Opinião
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2 de agosto de 2021
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14:27

A solidariedade transformada em organização popular (por Maister F. da Silva)

Cozinhas comunitárias vem tendo um papel fundamental no combate à fome na periferia. (Foto: Lucas Leffa)
Cozinhas comunitárias vem tendo um papel fundamental no combate à fome na periferia. (Foto: Lucas Leffa)

Maister F. da Silva (*)

A vida política nacional passa por um período conturbado desde 2015, o impeachment da Presidenta Dilma Roussef abriu precedente para uma série de pautas e ações que os governos petistas vinham conseguindo conter na Câmara dos Deputados, pautas que refletem diretamente no bolso da população brasileira e ações que os governos Temer e Bolsonaro tomaram ou deixaram de tomar que agravaram de forma considerável a condição de vida do povo brasileiro. A pandemia foi o flagelo que acelerou a escalada de miserabilidade de nosso país, acrescida por mais de meio milhão de mortos resultantes de omissões e erros por parte do governo federal. 

A política de preços da Petrobras é um descontrole total, o trabalhador brasileiro já não sabe o preço do combustível quando sai de casa ou se vai ter dinheiro para comprar um botijão de gás para preparar o alimento diário. A opção de não investir em subsídios para a promoção da agricultura familiar e camponesa (responsável pela produção da maioria dos alimentos que chegam a mesa do povo brasileiro) tem causado o aumento constante do preço dos alimentos. O aumento constante do preço da luz e a iminência da volta dos apagões resultam em um contexto que nos faz lembrar um Brasil a muito esquecido. Um Brasil que a geração do pleno emprego, do Prouni, do Fies e do Bolsa Esporte não conheceu, mas infelizmente está precisando conviver.

Foto: Mulheres são as principais lideranças desse trabalho de solidariedade. (Foto: Lucas Leffa)

É nesse contexto que o movimento comunitário renasce com força nas comunidades periféricas das cidades, renascendo da necessidade de reorganização coletiva e popular, a única alternativa possível para atravessar a tormenta, como nos idos de 1970 com Movimento Custo de Vida, também conhecido como Movimento Contra a Carestia. As mulheres, predominantemente, são as lideranças principais e o rosto público da resistência, da solidariedade e da esperança. Primeiro porque cerca de 45% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres, segundo porque geralmente, mesmo sendo responsáveis pelo sustento de suas famílias, as mulheres brasileiras ganham cerca de 27% a menos do que os homens, ou seja, conhecem o cotidiano de dificuldade e as adversidades diárias.

São mulheres como essas que sustentam a experiência do Coletivo Multiplicidade aqui em Porto Alegre. Organizadas em 11 Cozinhas Comunitárias descentralizadas em todas as regiões da cidade, elas produzem 1.600 refeições semanais que são entregues para as famílias em risco de vulnerabilidade social e insegurança alimentar e resgatam a importância da organização popular através das associações de moradores, como ferramenta de busca por melhorias para a população local. Com o apoio do MST, do comércio local, de famílias das próprias comunidades e de dezenas de doadoras e doadores anônimos essa ampla rede de solidariedade se fez possível, além das refeições e da reorganização de associações de moradores também são doadas cestas básicas, cobertores e roupas através dos roupeiros solidários.

O Coletivo Multiplicidade foi fundado pela vereadora Laura Sito e um grupo de militantes e ativistas dos direitos humanos e direito à cidade antes da campanha eleitoral com o objetivo de pensar a cidade, de uma perspectiva integrada, acolhedora e igualitária. Além de estimular e contribuir com o trabalho da rede de solidariedade, a vereadora entende que a fome e a insegurança alimentar são um problema social e que o Estado tem compromisso em apresentar soluções integradoras e de fácil operacionalização que possibilitem ações rápidas para o enfrentamento de períodos difíceis como esses. Para tanto ela apresentou dois Projetos de Lei que em breve devem ser votados na Câmara de Vereadores, sendo os dois discutidos com coletivos e movimentos e também com os Conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional Estadual e Municipal, um que cria Fundo de Segurança Alimentar e Nutricional e outro que cria o Programa de Aquisição de Alimentos Municipal da Cidade de Porto Alegre, baseado no Programa de Aquisição de Alimentos criado no Governo Lula e que foi uma das principais ferramentas para a retirada do Brasil do Mapa da Fome da ONU.

As ações de solidariedade que proliferam nas comunidades periféricas da nossa Porto Alegre e Brasil afora estão fazendo (re)emergir novos atores, com novos paradigmas de fé, esperança, modelo de sociedade e novos valores morais e éticos, que passo-a-passo tornam-se organização popular.

(*) Graduando em Administração Sistemas e Serviços de Saúde da UERGS.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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