Opinião
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20 de novembro de 2010
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08:00

Simplificações

Por
Sul 21
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Nicolás Sartorius *

Vivemos em uma época de mensagens simplificadas e problemas complexos. Simplificar é uma das maneiras de não se dizer a verdade, de analisar somente a parte da questão que nos interessa. No fundo, significa uma opção ideológica. É o contrário de sintetizar, quando se conta com o maior número possível de elementos da realidade. No atual debate espanhol — e europeu — está havendo uma simplificação excessiva, sempre na direção de interesses concretos.

Primeira simplificação. O maior índice de desemprego na Espanha deve-se ao mercado de trabalho: demissão cara, negociação coletiva rígida, excesso de terceirizados, etc. Modifiquemos, portanto, as leis que regem o mercado de trabalho, barateando o custo das demissões, permitindo que as empresas fiquem livres dos contratos, etc. e, no futuro, serão criados mais empregos… quando a economia voltar a crescer.

A causa dos nossos males não está no mercado de trabalho, que é sempre consequência e não causa. Está, sim, no nosso sistema produtivo. A prova é que, com este mercado de trabalho, estivemos perto do emprego pleno e, ainda hoje, há comunidades autônomas com o mesmo índice de desemprego existente na Europa. O problema está no modelo econômico que temos, deficiente em aspectos relevantes que, com a crise, tornou-se ainda mais deficiente.

O que se deveria perguntar é por que, com as mesmas leis trabalhistas, em Canarias e Andaluzia o índice de desemprego é de cerca de 30%; em Estremadura, Murcia e Valência, mais de 20%, e no País Basco, Navarra, la Rioja, Cantabria, Aragón e Asturias está entre 10% e 14%, índice similar ao do desemprego europeu. Talvez a causa desta diferença seja a existência de uma produtividade sólida em algunas zonas, enquanto em outras, ela seja mais volátil, devido ao peso excessivo do setor de construção ou da hotelaria.

A perda do emprego se deveu ao impacto da crise econômica e a impossibilidade de construir, anualmente, cerca de 900 mil casas. O excesso de empregados temporários se deve à natureza destes setores, em que a maioria da mão de obra é temporária, pois quando uma obra termina, não há mais trabalho, e na baixa temporada, o emprego na hotelaria torna-se escasso. Um fenômeno, que no caso da Espanha, se acentua, devido ao abuso da subcontratação.

Portanto, este não é um problema do mercado de trabalho. O que temos de fazer é mudar nosso modelo produtivo. E isso é mais complexo e lento do que criar uma lei. Além disso, afeta o tipo de empresariado que temos, sendo 95% deles pequenos e médios. Afeta também o nosso atraso em pesquisa, desenvolvimento e inovação, com uma mentalidade favorável ao lucro fácil, que teria exigido um grande acordo econômico e social.

Segunda simplificação. O necessário aumento da produtividade espanhola depende de que se trabalhe mais. Um empresário, com suas empresas em ruína, inclusive, acrescentou: e que se ganhe menos.

Sabemos realmente de quantos fatores depende a produtividade? São múltiplos e de grande complexidade. Para começar, há os que influem em todo o sistema: o nível de formação tecnológica, infraestruturas, eficácia da administração, qualidade do mercado, etc. Cada setor de produção tem seus elementos próprios. Os do setor de construção são diferentes dos da biotecnologia. Convém fixar-se nos índices de cada empresa, em seus aspectos organizativos, produtos, desenho, qualidade… Também é preciso levar em conta a seção ou departamento de cada empresa e, por último, o que é muito importante: as habilidades, formação e estímulo de cada trabalhador.

Em tudo isso, a parte da produtividade que depende do empregado é menor, ainda que varie de acordo com o setor produtivo. A maior parte depende das condições criadas pelos poderes públicos e, sobretudo, pelas empresas. A prova de que o problema não está no fato de que nós, os espanhós, trabalhamos pouco, é de que a produtividade é superior nos países onde se trabalha menos horas. Que eu saiba, a responsabilidade por ter organizações altamente produtivas é dos empresários. Por que não generalizar os acordos de produtividade com a participação dos sindicatos?

Terceira simplificação. O futuro pagamento das pensões depende de aumentar a idade para a aposentadoria e/ou de ampliar os anos de contribuição. É óbvio que vivemos mais e, em consequência, cada vez haverá mais pensionistas. Também é certo que o gasto com as pensões aumentou. Mas dizer isso é simplificar o problema. Há alguns dias escutei a ministra da Economia comparar o atua gasto com o de alguns anos atrás e a diferença era grande. O que foi omitido é quanto cresceu a riqueza do país neste mesmo período. Esta é a relação relevante. Por exemplo, em 1993 – -um ano de depressão — o gasto com pensões era de 10,3% do PIB; para 2011 (o ano mais baixo do ciclo econômico) está previso um gasto de 10,6% do PIB – um aumento de 0,3% em 18 anos. Sem dúvida, em 2003 (ano alto de ciclo econômico), o gasto foi de 8,8% do PIB.

O que estes dados nos indicam? Que, na sustentabilidade do sistema, influem mais que a idade de aposentadoria fatores como o crescimento do PIB, a produtividade, a taxa de atividade, o ciclo econômico, o nível dos salários, a taxa de natalidade. Por que a França ou a Suécia têm uma taxa de natalidade superior à espanhola? Não será porque protegem melhor as famílias. O atual governo espanhol fez muito neste sentido, mas não é suficiente.

Também temos de nos perguntar por que o debate está focado em aplicar de 65 para 67 anos a idade de aposentadoria, quando a média efetiva é de 63 anos. Por que não são tomadas medidas para que esta média aumente? Medidas eficazes que impeçam as aposentadorias antecipadas parciais (cerca de 40 mil ao ano) e que aliviem as planilhas de gasto com as pensões. Calculou-se o efeito do aumento da idade para aposentadoria sobre o emprego dos jovens? Todos os anos, cerca de 270 mil pessoas se aposentam. E em princípio, é preciso preencher estas vagas. O que aconteceria se atrasassemos a saída destas pessoas do mercado de trabalho? Também é lícito nos perguntarmos por que é feito um alarme tão grande quando gastamos ao redor de 10% com aposentadorias, quando a França gasta 13%.

Fala-se, também, em aumentar de 15 para 20 ou mais anos, o período de contribuição para o cálculo da pensão. Isto significa aumentar ou diminuir a futura aposentadoria? Depende da vida profissional de cada um. Numa vida profissional normal, em que a pessoa vai envelhecendo e ganhando status profissional e salário, é evidente que ampliar o tempo de aposentadoria reduz a pensão. Mas pode acontecer que seja ao contrário, que os melhores anos profissionais sejam os mais distantes da aposentadoria e, nesse caso, um aumento do tempo pode beneficiar quem se aposenta.

Intuo que, no cômputo global, esta medida rebaixaria as pensões, mas reconheço que esta abordagem é pouco científica. Na minha opinião, não é prudente, neste momento, em que há mais de 4 milhões de desempregados, passar a idade da aposentadoria de 65 para 67 anos.

Há outras medidas que podem ser tomadas enquanto a economia se recupera: criar uma certa flexibilidade, permitindo aposentadoria voluntária acima dos 65 anos; cortar ao máximo as aposentadorias antecipadas parciais ou totais; modular o crescimento médio da pensão, e deixar a proposta dos 66/67 anos para mais adiante. É preciso ter muito cuidado com o tema das aposentadorias.

Compreendo que haja um grande interesse em diminuir as aposentadorias públicas e fomentar as privadas. Estou convencido de que essa não é a posição do governo, ainda que eu nunca tenha entendido por que se reduziram as aposentadorias — com exceção das mínimas — em 2011, quando isso não afetava nem o déficit nem a dívida e, além do mais, previa menos recursos no meio da crise.

* Nicolás Sartorius é vice-presidente executivo da Fundação Alternativas e diretor do Observatório de Política Exterior Espanhola


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