar um ciclo de baixa, e deve fechar o ano perto de 11%, o que impacta negativamente as decisões de consumo das famílias e os planos de expansão das empresas.

A depender da evolução da Covid, algo de positivo pode vir da recuperação da atividade de Serviços, com mais gente na rua e disposta a gastar em entretenimento, restaurantes, bares e turismo. Nada muito entusiasmante, visto que a renda estará curta para a maior parte da população. Comércio e Indústria já vêm se arrastando há meses, desde que acabou a onda de adaptação das famílias ao novo padrão de trabalho e estudo no domicílio. No segundo semestre de 2020 esta onda deu um bom impulso às reformas da casa e às mudanças necessárias de equipamentos eletrônicos e eletrodomésticos, inclusive de móveis. Mas tal impulso se faz só de uma vez e, naturalmente, perdeu força ao longo de 2021. Não se espera sua renovação, até porque a inflação elevada de 2021 “comeu” parte da renda que poderia ser destinada para bens de consumo duráveis. Na verdade, faltou dinheiro para os bens mais básicos; veja-se o desempenho medíocre das vendas dos supermercados.

Enfim, o que de melhor se pode desejar para 2022 é que passe rápido e que comecemos a árdua tarefa de reconstruir a sociedade e a economia brasileira. Vai ser muito difícil, porque os efeitos do “tufão” que está passando por aqui não são pequenos e corroeram as frágeis relações institucionais que havíamos construído nos últimos trinta anos. Um bom exemplo de corrosão é a deterioração das relações entre os poderes Executivo e Legislativo, cujo maior sinal são as chamadas “Emendas de Relator”. Além da tentativa inconstitucional de evitar a publicidade do gasto público, elas representam a promiscuidade da relação entre os poderes e diminuem o já pequeno espaço de autonomia do Executivo para a definição de seus projetos. Este é o mais recente sinal de uma longa lista de fatores de desorganização institucional que temos visto no país. Resta-nos desejar sucesso na tarefa de reconstrução a partir de 2023!

(*) Professor do Departamento de Economia e de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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