Opinião
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1 de setembro de 2010
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06:00

Iraque: uma guerra de mentiras que deixa marcas de verdade

Por
Sul 21
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Por Maíra Kubik Mano *

Linhas rasantes cortando o céu. Imagens noturnas, um pouco esverdeadas. Explosões. Em 20 de março de 2003, o mundo assistiu a um  amargo repeteco do que havia visto pela primeira vez na televisão em 1990. E novamente, o que parecia ser ficção provou-se uma realidade cruel.

Hoje, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anuncia que cumpriu uma de suas grandes promessas de campanha, com algum atraso: a guerra no Iraque teria acabado. “Teria” porque 50 mil soldados estrangeiros continuarão no país sob a justificativa de treinar a força policial iraquiana. “Teria” porque a resistência ainda não foi vencida, e não se sabe se um dia será. “Teria” porque só é possível usar o verbo em sua forma condicional, já que empregá-lo no presente depende uma infinidade de fatores.

O primeiro deles é a reconstrução da terra arrasada que tornaram-se Bagdá e as demais cidades iraquianas. Vale lembrar, por exemplo, que os Estados Unidos conseguiram a façanha de destruir um museu que guardava relíquias da Mesopotâmia, vulgo o começo da história da humanidade. Tudo bem, talvez não devêssemos nos preocupar com isso, afinal os americanos sempre têm uma carta na manga. Nesse caso, empresas – as tais empreiteiras que aqui no Brasil financiam muitas eleições –, inclusive a do vice da gestão de George W. Bush, presidente responsável pelo início do conflito. Mas será que eles vão trazer de volta objetos de milhares de anos? Seriam os americanos tão onipotentes?

Segundo, o equilíbrio e a estabilização entre os diferentes grupos religiosos e étnicos. A maioria, dizem as más línguas, está feliz por ter sido liberta das mãos duras de Saddam Hussein, que pertencia a uma minoria sunita. Não sei bem de onde se tirou essa impressão, já que mais de 100 mil iraquianos foram mortos no processo. Claro, o regime de Saddam era ditatorial e violento. Mas isso também não o foi? Em uma situação em que tudo parece horrível dá para trabalhar na lógica do menos pior?

Além disso, duvido muito que eles tenham uma saída para os curdos, que reivindicam um Estado autônomo que passa também pela Turquia, Irã, Armênia, Síria e Azerbaijão. Nem o mais habilidoso diplomata conseguiria encontrar um caminho fácil para a questão.

E em termos de costumes, o que dizer? Qual será o grande legado dos Estados Unidos? Conseguiram deixar o Iraque mais Ocidental e menos ortodoxo? Para responder a essas perguntas, eu faria apenas duas considerações: a primeira é que Bush filho é tão ou mais religioso que alguns dirigentes do alto escalão na época de Saddam; talvez até mesmo que alguns membros da Al-Qaeda, afinal, se eles bombardearam o World Trade Center em 2001, Júnior devastou dois países o quanto pôde; a segunda é que reações extremas ocorrem de ambos os lados: tanto um quanto o outro consideram a pena de morte como punição válida. Saddam que o diga. Ou seja, por mais que os Estados Unidos queiram dizer que foram tornar cultos os “selvagens”, estão mais próximos desses “bárbaros” do que jamais admitiriam.

Mas talvez o principal fator para condicionar o término de fato da guerra no Iraque seja Obama, também Hussein, reconhecer publicamente que não, eles não enfrentaram o “Terror” lá – oras, alguém além do Michael Moore precisa dizer que isso se trata de uma abstração marketeira. E que não, não havia armas de destruição em massa lá – quiçá os plano de Saddam fossem mais modestos. E que não, mesmo após o desastre do vazamento da BP no Golfo do México, sua sanha ainda é movida a petróleo e continuará ditando as regras.

Um balanço que diga a verdade, pura e simplesmente, poderia ser um recomeço para algo que desde o início foi baseado em mentiras e preconceitos. O que está feito está feito, mas no mínimo devemos ter um olhar crítico sobre esses acontecimentos.

* jornalista. Texto publicado originalmente no blog Viva Mulher.


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