Opinião
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26 de junho de 2010
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12:24

Festa à Brasileira

Por
Sul 21
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O sentido de festejar no país que “não é sério”

Rita Amaral, antropóloga, Universidade de São Paulo

No nordeste brasileiro, a perspectiva das festas juninas transforma as cidades e o espírito das pessoas, que parecem sentir uma irresistível atração e afinidade pela festa. Muitos nordestinos que se encontram fora de seus estados costumam economizar dinheiro, comprar presentes e voltar com eles para sua cidade natal na época das festas juninas, a fim de comemorar os santos. No sudeste é comum que nordestinos abandonem seus empregos, faltem por toda uma quinzena, peçam licença ou ofereçam-se para trocar o período do Natal por alguns dias de folga em junho, ou ainda negociem suas férias para gozá-las no meio do ano e poderem estar presentes às festas juninas, em sua terra. O mês de junho é um mês do refluxo migratório e as companhias de transporte rodoviário e aéreo atestam este fato. Os que não voltam para suas cidades a fim de participar da festa podem encontrar alternativas nas festas juninas realizadas nos grandes centros urbanos sob iniciativa das Secretarias de Cultura.

O “São João” (modo pelo qual se referem os nordestinos ao ciclo de festas do mês de junho), principalmente, adquire tal importância na vida social nordestina que não apenas é fonte de preocupação durante todo o ano (quando se poupa dinheiro a ser investido na participação na festa ou se organizam eventos a serem apresentados nela), como ainda move interesses políticos e econômicos que poucas vezes se imagina. De acordo com as informações dos jornais, televisões e rádios, de todo o Brasil, a festa de São João esvazia o Plenário do Congresso, em Brasília. Para se ter uma idéia da importância do São João nordestino, basta saber que em 1993 promessas de cargos e de não cortar algumas emendas de deputados durante a reprogramação orçamentária não foram suficientes para ajudar a aprovar o IPMF e o governo só conseguiu a participação geral no plenário no dia 22 de junho de 1993 porque prometeu a cada um dos deputados nordestinos que eles teriam reservas nos aviões para retornarem a seus Estados antes das festas de São João, que começariam no dia 23 de junho à noite.

Para os deputados, a festa é mais importante. Ela é que é do interesse popular em junho e o distanciamento entre a política oficial (a do Estado) e a política “paralela” (local e da festa) se revela em seu comportamento, uma vez que ele percebe que o povo não o reelegerá se ele não participar da festa. Seu discurso sugere que seus eleitores não se importam tanto se sua ausência no plenário ajuda a aprovação de mais um imposto. Seu lugar, em junho, é na festa de São João, mais que no Plenário do Congresso. A política da festa local adquire assim, maior relevância que a nacional.

Com o desenvolvimento dos meios de comunicação e a descoberta das festas como produto turístico a partir dos carnavais carioca, baiano e pernambucano, as grandes festas populares brasileiras ganharam espaço na mídia e, a partir disso, recursos do Estado para sua implementação como evento oficial. O crescimento das festas juninas de Caruaru e Campina Grande é significativo das transformações pelas quais a festa tradicional vem passando e do modo como vem se inserindo na modernidade. Ela tem absorvido elementos novos sem abandonar suas principais características e mediando as relações entre tradição e modernidade, urbano e rural, entre muitas outras, de todas as festas.

O “Maior São João do Mundo”

Talvez o melhor exemplo do crescimento e importância que o São João vem adquirindo na região nordeste possa ser expresso pela festa de Caruaru, em Pernambuco, que compete pelo título de “Capital do Forró” com Campina Grande, na Paraíba. Caruaru retém, atualmente, o mais conhecido São João do Brasil, embora, se diga que em grandeza está ao lado do de Campina Grande.

Toda a infra-estrutura da festa em Caruaru denota que ela se prepara para ser uma nova fonte de renda da cidade, talvez a principal, logo depois das famosas feiras que durante a festa se incorporam a ela. Localizada às margens da BR 232 e distante 132 quilômetros da capital pernambucana, Caruaru é internacionalmente conhecida pela sua feira de artesanato, produtos típicos e, atualmente, pela sua festa de São João. Com pouco mais de 250 mil habitantes, um clima ameno, inesperado para a região, e uma população tida como bastante acolhedora, é a cidade líder na região e um dos mais importantes centros de atividade econômica e cultural do interior nordestino. Lá se encontra o que a UNESCO reconhece como “o maior centro de artes figurativas das Américas – O Alto do Moura – uma comunidade com mais de mil artesãos que representam no barro o dia-a-dia do homem nordestino, divulgando até mesmo no exterior a arte iniciada há quase um século por Mestre Vitalino e vendida na feira de Caruaru e no próprio Alto do Moura.

Durante todo o mês de junho, noite ou dia, os acordes das sanfonas, dos triângulos e das zabumbas, arrastam milhares de pessoas de todo o país ao longo das ruas, nas palhoças e palhoções e por todo o pátio de eventos. São mais de duzentas ruas ornamentadas com bandeirinhas e balões para o forró e o passeio das quadrilhas.

Reunindo pequenas feiras, algumas delas de destaque nacional como a Feira do Gado, a rica Feira de Artesanato, a curiosa e famosa feira do Troca-Troca ou ainda a preciosa Feira de Antigüidades, Caruaru tem a fama de “maior reunião brasileira de folclore”. E há alguns anos, durante o mês de junho, Caruaru se torna um gigantesco arraial.

Atores encenam, de forma bem humorada, o cotidiano de personagens típicos da região como o padre, as beatas, a parteira, o soldado de polícia, o poeta, o prefeito e a primeira-dama, entre outros. O Coronel Ludugero e sua amada Filomena são personagens de destaque na Vila. Estes personagens passeiam pela Vila do Forró e pelo Pátio de Eventos como se fossem reais. Os turistas que vão à Vila do Forró participam, portanto, de uma especial encenação teatral interativa que é mais uma das diferenciadas atrações do São João da “Capital do Forró”.


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