Noticias|Últimas Notícias>Política
|
29 de dezembro de 2012
|
08:00

Em 2012, comissões da verdade começaram a dar voz à história

Por
Sul 21
[email protected]
Integrantes da Comissão Nacional da Verdade percorrem país em busca de informações sobre desaparecidos políticos | Foto: Guto Borges/Projeto República – UFMG

 

Samir Oliveira

Em março deste ano, a presidente Dilma Rousseff (PT) instalou oficialmente a Comissão Nacional da Verdade (CNV). A cerimônia contou com a presença dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Fernando Henrique Cardoso (PSDB), José Sarney (PMDB) e Fernando Collor de Mello (PTB).

A sobriedade do ato e a presença de ex-presidentes e adversários políticos no Palácio do Planalto reforçaram o caráter moderado que a comissão teria. Durante todo o processo de tramitação no Congresso Nacional, o governo fez diversas negociações com as bancadas conservadoras, que tinham restrições à CNV.

Instalada no dia 29 de novembro a Comissão da Verdade dos Jornalistas Gaúchos | Foto: Divulgação

Na antevéspera da votação, a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário (PT), dedicou atenção integral ao tema. O resultado foi a criação de uma comissão com apenas dois anos de duração, sete integrantes e 14 assessores, para investigar violações de direitos humanos ocorridas em um período de 42 anos: de 1946 a 1988. A palavra “ditadura” sequer é mencionada na lei que cria a comissão.

Dilma fez um discurso sóbrio, porém contundente. A presidente – que nunca transformou o seu passado de guerrilheira em uma bandeira política – chegou a se emocionar durante a fala. “O Brasil merece a verdade, as novas gerações merecem a verdade e, sobretudo, merecem a verdade factual aqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia. É como se disséssemos que, se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca mesmo, pode existir uma história sem voz. E quem dá voz à história são os homens e as mulheres livres que não têm medo de escrevê-la”, disse.

Comissão já ouviu 140 pessoas

Com críticas à esquerda e à direita, a Comissão Nacional da Verdade é qualificada por muitos como “a comissão possível”. Independentemente de sua abrangência ou das limitações técnicas e políticas, o colegiado vem realizando um intenso trabalho desde sua instalação.

Até o momento, já foram ouvidas 140 pessoas, dentre vítimas da ditadura militar, familiares de mortos e desaparecidos e sujeitos ligados à repressão. Cerca de 100 pessoas foram ouvidas durante as 11 audiências públicas realizadas, e as outras 40 foram ouvidas isoladamente, em testemunhos colhidos pelos integrantes da comissão.

Documento comprova que ex-deputado Rubens Paiva foi levado para DOI-CODI, no Rio de Janeiro foi entregue à comissão da verdade gaúcha | Foto: Pedro Revillion / Palácio Piratini

As audiências públicas foram realizadas em cinco meses, de julho a dezembro, nos estados de Goiás, Rio de Janeiro, Pará, Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e no Distrito Federal. Instalada no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, a comissão possui 42 colaboradores, entre os 14 assessores oficiais e o apoio administrativo recebido por outros órgãos, que cedem servidores e estagiários à CNV. A intenção do órgão é abrir escritórios regionais em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Ao todo, foram criados 11 grupos de trabalho (os chamados GTs). É nesses grupos que ocorre o trabalho mais pesado da comissão, já que se dedicam a investigar de forma mais intensa um tema específico. Os GTs se dividem em: Antecedentes do Golpe; Estruturas da Repressão; Graves Violações de Direitos Humanos; Violações de Direitos Humanos no Exterior e de Estrangeiros no Brasil; Operação Condor; Indígenas e Camponeses; Audiências Públicas e Parcerias; A Ditadura e o Sistema de Justiça; Igrejas; Militares Vítimas; Guerrilha do Araguaia.

Comissão nacional impulsiona criação de grupos estaduais

Apesar de todas as críticas em função de suas deficiências, a Comissão Nacional da Verdade teve um efeito colateral praticamente imediato: a criação de diversas comissões e comitês em estados e entidades.

Atualmente, quatro comissões regionais já estão em pleno funcionamento – em São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. Na Bahia e no Rio de Janeiro, os governadores ainda precisam nomear os integrantes para que as comissões sejam oficialmente instaladas.

No Maranhão, tramita um projeto na Assembleia Legislativa para a criação de uma comissão estadual da verdade. E em Alagoas, a situação está bastante confusa. O governador Teotônio Vilela Filho (PSDB) instituiu uma comissão no dia 24 de agosto, mas, até o momento, ela ainda não foi instalada. Enquanto isso, tramita no Legislativo uma proposta para criar uma comissão da verdade no âmbito do Parlamento.

Também foi criada uma comissão da verdade na UNB e a comunidade acadêmica da USP já se articula para fazer o mesmo. A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) também pretende criar uma comissão interna.

Maria Rita Khel, integrante da CNV, ouviu camponeses e indígenas do norte do país  | Foto: Guto Borges/Projeto República – UFMG

De um modo geral, as comissões estaduais seguem exatamente o mesmo modelo da nacional. Possuem sete integrantes e uma previsão de funcionarem por dois anos. A intenção é que esses órgãos atuem como parceiros da CNV e esmiúcem casos de violação de direitos humanos ocorridos em seus estados.

O que se modifica de um estado para outro é o âmbito institucional e administrativo ao qual a comissão está vinculada. No Rio Grande do Sul, em Pernambuco e na Bahia, os próprios governadores bancaram a instalação das comissões, que operam com o apoio do Poder Executivo.

Em São Paulo e no Espírito Santo, as comissões funcionam no Legislativo e seus integrantes são deputados estaduais. O mesmo modelo está sendo construído no Maranhão.

A comissão de São Paulo tem sido uma das mais atuantes em nível estadual. Criada em fevereiro, antes mesmo de a nacional ser instalada, ela é composta por um deputado do PT, um do PSDB, um do DEM, um do PSB e um do PV.

Batizado de Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, o órgão trabalha em cima de uma lista de 140 mortos e desaparecidos que possuem alguma ligação com o estado de São Paulo. Outra frente de ação do grupo é o tombamento das antigas dependências do Doi-Codi, onde funcionava a Operação Bandeirantes – símbolo máximo da repressão no auge dos anos de chumbo (1968-1974).

Em Pernambuco, a comissão sofre fortes críticas por parte de familiares de desaparecidos políticos, que afirmam que o grupo tem sido lento na resolução dos casos. Composto por nove integrantes, o coletivo foi instalado em junho deste ano e se debruça especialmente sobre sete casos de desaparecidos políticos.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora