Opinião
|
20 de junho de 2021
|
19:34

Até quando? Por quê? (por Céli Pinto)

Ato de 19 de junho, pelo
Ato de 19 de junho, pelo "Fora Bolsonaro", em Porto Alegre. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

Céli Pinto (*)

“Em breve vs verão políticos, artistas e jornalistas “lamentando” o número de 500 mil mortos.”  (Ministro da Comunicação Fabio Faria)

O Ministro da Comunicação foi modesto, em seu twitter do dia 19 de junho de 2021, ao comentar a morte de 500 mil brasileiros  pela covid. Não apenas estes lamentarão.  Sem usar cínicas e desrespeitosas aspas,  220 milhões de brasileiros lamentarão, muitos deles na iminência de se somarem a este indecente número a qualquer momento; lamentarão milhões de brasileiros pertencentes às famílias dos mortos; milhões de brasileiros amigos dos mortos, e ainda muitos milhões de admiradores dos que se foram e eram importantes na vida cultural brasileira, desde o popular  e talentoso Paulo Gustavo até o sofisticado e brilhante intelectual Alfredo Bosi.

Nem todos os brasileiros lamentarão da mesma forma: uma grande maioria não tem condições de não se expor à morte, pois necessita trabalhar para levar para casa a comida de cada dia. Estas pessoas transitam em meios de transporte quase medievais, como sardinhas em lata, sem proteção alguma. Muitos caminham quilômetros,  para pedir algo para comer aos motoristas nos semáforos. 

Também lamentarão de forma diferente as mulheres pobres que perderam seus empregos, são chefes de família, não têm onde deixar seus filhos e vivem da sorte de conseguirem uma cesta básica, vinda das muitas ações voluntárias. Suas famílias moram à beira do esgoto, convivem com ratos e animais peçonhentos não têm recursos para comprar sequer um sabonete, menos ainda álcool em gel e máscaras, que são descartáveis ou devem ser lavadas com cuidados especiais. 

“O Brasil está se tornando uma ameaça ao planeta.”
Desse modo, o Brasil, além de ser uma ameaça aos brasileiros, está se tornando uma ameaça ao planeta. É o país onde mais pessoas morreram proporcionalmente aos seus habitantes no mundo. É o país onde a pandemia se alastra vertiginosamente, no momento em que perde força no mundo.. O Brasil se torna uma ameaça ao planeta, e quem acha que tal afirmação é um exagero, está mal informado.

As perguntas até quando e por que se  não se  impõem  apenas aos analistas, cientistas sociais, historiadores, jornalistas. São perguntas categóricas, que assaltam todos que levantam pela manhã e se dão conta de que podem estar indo em direção à morte, que seria evitável, mas pode ser provável e indigna, como quando um general deixa pessoas morrerem asfixiadas na porta de hospitais. Nada nos garante que muitos de nós brasileiros estejamos livres de morrer assim nos próximos meses. 

Ontem centenas de milhares de pessoas foram para as ruas protestar contra este descalabro, contra a indecência que é o governo miliciocrático civil-militar. Na cidade de São Paulo, segundo a Folha (20/06/2021), havia mais de 100 mil pessoas nas ruas, arriscando a própria vida. Não podemos esperar mais, algo tem de ser feito e já. Precisamos esquecer cálculos políticos do tipo é melhor deixar Bolsonaro sangrar. Quem está sangrando até a morte é o povo brasileiro. Não podemos esperar: se esta gangue perder as eleições, não haverá uma guerra civil, porque para isso é preciso haver dois grupos armados e organizados, o que não é o caso no Brasil. Ocorrerá, sim, um massacre contra nós, que lutamos pela democracia, nós os desarmados.

A resposta a esta pergunta já foi discutida muitas vezes em meus artigos. 57 milhões de pessoas votaram num projeto de destruição do país, muitos porque acreditaram no louco da aldeia, de fala fácil, de inimigos primários. Só que ele não era o louco da aldeia, era o chefe, ou pelo menos o mandalete mais qualificado de uma gangue. 

A Comissão  Nacional da Verdade, instaurada durante o governo Dilma Rouseff , para investigar as graves  violações aos diretos humanos durante a ditadura   civil-militar , gravou um lema. Hoje frente  ao desgoverno ao qual estamos submetidos, todos os brasileiros que ainda querem sobreviver  à Covid, à fome; à violência; ao medo do desemprego; ao desmantelamento da educação, da cultura, das artes em geral; que querem garantir direitos duramente conquistados têm de bradar o mais alto possível o lema: PARA QUE NÃO SE ESQUEÇA, PARA QUE NUNCA MAIS ACONTEÇA.

(*) Professora Emérita da UFRGS; Cientista Política; Professora convidada do PPG de História da UFRGS

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora