Igor Natusch e Daniele Brito
Eles estão nas ruas, agitando bandeiras, distribuindo panfletos e colocando cavaletes nos canteiros das principais vias da cidade. A presença dos cabos eleitorais se tornou corriqueira em época de campanha, tentando sensibilizar os menos politizados a votar em determinados políticos ou coligações. Mais do que o panorama político, a presença dos cabos eleitorais movimenta também a economia dos grandes centros urbanos. Antes trabalho de alguns apaixonados, a militância política tornou-se uma respeitável fonte de emprego temporário para muitos, com direito a benefícios, mas sem isonomia. Os cabos eleitorais fazem o mesmo tipo de trabalho, mas são remunerados de forma diferente.
Pouca clareza
Os gastos com militância podem ser encaixados pelos partidos em duas categorias do tópico 2 (“despesas”), da prestação de contas apresentada à Justiça Eleitoral. O subtópico 2.1 trata de “despesas de pessoal”, enquanto o 2.17 refere-se a “serviços prestados por terceiros”. A escolha fica a critério dos contadores de cada candidatura, que podem apresentar justificativas diferenciadas para cada caso. Isso dificulta um dimensionamento mais claro de quanto cada partido investe em sua militância, já que não há um padrão que permita uma análise comparativa de gastos.
Levando em conta a segunda parcial da prestação de contas dos candidatos ao Piratini, divulgada no começo do mês, Tarso Genro (PT) é o que apresentou a maior arrecadação (R$ 3.580.300,00) e as maiores despesas (R$ 3.032.597,57). Dos valores gastos durante a campanha, R$ 266 mil se aplicam a despesas de pessoal, enquanto quase R$ 171 mil foram gastos com terceirizados. José Fogaça (PMDB) é o que menos arrecadou entre os principais concorrentes ao Piratini, tendo recolhido R$ 1.974.719,50 até o começo de setembro. Desse montante, mais de R$ 172 mil foram para prestadores de serviço, enquanto R$ 87.555,50 teriam financiado gastos de pessoal. Yeda Crusius (PSDB), por sua vez, investiu em serviços terceirizados mais de R$ 865 mil dos R$ 3.417.728,34 arrecadados durante a campanha – a candidata não fez, até o momento, nenhuma declaração de gastos com pessoal.
Entre os 34 itens disponíveis para especificar os gastos de campanha, alguns atalhos podem ser seguidos para quem queira explicitar (ou ocultar) certas despesas. Há, por exemplo, o item 2.28, referente a “Diversas para especificar”. Caso deseje, o contador pode incluir nesse espaço os gastos feitos com campanha de rua – devendo, segundo o TRE, anexar uma nota explicativa sobre os valores ali declarados. No entanto, o sistema de prestação de contas ainda não foi homologado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que dificulta o trabalho dos auditores no caso de dúvidas ou imprecisões.
Ao menos nesse item, os gaúchos parecem não ter com o que se preocupar. Yeda Crusius coloca pouco menos de R$ 4 mil na conta de diversos, enquanto Tarso Genro (PT) cita pouco mais de R$ 3 mil – valores bastante pequenos dentro do montante arrecadado durante a campanha. José Fogaça (PMDB) nem sequer faz uso do item, não colocando nenhum valor dentro dessa categoria. O maior gasto em diversos é de Pedro Ruas (PSOL), com R$ 8.371,03 – ainda assim, um valor modesto que não chega a chamar atenção.
Indicação de amigos
Muitas pessoas são recrutadas para a militância por amigos ou conhecidos, enquanto outros são indicados diretamente pelos políticos. Em conversa com a reportagem do Sul21, alguns partidários do PDT admitiram terem sido indicados por políticos do partido para participar da campanha. Empunhavam, no Centro de Porto Alegre, bandeiras de Pompeo de Mattos, candidato a vice na chapa de José Fogaça (PMDB), e de um candidato a deputado federal. “Já trabalhamos em outras eleições, mas sempre para o PDT”, garantiu um dos cabos eleitorais. Os militantes disseram cumprir jornada de oito horas diárias, ganhando R$ 300 por semana – valor que já inclui os custos de deslocamento e almoço.
Outros dois militantes, ligados ao PCdoB, também contaram terem sido chamados para a campanha por pessoas dentro do partido. “Recebi um panfleto de uma candidata e passei no comitê”, conta M.D., que distribuía material das candidatas Jussara Cony e Manuela D’Ávila, ambas do PCdoB. Ao seu lado, C.P. revelava ter sido recrutado dentro da Câmara Municipal de Porto Alegre. Os dois militantes trabalham em horários variados, geralmente atendendo convocação do comitê, e ganham um valor equivalente a R$ 35 diários, pago semanalmente, de acordo com o número de dias trabalhados na semana.
“O contato com a militância é feito principalmente pelos diretórios de bairro”, diz Reinaldo Fernandes da Conceição Jr, secretário do PDT em Porto Alegre. Segundo ele, o partido tem cerca de 25 mil pessoas cadastradas só na capital, e esses militantes se encarregam de atrair outras pessoas para trabalhar pelo PDT. “É uma progressão aritmética”, compara.
Pequenos gastos
Segundo Reinaldo, o PDT financia apenas pequenos gastos de grupos específicos dentro da militância. “Algumas pessoas, especialmente os carentes ou de mais idade, recebem um pequeno auxílio para gasolina ou alimentação”, diz o secretário. Reinaldo garante que no máximo 20% das pessoas que fazem campanha pelo PDT recebem esse custeio. A maioria da militância trabalhista já tem vínculos com vereadores ou deputados, sendo desnecessário o pagamento de recursos adicionais. “Muitos têm algum tipo de atividade parlamentar, então já recebem uma ajuda natural”, explica.
Já o presidente do PCdoB em Porto Alegre, Maurício Nunes, diz que o partido dá preferência para quem já esteja filiado ao partido. “São pessoas que conhecem nossas ideias, que têm preparo político para defender as candidaturas do partido”, argumenta. Maurício explica que o PCdoB divide seu esforço eleitoral em dois níveis. Um deles mais focado nos bairros e outro, específico para as iniciativas mais abrangentes da campanha. As ajudas de custo são distribuídas de acordo com essa estrutura.
Maurício admite que os militantes são contratados, mas garante que as exigências do TRE são seguidas à risca. “Prestamos contas de todos os gastos, de acordo com a lei eleitoral”, assegura. “Passamos cheques registrados, assinamos os contratos, emitimos o RPA (Recibo de Pagamento a Autônomo), tudo dentro das nossas obrigações. Não é problema para nós, achamos mesmo que tem que ser assim. Alguns dos nossos militantes deixam suas outras atividades de lado em nome da nossa campanha, então acabam entrando como contratados na prestação de contas, até para podermos garantir o pagamento deles”, revela Nunes.
Reforço na renda
R.B. participa das campanhas do PT há 12 anos. Está integrado a um grupo de 35 pessoas, a maior parte delas ligadas ao PT e PCdoB, que militam por seus respectivos partidos desde as eleições de 2002. Ele garantiu não receber nenhum pagamento especial pelo trabalho, apenas um valor diário para as despesas de deslocamento e alimentação.
“Adotamos uma posição consciente no sentido de não ter militância paga nessas eleições”, garante Carlos Pestana, secretário-geral do PT gaúcho. Além de considerar inadequado contratar pessoas para esse trabalho, Pestana acredita que esse tipo de abordagem já não tem mais o mesmo impacto de eleições anteriores. “Bandeiras e cavaletes poluem visualmente a cidade e não atingem de fato o eleitor. Já está comprovado que as pessoas não registram mais essas informações. Respeitamos os partidos que usam esses recursos, mas nós (PT) optamos por não investir nesse tipo de abordagem”, assegura Pestana.
O jovem T.L., que empunhava um bandeira petista na última terça-feira (14), no Largo Glênio Peres, em Porto Alegre, contou ao Sul21 uma história um pouco diferente. Para ele, as oito horas diárias dedicadas à campanha de Maria do Rosário (PT) são uma boa maneira de reforçar sua renda mensal. O militante veio do litoral há dois meses para prestar serviço militar na capital, e os R$ 250 quinzenais que recebe ajudam a equilibrar as finanças enquanto espera ser chamado para o quartel.
“Alguns gastos específicos ficam a cargo dos comitês dos candidatos”, argumenta Carlos Pestana (PT). Segundo ele, o partido contrata 50 funcionários em regime de RPA, encarregados de tarefas de infraestrutura – “recepção, segurança, colagem de cartazes e coisas assim”, exemplifica. Demais gastos, se houverem, são de responsabilidade dos candidatos, diz Pestana.
Clima tenso
Alguns militantes parecem ter receio em falar de suas atividades. No começo da tarde de terça-feira (14), alguns militantes do PMDB empunhavam bandeiras de José Fogaça e Germano Rigotto em um trecho da Érico Verissimo, próximo ao Estádio Olímpico. Demonstrando desconforto e até certa irritação, eles não quiseram entrar em detalhes sobre a atividade que estavam exercendo. “Não somos pagos, estamos aqui pelo partido (PMDB)”, um deles limitou-se a declarar, enquanto outros insistiam que aquele não era “um bom momento” para falar sobre o assunto.
Um jovem militante do PSDB, que balançava uma bandeira de Yeda Crusius em outro ponto da mesma avenida, mostrou-se mais disposto a conversar. “Já estou na campanha há mais de um mês”, contou. O militante não deu informações claras sobre quanto recebia, mas disse que o partido tem modelos diferentes de remuneração, pagando por semana, quinzena ou mês, dependendo do tipo de acordo. Indicado para o trabalho por pessoas dentro do PSDB, o jovem disse que a maior parte dos cabos eleitorais é convocada de modo semelhante para o trabalho de rua. “Geralmente é o candidato mesmo quem te coloca no serviço”, disse.
Mantendo coerência com a declaração de gastos feita ao TRE, o secretário-geral do PSDB gaúcho, Carlos Calegaro, admite sem reservas a contratação de pessoas para o trabalho de militância. “Temos uma militância espontânea, algumas centenas de pessoas que pegam a bandeira e vão para a rua. Mas boa parte do pessoal é indicado por pessoas vinculadas ao partido, especialmente nossas lideranças dentro de comunidades e vilas”. E garante: “Todos os partidos fazem isso, é uma prática corrente em época eleitoral”.
Essas pessoas ficam encarregadas do trabalho de convencimento nas ruas, fazendo bandeiraços, distribuindo panfletos e, eventualmente, fazendo até visitas de casa em casa. Calegaro revela também que são feitos diferentes contratos, dependendo da atribuição de cada grupo de militantes. “Pagamos um valor diário, fornecemos lanche em alguns casos; pagamos meia diária para quem não faz o turno completo. Existem vários contratos diferentes, dependendo da circunstância”. O secretário exemplifica: “Eu saio para atividades de campanha, mas não posso passar o dia todo envolvido nelas, nem visitar todos os locais que gostaria. Assim é, também, para todos que estão participando diretamente da eleição. Essas pessoas que contratamos ampliam nosso alcance, e embelezam muito nossa campanha”.