Opinião
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18 de novembro de 2021
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15:11

Eduardo Leite, garoto de recados do bolsonarismo (por Fernando Nicolazzi)

Jair Bolsonaro e Eduardo Leite, em dezembro de 2020 (Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini)
Jair Bolsonaro e Eduardo Leite, em dezembro de 2020 (Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini)

Fernando Nicolazzi (*)

Há alguns dias, em uma coluna-propaganda digna de torcedor de time de futebol, o funcionário da RBS Tulio Milman cravou sem meias palavras: “Eduardo Leite, mesmo se perder, já ganhou”. Ressaltando a inexperiência do governador gaúcho e a possibilidade de seu concorrente paulista sair vitorioso, o jornalista considerava que a simples disputa nas prévias do PSDB para definir o candidato do partido à presidência da República seria uma grande vitória para Leite.

Com sua sempre inconfundível habilidade analítica, Milman destacou a competência da equipe de apoio do pré-candidato ao fazer do “jovem inquilino do Palácio Piratini” um “personagem conhecido no Brasil”. De fato, a grande jogada feita, com a ajuda de Pedro Bial e toda a estrutura midiática das organizações Globo, para construir a figura de Eduardo Leite como o candidato da tal “terceira via” foi um lance importante, embora efêmero, no tabuleiro político nacional.

Por alguns dias, e com a complacência amigável de vários funcionários de empresas de jornalismo, Leite aproveitou-se da repercussão que seu nome recebia e alçou sua candidatura como uma opção plausível e viável para supostamente criar uma opção diferente daquela que Bolsonaro incorpora e, sem dúvida alguma, distinta daquela que o nome de Lula representa. Milman parecia estar correto em seu parecer: mesmo perdendo, Leite ganhava.

Mas os ventos da política nem sempre são brisas fáceis para se navegar e, de uma hora para outra, transformam-se em vendavais capazes de virar bruscamente o leme das análises políticas. Algumas se tornam, assim, verdadeiras canoas furadas. A impressão que temos agora, após algumas revelações confirmadas pelo próprio Eduardo Leite, é que sua vitória na derrota não pode mais ser assegurada com tanta confiança. Pelo contrário, permanece hoje a sensação de que, mesmo ganhando, Leite já é um perdedor.

Como noticiado amplamente, em janeiro deste ano Eduardo Leite intercedeu junto ao governador paulista para postergar o início da vacinação em São Paulo. Naquele momento, o país já contava mais de 200.000 mortos pela Covid e assistíamos todos, entre atônitos e revoltados, às cenas da tragédia criminosa em Manaus. Ainda assim, Leite julgou pertinente atender ao pedido do então secretário-geral do governo, Luiz Eduardo Ramos, para tentar convencer João Dória a não iniciar a vacinação em seu estado, pois isso prejudicaria a gestão de Jair Bolsonaro.

No entendimento do governador gaúcho, mais do que ações práticas e contundentes para reduzir os graves impactos da pandemia no país, a situação demandava tão somente um “pedido de reflexão”, pois em seu equivocado entendimento seria possível estabelecer um “esforço de coordenação e engajamento” com um governo que já havia dado fartos sinais de que não tinha nenhum plano de contenção da doença. Pelo contrário, seus sinais eram todos de que iria expor cada vez mais a população ao vírus, com o intuito de provocar a chamada “imunização de rebanho” à custa de milhares de vidas. 

Não há justificativa aceitável para a atitude do “inquilino do Piratini”, nem ontem, nem hoje. Por isso é necessário inverter a lógica milmaniana e sugerir que Eduardo Leite, mesmo ganhando, já é um perdedor. Perdeu o posto de garoto propaganda dessa tal “terceira via”, que nada mais é do que um bolsonarismo pintado pelo Romero Britto. Perdeu a chance de ser reconhecido apenas como um governador ruim, que mentiu para se eleger e fez de seu governo um balcão de venda do patrimônio público. Perdeu a chance, enfim, de sair de cena sem grande estardalhaço, carregando em sua biografia apenas o “erro” oportunista de ter eleito um apoiador das milícias e defensor da tortura para a presidência.

Mas sua maior derrota, essa que não terá entrevista para o Bial ou coluna de jornalista torcedor para dirimir as consequências, será ter para sempre o nome lembrado como aquele que assumiu de bom grado a função de garoto de recados de um governo genocida. Sem sombra de dúvidas, fazendo uso de suas próprias palavras sobre Bolsonaro, isso “é desumano, é egoísta e é uma irresponsabilidade”.

(*) Historiador

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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