Opinião
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28 de setembro de 2021
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06:13

Culpa (Den Skyldige, 2018) (Coluna da APPOA)

'Culpa', filme dinamarquês de 2018 (Divulgação)
'Culpa', filme dinamarquês de 2018 (Divulgação)

Marcia H de M Ribeiro (*)

Entonces comprendí lo que ya sabía: lo que podemos imaginar siempre existe, en otra escala, en otro tiempo, nítido y lejano, igual que en un sueño.
Ricardo Piglia – ‘El último lector’

Logo no início quase ouvimos Asger dizer, uma e outra vez, para alguém em apuros do outro lado da linha telefônica: a culpa é sua pelo que está lhe acontecendo. Parece advertir que, talvez mais para si mesmo, se seu desejo o levou até aí, então, vire-se. 

Depois ficamos retidos com ele na sala enquanto a história de um sequestro se desenrola noutra cena, distante dos nossos olhos. As palavras, os silêncios, a respiração, os ruídos de fundo dando visibilidade ao invisível. Imaginamos.

Culpa, filme dinamarquês de 2018, está disponível nas plataformas de filmes sob demanda, também sob o nome de O Culpado (2020) na versão estadunidense. O primeiro recebeu prêmios de melhor roteiro e melhor ator em festivais do cinema europeu, e foi indicado para concorrer ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira. Escrito por Gustav Möller, que também o dirigiu, e por Emil Nygaard Albertsen, conta também a história de um policial deslocado das ruas para atender aos chamados telefônicos do serviço de emergência de Copenhague. 

Embora a tradução literal do título seja a dada ao segundo filme, culpa parece uma escolha justa. Ela é um dos grandes personagens incorpóreos da história cuja presença-ausência sustenta e dá o tom da trama. Além disso, sabe-se bem que nem todo culpado sente culpa; tampouco o “inocente” está livre dela.

Resumido assim o argumento, para evitar antecipações que arruinariam o desfecho para os que ainda não o assistiram, pode parecer mais uma versão clichê dos filmes do gênero suspense policial. 

Grande equívoco. 

A começar pela  impecável atuação de Jakob Cedergren no papel de Asger. A opção estética do diretor no jogo de câmeras a explicitar a densidade das escolhas, dos dilemas morais e a angústia do personagem policial. E o impecável trabalho na construção de imagens sem mostrá-las. 

Borges dizia que a ficção depende não só de quem a constrói mas, também, de quem a lê, a interpreta. Evoco aqui o escritor porque o roteiro lembra a estrutura do conto, e revela, tal qual um sonho, a indissociável ligação entre imagem e palavra. O filme é um exitoso exercício de linguagem, e escolha criativa bem-vinda para nos fazer lembrar a força da palavra nestes tempos de proliferação de signos.

(*) Psicanalista, membro da APPOA e do Instituto APPOA – clínica, intervenção e pesquisa em psicanálise.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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