Opinião
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16 de agosto de 2021
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13:20

EUA, guerras e Afeganistão: negócios muito lucrativos (por Glauber Gularte Lima)

Soldado do Exército da 3ª Divisão de Infantaria dos EUA durante observação aérea o Afeganistão. Foto do Exército dos EUA por John Martinez
Soldado do Exército da 3ª Divisão de Infantaria dos EUA durante observação aérea o Afeganistão. Foto do Exército dos EUA por John Martinez

Glauber Gularte Lima (*)

Existem dois modos de combater:
um com as leis; o outro, com a força.
Nicolau Maquiavel (O Príncipe -1513)

Os EUA são inegavelmente um case de sucesso do capitalismo. Antes de entrar na Segunda Guerra Mundial, se reservaram à útil tarefa de fornecedores de suprimentos e materiais bélicos e ao exercício da agiotagem, emprestando dinheiro a juros aos países europeus. Quando debutaram no teatro de operações, levaram à tiracolo um estafe de cineastas para eternizá-los como heróis da humanidade, embora tenham sido os comunistas russos que cercaram e conquistaram Berlim, pondo fim ao terror do nazismo de Hitler. A antiga União Soviética perdeu a módica quantia de 27 milhões de vidas, cerca da metade de todos os mortos do mais sangrento conflito da História.

Após essa performance vitoriosa, se transformaram em uma verdadeira banca privada de crédito aos países destruídos pela guerra, através do Plano Marshall. E passaram a ter ideias mais ousadas. Uma delas foi a de humildemente se auto atribuírem o papel de polícia do mundo, à revelia de qualquer autorização formal para exercerem essa generosa representação. Então passaram a invadir territórios e derrubar regimes democráticos invariavelmente em nome dos nobres princípios da paz, da democracia, da liberdade e dos direitos humanos.

Essa inclinação imperialista tem suas origens no final do século XIX. Sua ação inaugural foi em 1887, quando fomentaram a Primeira Guerra Civil no arquipélago das ilhas Samoa, no Pacífico, cujo território acabou poucos anos depois democraticamente invadido e repartido entre EUA e Alemanha. De lá para cá, é possível contabilizar no portfólio dessa honrosa empresa bélica a modesta soma de 38 países invadidos, vários mais de uma vez, além da participação em dezenas de golpes de Estado. 

Em 2003 o ditador Saddam Hussein, ex-aliado dos EUA, foi deposto sob a acusação de produzir armas de destruição em massa que nunca foram encontradas. Mas as reservas de petróleo iraquianas foram localizadas imediatamente. Hoje elas se encontram privatizadas e nas mãos de multinacionais americanas como a Exxon.

Apesar desse belicismo sobre domínios alheios, os EUA jamais tiveram o seu território continental invadido por algum outro país. O ataque às torres gêmeas em 2001 foi uma ação criminosa de um grupo terrorista, atribuída ao Al-Qaeda, cujo líder, Osama Bin Laden, vivia no Afeganistão, sob o regime dos talibãs. Esse episódio justificou a reação norte-americana em proporções monumentais. 

O senhor da guerra George W. Bush mobilizou um gigantesco aparato militar para invadir o Afeganistão através da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o braço militar dos EUA na Europa. Para Bush, eles haviam sido atacados porque eram o farol da liberdade. Esqueceu de completar: dos grandes negócios privados.

O objetivo declarado da invasão era “encontrar Osama Bin Laden e outros líderes da Al-Qaeda, destruir toda a organização e remover do poder o regime talibã”, que dera abrigo ao chefe terrorista. Levaram uma década para encontrá-lo e, após vinte anos, saem militarmente derrotados, entregando novamente o país aos talibãs, através de um acordo feito por Donald Trump em 2019. 

Mas os negócios bilionários subjacentes à invasão andaram muito bem nessas duas décadas. O complexo industrial-militar estadunidense é composto por cerca de 14 mil companhias privadas que empregam cerca de 3 milhões de pessoas. As cinco maiores fabricantes de armas no mundo são empresas norte-americanas que alcançaram juntas um faturamento de mais de US$ 165 bilhões em 2019. 

Um relatório da Universidade Brown, divulgado em 2021, aponta que o Pentágono (Departamento de Defesa dos EUA) gastou desde 2001 a estratosférica quantia de US$ 6 trilhões. Nos vintes anos em que estiveram no Afeganistão, apenas na rubrica orçamentária Operações de Contingência Estrangeiras, gastaram quase US$ 1 trilhão. Não é à toa que esse Departamento responde por 75% do faturamento da indústria da morte. Esta, por sua vez, agradece a gentileza destinando milhões de dólares para o financiamento das campanhas presidenciais de republicanos e democratas.

A fatura financeira é interminável. Como os norte-americanos são muito curiosos, resolveram aproveitar essas duas décadas de guerra enfadonha para estudar as entranhas desse país de 38 milhões de habitantes, cujo território é constituído por 75% de montanhas. De acordo com um relatório do Serviço Geológico dos Estados Unidos, o Afeganistão possui reservas minerais avaliadas em US$ 1 trilhão. Dentre elas, minério de ferro, cobre e lítio. Este último é objeto de cobiça da indústria da tecnologia digital, sendo utilizado na produção de baterias para aparelhos eletrônicos como computadores e celulares. 

Conforme o New York Times, as reservas potenciais de lítio no Afeganistão seriam tão grandes quanto as da Bolívia, a maior produtora mundial. Mas os analistas do Pentágono trataram de comunicar à opinião pública mundial que o país, “prejudicado pela corrupção e por um Estado central fraco, não está preparado para gerir a sua riqueza mineral.” Será que é preciso desenhar para saber quem irá lucrar fortunas fabulosas com a exploração e comercialização dessas valiosas reservas? 

A proclamada Guerra ao Terror chegou a contar com 48 países e ter mais de 100 mil soldados em território afegão. O Pentágono registrou a morte de cerca de 3,5 mil integrantes das forças da coalização internacional. O governo afegão instalado com a ajuda norte-americana, até parar de divulgar as suas baixas, calculava em mais de 45 mil militares mortos. A ONU estima um mínimo de 32 mil civis assassinados. É uma estratégia vil e cínica. Você invade um país por duas décadas para salvá-lo da tirania, mas quem banca 95% dos mortos são aqueles a quem deveria proteger. 

Nas trincheiras talibãs adversárias, estima-se a morte de mais de 60 mil pessoas. Com vidas ou com riquezas, mas quase sempre com as duas de mãos dadas, quem paga essa conta sem fim são os vencidos pelo Império insaciável.   

(*) Glauber Gularte Lima é professor

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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