Opinião
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19 de outubro de 2021
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11:27

Carta ao prefeito Sebastião Melo (por Luciana Schwengber)

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luciana Schwengber (*)

Caro Prefeito Sebastião Melo,

Escrevo para denunciar que teus eleitores estão sendo ignorados por um braço que presumo ser muito caro à sua gestão, a educação.

Desde meados do corrente ano, a Secretaria Municipal de Educação (SMED)  diz  querer repensar e construir uma nova Proposta Pedagógica para a rede pública municipal, o que é extremamente oportuno, dada tamanha indiferença, inclusive de gestões passadas, a questões urgentes que precisam ser olhadas para buscar a qualidade de ensino da rede pública municipal, bem como uma oportunidade ímpar para a construção de estratégias para reduzir os impactos do processo de ensino aprendizagem causados pela pandemia.

Ocorre que há um vício na forma como pretende se dar essa construção de proposta pedagógica. Foi apresentada pela SMED uma determinada proposta e orientado às escolas, por meio de poucas supervisoras, a construção de outras propostas respeitando as leis vigentes. Estas propostas entrariam em votação por este grupo de supervisoras e é narrado pela secretária de educação, Janaína, que essa estratégia de construção da proposta pedagógica asseguraria o caráter democrático da educação pública municipal de Porto Alegre.

Eu, demais professores, funcionários, bem como os pais e responsáveis por nossos alunos nos sentimos incomodados de não termos assegurada a participação plena na construção e discussão desta proposta pedagógica apresentada pela SMED. Este desconforto não se limita apenas a uma frustração, mas sim como um sinal evidente de um vício de forma administrativo, tanto é que há lei que prevê a existência de um Congresso de Educação para que se construa uma Proposta Pedagógica.

Superado esse entendimento, a secretária Janaína, vem com um novo discurso de que possui respaldo legal para aprovar uma matriz curricular. Sendo a matriz curricular uma parte de uma proposta pedagógica. Matriz esta, que exclui a disciplina de Filosofia, algumas línguas e propõe reduzir  a carga horária de ciências, história e geografia, substituindo por um aumento de carga horária das disciplinas de português e matemática (únicas disciplinas avaliadas no IDEB), disciplina de ensino religioso e projetos como gamificação e robótica.

As escolas da Rede Pública Municipal, por meio dos seus Conselhos Escolares, discutiram a proposta apresentada pela à SMED e a rejeitaram. Muitos pais relataram que para melhorar as notas em português e matemática faz sentido assegurar a oferta de Laboratório de Aprendizagem no turno oposto, quando muitas vezes não é ofertado por falta de professores, os responsáveis relataram também que escolas da rede privada não terão retirada nem redução de carga horária de disciplinas que são tão caras para uma educação significativa e que projetos como gamificação e robótica  são bem vindos, mas devem ser ofertados no turno oposto como complementares, sem prejudicar a carga horária de outras disciplinas.

Assim, como estratégia de representação da vontade das comunidades escolares, compilamos com a devida urgência as propostas emergentes da rede pública municipal e construímos uma única Proposta Pedagógica, incluindo a matriz curricular, para concorrer com a proposta apresentada pela secretária.

Recentemente, representantes dos Conselhos Escolares se reuniram com a secretária Janaína e seu assessor Clark, para relatar a insatisfação das comunidades escolares pela forma de construção da matriz curricular apresentada pela SMED, e pela impressão de que a Secretária de Educação não se preocupou em ofertar um espaço para que as comunidades escolares fossem escutadas e pudessem participar da construção que se propõe. Eu estava nesta reunião, escutamos que há respaldo legal para que a matriz curricular seja construída dessa forma e assim será e que a secretária pretendia unir as duas propostas para que não ocorresse votação. A secretária também relatou que o baixo ranking do IDEB de Porto Alegre justifica as mudanças que pretende.

A dita união de propostas continua excluindo algumas línguas e Filosofia e reduzindo períodos de algumas disciplinas. Lembro que durante a reunião com os representantes de Conselhos Escolares da rede, a secretária relatou, como argumento, que na rede pública municipal há um número muito pequeno de professores de Filosofia, que existem escolas que nem tem esses professores no quadro. O fato é que isso não é um argumento para a retirada da disciplina de Filosofia e sim uma confissão do descaso, que vem de muitos anos, com a rede pública municipal de ensino. Descaso esse, que não se limita à Filosofia, diversas escolas têm um histórico de quadros incompletos, sem professores de ciências, história, português, matemática, artes… Este descaso é uma parcela significativa relacionada ao baixo IDEB da rede pública municipal.

Precisamos olhar para as nossas responsabilidades e não fugir delas. Ignorar o pedido de participação de seus eleitores (sim, as comunidades de Porto Alegre te elegeram), ignorar a necessidade de um congresso para a construção de uma matriz curricular significativa que faz parte de uma proposta pedagógica, permitir que sua secretária simplesmente não queira mais o processo de votação, que ela mesma determinou, entre a sua proposta e a proposta construída pela rede pública são atitudes covardes e autoritárias de quem não escuta e muito menos se importa com a população.

Tenho certeza que a forma imposta da matriz curricular que servirá à proposta pedagógica será repensada. Conto com tua diligência enquanto gestor público.

Atenciosamente,

Luciana Schwengber

(*) Professora de Matemática da Rede Pública Municipal de Porto Alegre

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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