Opinião
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20 de agosto de 2021
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16:34

Sobre a Corsan e a ambição do atual governador (por Miguel Rossetto)

Miguel Rossetto (*)

A historiadora americana Barbara Tuchman, em A Marcha da Insensatez, mostra como ambições e interesses individuais de governantes (mesmo sendo alertados por conselheiros) levaram a decisões erradas e consequências desastrosas para seus países. Um dos casos é a conduta do rei inglês Jorge III que, após recusar todas as reivindicações da colônia americana e os conselhos de seus assessores, levou a Inglaterra a perder sua maior colônia. Guardadas todas as proporções, vivemos por aqui algo similar.

A ambição política do atual governador Eduardo Leite pode levar o Rio Grande do Sul a perder um de seus maiores patrimônios, a Corsan. O tal rei Jorge III foi embora; o atual governador também irá, mas os prejuízos da insensatez ficam para sempre. Por aqui ainda temos a oportunidade histórica de evitar este desatino.

A Corsan é uma empresa sólida do ponto de vista financeiro, operacional e tecnológico, e atua com responsabilidade social e ambiental. Foram décadas de muito trabalho para construir uma empresa presente em 317 municípios do estado, atendendo 7 milhões de gaúchos e gaúchas. Uma empresa com profissionais, engenheiros, químicos, técnicos de competência reconhecida nacionalmente e que conhecem profundamente as necessidades dos municípios do estado. Uma empresa com faturamento líquido de R$ 3,2 bilhões, lucro líquido de R$ 480 milhões em 2020 e com análise de rating AA.

A projeção para 2021 é de uma lucratividade de R$ 700 milhões; resultados positivos fazem parte do histórico da companhia Estas condições asseguram à Corsan uma capacidade de captação e investimento de R$ 14,9 bilhões até 2033, por meio de recursos próprios, debentures, PPPs, financiamentos junto ao BID, IFC e outras agências; muitos destes já contratados. Uma empresa pronta para responder às metas de 97% de água e 90% de esgoto tratados até 2033.

Quando o atual governador justifica a privatização da companhia pela incapacidade de responder essas metas, falta com a verdade. Aliás, não seria a primeira vez.

O fato é que o modelo Corsan pública 100% gaúcha é superior a qualquer outro modelo empresarial privado para responder, com tarifas adequadas, à universalização da água e do tratamento ambientalmente correto do esgoto no RS. Alguns pontos fundamentais desaparecem do debate quando Leite defende a venda da Corsan. Listo aqui três:

1- Como empresa 100% do estado, pública, todos os recursos financeiros gerados ficam na companhia e são integralmente aplicados na atividade do saneamento nos municípios. Um controlador privado retira recursos da empresa como retorno ao investimento feito.

2 – Como empresa pública e estatal, a Corsan é imune ao pagamento de impostos federais – a partir da decisão do STF em 2018. Esta condição garante uma receita extraordinária para a companhia de R$ 150 milhões por ano; R$ 1,5 bilhão para investimentos em 10 anos. Com a privatização, a companhia perde esta receita!

3 – A presença da Corsan em 317 municípios em todo o estado assegura escala e integração de custos, receitas e de investimentos entre os municípios maiores e menores, com tarifas iguais para as 7 milhões de pessoas atendidas. A privatização provocaria a desagregação da companhia e os maiores municípios poderiam buscar alternativas próprias. O resultado disso, uma elevação insuportável da tarifa para os municípios menores e a proibição de acesso a água para milhões de gaúchos e gaúchas.

Ainda existe um outro tema que deve ser enfrentado com urgência pelos parlamentares, prefeitos, câmaras de vereadores, pela sociedade organizada e pelos órgãos de controle do estado: a péssima gestão da Corsan, que tem prejudicado em muito uma operação melhor da companhia. É de responsabilidade de Eduardo Leite a presença de um operador financeiro do banco Santander na presidência da Corsan, de nome Barbuti, absolutamente ignorante na área do saneamento. Este mesmo Barbuti foi condenado pela CVM por práticas irregulares e ilegais quando operava para o Santander.

Segundo seu currículo, antes de entrar na Corsan, atuava em “oportunidades relacionadas a processos judiciais” (sic). Atraso na liberação de investimentos, contratação milionária de consultorias sem licitação, e outras práticas estranhas à boa administração, são suficientes para que esta gestão temerária seja imediatamente afastada da Corsan. Uma gestão qualificada e dedicada é o que se espera para a companhia, como em vários momentos já teve. Lembro de Dieter Wartchow e tantos outros apaixonados pelo saneamento, com quem pude trabalhar quando vice-governador do RS.

A ambição eleitoral do atual governador é pouco, muito pouco, para justificar a destruição da Corsan, troféu que ele pretende apresentar à elite financeira de São Paulo ou de Madri.

(*) Miguel Rossetto foi vice-governador do RS, deputado federal pelo PT e ministro nos governos Lula e Dilma.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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