Opinião
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13 de outubro de 2021
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16:58

O sucesso do liberalismo de Paulo Guedes e a novilíngua (por Róber Iturriet Avila)

Paulo Guedes. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Paulo Guedes. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Róber Iturriet Avila (*)

Nos anos recentes, os brasileiros aprenderam que tudo tem ao menos dois lados. A compreensão da realidade exige requinte. Respostas simples são geralmente equivocadas.

Desde 2015, a voz hegemônica na economia diz que é preciso de corte de gastos públicos para que haja “crescimento”. O alinhamento entre receitas e despesas seria capaz de aumentar a “confiança empresarial”. Em meados de 2017, não se observava crescimento, mas havia a festejada “retomada”. A glória vindoura seria majorada com a aprovação do teto de gastos públicos, a qual devolveria a “credibilidade”. A “flexibilização” da legislação trabalhista seria a solução para a “retomada” da “economia”.

Em 2018, Paulo Guedes foi vendido como o grande “especialista de mercado” e avalista de Jair Bolsonaro no campo econômico. Guedes seria a garantia de racionalidade para implementar as “reformas” necessárias para a continuidade da “retomada” da “economia”.

Algum observador desavisado poderia verificar o comportamento dos preços, da atividade econômica, do nível de dívida pública após o ajustamento fiscal. Curiosamente, 2014 marcou a inflexão da política econômica no sentido da austeridade e também o nível mais baixo de endividamento público das últimas décadas. Conforme o gráfico abaixo, o endividamento público passou a subir a partir de 2015. 

Gráfico 1 – Dívida Líquida do Setor Público – dez.06 – ago.21 – % PIB

É também curioso que 2014 marcou o nível de renda per capita mais elevado da história brasileira. Já as taxas de desemprego estavam em patamares baixíssimos, uma verdadeira raridade. Pois neste justo momento, poderosas forças convenceram o pensamento médio de que o país estava quebrado, que uma suposta gastança fiscal teria elevado o endividamento público (?). Dizia-se também que os economistas heterodoxos, assim como a esquerda brasileira, não entendiam de “economia”. Estava na hora de entregar os rumos do país aos grandes “especialistas do mercado” para eles fazerem as “reformas”.

Em 2021, assistimos estagnação e decadência econômica, desemprego, miséria, fome e cenas de pessoas na fila para a doação de ossos, que posteriormente passaram a ser vendidos. Mas logo lemos nos principais jornais do país que o problema da esquerda voltar ao poder estaria na “credibilidade” na área da “economia”.

Parece estranho. Os “especialistas de mercado” repetiram à exaustão que era preciso efetuar corte de gastos para que houvesse “retomada”, que as “reformas” trariam “credibilidade” e que a “economia” estava em recuperação. Se você ficou confuso, assuma sua ignorância: você não conhece a novilíngua da “economia”.

Como sabemos, tudo tem ao menos dois lados. Economia é um assunto para “especialistas” que na sua hermética, constituíram uma novilíngua.  “Especialistas de mercado” são aqueles que sabem “deixar os ricos mais ricos”. Quando esses grupos falam de “economia”, não fazem referência a emprego, juros, câmbio, salários, renda, mas sim a “ativos financeiros dos multimilionários”, quando falam em “reformas”, querem dizer “redução do salário real”. “Confiança empresarial” é “preço das ações”. Quando mencionam a “flexibilização”, querem dizer “pauperização”. “Responsabilidade” traduzido da novilíngua é “desemprego”. “Credibilidade” é “ganho do top 1%”. “Retomada” na novilíngua é “aumento da taxa de lucro” e quando falam em “redução de custos”, há alusão a “redução dos ganhos das domésticas e dos porteiros”.

Mesmo nestes anos de redução da renda per capita, aumento do desemprego e da miséria, a bolsa de valores subiu. O aumento da “credibilidade” e da “confiança empresarial”, a “flexibilização” da legislação, a “redução de custos” atestam o sucesso do empreendimento liberal e a patente “retomada da economia”. 

Em poucos meses, você será recordado ad nauseam que o problema da esquerda é a “economia”, a “responsabilidade” e a “credibilidade”. E que para a “economia” do Brasil continuar na “retomada” é preciso de “reformas”. Essas vozes não são insanas, é você que não conhece a novilíngua e não entende de “economia”.

(*) Professor de Economia da UFRGS, diretor do Instituto Justiça Fiscal

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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