Coronavírus
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25 de agosto de 2022
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15:37

MPF ajuíza ações contra responsáveis por estudo irregular com proxalutamida em hospitais no RS

Por
Sul 21
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Hospital da Brigada Militar em Porto Alegre realizou testes irregulares com a substância | Foto: Osmar Nólibus/BM/Divulgação
Hospital da Brigada Militar em Porto Alegre realizou testes irregulares com a substância | Foto: Osmar Nólibus/BM/Divulgação

O Ministério Público Federal (MPF) informou nesta quarta-feira (24) que ajuizou ações civis públicas pedindo reparação por dano potencial à saúde e dano moral coletivo aos responsáveis pelo estudo experimental feito pelo Hospital da Brigada Militar de Porto Alegre e pelo Hospital Arcanjo São Miguel, de Gramado, que utilizaram o medicamento experimental proxalutamida para o tratamento da covid-19 em março de 2021.

As duas ações são contra a União, representando a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde, e contra os pesquisadores Flávio Adsuara Cadegiani e Ricardo Ariel Zimerman. A primeira ação ainda tem como réus o Estado do Rio Grande do Sul e o ex-diretor do Departamento de Saúde da Brigada Militar, Igor Wolwacz Júnior. A segunda aponta também como corresponsáveis o município de Gramado, Márcio Rafael Slaviero e Márcio Pinto Muller, respectivamente superintendente e diretor técnico do Hospital Arcanjo São Miguel.

As ações tiveram origem em inquérito civil instaurado na Procuradoria da República no Rio Grande do Sul e na Procuradoria da República no Município de Caxias do Sul, a partir de representação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

A denúncia trazia indícios de transgressões das normas vigentes sobre ética em pesquisa envolvendo seres humanos na condução do estudo “Proxalutamida para pacientes hospitalizados por COVID-19. The Proxa-Rescue AndroCoV trial”, conduzido pelo médico Flávio Cadegiani. O objetivo do estudo seria avaliar a eficácia e segurança da proxalutamida – medicamento experimental utilizado em pacientes com alguns tipos de câncer, como o de próstata – no combate à covid-19.

O MPF apurou que o protocolo da pesquisa foi aprovado pela Conep em janeiro de 2021, autorizando a sua realização em uma única clínica, localizada em Brasília, embora a pesquisa fosse para uso hospitalar. Contudo, no dia 26 de fevereiro de 2021, Cadegiani assinou termo de cooperação técnico-científica, com Márcio Rafael Slaviero e Márcio Pinto Muller, para incluir o Hospital Arcanjo São Miguel como participante da pesquisa. O termo também foi assinado pelo prefeito de Gramado. Durante aquele mês, mesmo sem autorização dos órgãos competentes, 63 pacientes do hospital completaram o tratamento com o uso de proxalutamida.

Em 3 de março do mesmo ano, Cadegiani assinou um termo de cooperação técnico-científica com o então diretor do Departamento de Saúde da Brigada Militar, Igor Wolwacz Júnior, dessa vez para incluir o hospital da instituição, em Porto Alegre, na execução do estudo. Também sem autorização dos órgãos competentes, 62 pacientes do hospital completaram o tratamento com o uso de proxalutamida, sob responsabilidade do médico Ricardo Ariel Zimerman.

O MPF aponta que, além desses dois hospitais, instituições de saúde de outras regiões do País, como Manaus (AM) e Chapecó (SC), participaram do estudo, apesar de não autorizadas. No total, a pesquisa contou com 778 participantes, embora o projeto inicial aprovado pela Conep previsse apenas 294 pacientes. A solicitação de modificação do protocolo com o pedido de inclusão de centros de pesquisa e o aumento do número de participantes só ocorreu quando o estudo já estava concluído, e não foram aprovadas. Em setembro de 2021, a Conep decidiu pela suspensão definitiva da pesquisa.

O estudo também foi objeto de investigação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que, após as denúncias, decidiu pela suspensão da importação e do uso de produtos contendo a substância proxalutamida para fins de pesquisa científica, a partir de 1º de setembro de 2021.

O MPF ainda apontou outras irregularidades, como a utilização pelos pesquisadores de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) diferente do aprovado pelo órgão regulador, com a subtração de trechos que garantiam os direitos dos participantes da pesquisa, como indenização e assistência em caso de danos, ressarcimento de gastos e fornecimento de métodos contraceptivos. A proxalutamida é um medicamento antiandrogênico que pode causar malformação no feto, sendo contraindicado o uso durante a gravidez.

Os procuradores pontuam que os responsáveis pelo estudo classificaram os óbitos ocorridos durante a pesquisa como não relacionados à droga de intervenção, mas que esse entendimento não seria sustentado por análise crítica ou informações sobre os critérios adotados para que se chegasse a essa conclusão. Segundo o MPF, tal fato “torna inverossímil descartar a possibilidade de morte provocada por toxicidade medicamentosa ou por procedimentos da pesquisa”.

As ações dizem que número de óbitos somente foi informado à Conep após solicitação do órgão, contrariando dispositivo do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que diz ser obrigação do pesquisador responsável comunicar as mortes imediatamente, seguido de avaliação sobre a necessidade de adequar ou suspender o estudo. No entanto, apesar das mortes, a pesquisa prosseguiu.

Entre as demais irregularidades apontadas durante a execução do estudo estão: falta de controle sobre a dispensação e rastreabilidade do medicamento estudado e do placebo; não apresentação de documentos sobre o curso e a condução do ensaio clínico; não acompanhamento da pesquisa realizada no Hospital da Brigada Militar, em Porto Alegre ou no Hospital Arcanjo São Miguel, em Gramado, por um Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP); uso da proxalutamida por pacientes após a alta hospitalar, em violação ao termos aprovados pela Conep.

Apesar de a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa ter suspendido o estudo e representado ao Ministério Público Federal, os procuradores que assinam as ações civis públicas incluíram a União entre os réus por considerarem que o órgão falhou tanto na apreciação ética do protocolo de pesquisa, o que resultou na autorização inicial do estudo, quanto em seu acompanhamento.

Na avaliação da procuradora Suzete Bragagnolo, uma pesquisa destinada a uso de medicamento em ambiente hospitalar não poderia ser aprovada, de modo unicêntrico, para uma clínica onde sabidamente não se realizam internações.

Se condenados, os réus poderão ter de pagar multa em valor não inferior a R$ 10 milhões em cada uma das ações.

*Com informações do MPF.


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