Opinião
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5 de outubro de 2021
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12:38

BNDES financiará o saneamento após a privatização da Corsan (por Jeferson Fernandes)

Foto: Itamar Aguiar/Palácio Piratini
Foto: Itamar Aguiar/Palácio Piratini

Jeferson Fernandes (*)

O que já vínhamos alertando desde que o governador Eduardo Leite (PSDB) resolveu trair seus compromissos eleitorais, ao anunciar a intenção de privatizar a Corsan, está infelizmente ocorrendo. Ele pretende entregar à iniciativa privada uma empresa superavitária, que em 2020 teve um lucro de quase R$ 2 bilhões, pela bagatela de oferta inicial de R$ 1 bilhão. Esse valor corresponde a 25% do patrimônio líquido da empresa, avaliado em R$ 4 bilhões. 

As chamadas metas de universalização do novo Marco Regulatório do Saneamento, ao contrário da nobreza de propósitos que aparentemente contém, foram estabelecidas exatamente para justificar a entrega das estatais à iniciativa privada. Todos os governadores que anunciaram processos de privatização de suas empresas públicas alegaram a incapacidade de cumprir com as metas de 99% de tratamento de água potável e 90% de esgoto até 2033. Era a desculpa que políticos privatistas e inconfiáveis como Eduardo Leite aguardavam para desonrar seus compromissos e torrar patrimônio público na Bolsa de Valores, para regozijo da banca privada. 

Mas o que é mais danoso e imoral nesse processo todo, é que os recursos para as generosas ações dos investidores virão dos cofres públicos. O financiador dessa farra que irá assegurar fabulosos lucros futuros ao setor privado é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, uma estatal federal. Ou seja, você entrega um patrimônio valioso da sociedade aos agentes privados sob a alegação de que estes poderão investir o que o poder público não teria capacidade de investir, mas quem banca o dinheiro é o próprio poder público. 

Isso já está ocorrendo de norte a sul do Brasil desde que a lei do novo Marco Regulatório do Saneamento, cujo texto possui as dez digitais do lobby privado da água, foi aprovada. Somente neste ano o BNDES já atuou na privatização dos serviços de saneamento dos estados do Rio de Janeiro e Amapá. E agora foi contratado pelo governo gaúcho para assessorar o chamado IPO, um “evento” aguardado com ansiedade e grandes expectativas pelos vorazes investidores privados, que na tradução da sigla em inglês significa a oferta pública inicial das ações de uma empresa na Bolsa de Valores. 

Após o assessoramento inicial, pago a peso de ouro com dinheiro dos gaúchos para organizar a “modelagem” da oferta à iniciativa privada, vem a segunda fase, através da qual o banco financia com dinheiro público os investimentos “privados”. Na página oficial do BNDES, a instituição assegura que “Até o fim de 2021, o BNDES estrutura projetos para saneamento básico em pelo menos outros sete estados brasileiros, com investimentos previstos na ordem de R$ 63 bilhões, que beneficiarão diretamente mais de 44 milhões de brasileiros.”

É de uma generosidade franciscana com o capitalismo de risco zero para agiotagem privada. E é uma inversão vergonhosa de alguns princípios basilares da administração pública, como Moralidade, Eficiência e Economicidade. Não existe moralidade em chamar de investimento privado recursos financiados pelos cofres públicos; as experiências de gestão privada do saneamento no Brasil e no mundo são um rosário de ineficiência e incapacidade programada de entregar o que prometem e, ao final de tudo, não haverá economicidade nenhuma, pois quem pagará a conta é a sociedade, especialmente através de bilhões canalizados à iniciativa privada e do aumento abusivo de tarifas.

(*) Deputado estadual (PT-RS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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