Saúde
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15 de julho de 2023
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09:13

Alta internação de crianças expõe desafio de ampliar vacinação contra a gripe no RS

Por
Luciano Velleda
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A campanha contra influenza começou oficialmente nesta segunda-feira. Foto: Robson da Silveira/SMS/PMPA
A campanha contra influenza começou oficialmente nesta segunda-feira. Foto: Robson da Silveira/SMS/PMPA

No dia 21 de junho, quando o solstício de inverno no Hemisfério Sul marcou o início dos meses mais frios do ano, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) alertou que o período exigiria maiores cuidados com doenças respiratórias. No caso da gripe, naquele momento já se sabia que a cepa predominante em circulação era a A (H1N1), a mesma que originou a pandemia de gripe em 2009. A cepa H1N1 historicamente causa mais prejuízos à saúde em comparação aos outros subtipos de influenza. Em que pese a vacinação estar disponível, gratuitamente, desde meados de abril, a baixa adesão da população à imunização contra a gripe já causava o temor de altos números de infecções e agravamentos da doença.

Não deu outra. Desde então, o que se viu no Rio Grande do Sul foram emergências hospitalares lotadas e um grande aumento nas internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Cerca de 15 dias depois do começo do inverno, o governo estadual declarou estado de emergência em saúde pública, em todo o território do RS, devido à elevada hospitalização de crianças por doenças respiratórias.

As causas para o cenário enfrentado em 2023 são variadas. Uma delas, todavia, causa particular preocupação e espanto em médicos e gestores da saúde: a baixa cobertura vacinal contra a gripe dos grupos prioritários. A vacina trivalente contra o vírus influenza continua sendo a melhor alternativa para evitar formas graves da infecção. O imunizante estimula a produção de anticorpos para as três cepas principais: A (H1N1), A (H2N3) e B. Em Porto Alegre, dados do final de junho mostravam que apenas 32,5% das crianças tinham sido vacinadas – a meta é próxima de 90% (confira a situação dos grupos prioritários abaixo).

“Não conseguimos alcançar a meta em nenhum grupo”, lamenta Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e membro do Comitê de Infectologia da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SP-RS). “Tenho certeza que essa baixa cobertura vacinal está levando a mais casos de internações. A gente não consegue entender por que as pessoas não estão se vacinando.”

Até o último dia 10 de junho, data usada pelo governo estadual para o embasamento epidemiológico do decreto de emergência, o RS apresentava 2.806 casos de SRAG em crianças até 11 anos, sendo 642 registros de internações em UTI. No mesmo período, em 2022, foram 2.279 casos e 581 internações em UTI. Já em 2021, foram 1.905 casos e 435 internações. Os dados demostram um aumento do número de casos de SRAG, sendo o maior desde o começo da série histórica em 2017 para a faixa etária até 11 anos.

Apesar de dizer ser difícil compreender os motivos pelos quais os gaúchos, mesmo sabendo dos riscos e tendo a vacina gratuitamente à disposição, não se imunizam, o médico levanta algumas hipóteses. Uma delas é o que chama de “fadiga” da população após os anos de pandemia de covid-19. As pessoas estariam cansadas do assunto de doenças respiratórias e vacinas.

“Parece que há um relaxamento dos cuidados e o inverno, com ambientes mais fechados, facilita a transmissão”, analisa o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

Aliado ao cansaço com o tema, Cunha acrescenta outro elemento para tentar explicar a baixa adesão da população à vacina contra a gripe: as fake news. Durante toda a pandemia de covid-19 e o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, os grupos antivacinas, que sempre foram minoritários no Brasil, ganharam protagonismo – contando, inclusive, com amplo apoio do ex-presidente.

“As fake news abalaram a confiança em todas as vacinas. Estudos mostram que os grupos antivacinas têm mais divulgação do que os grupos pró-vacina”, comenta o membro do Comitê de Infectologia da Sociedade de Pediatria do RS.

Além dos baixos índices de vacinação dos grupos prioritários, o médico acrescenta outros elementos que devem ser considerados ao analisar o alto número de crianças internadas neste inverno. Cunha pondera que, principalmente durante 2020 e 2021, os dois primeiros anos da pandemia, o isolamento social fez com que muitas crianças, principalmente as menores, não tivessem contato com vírus de doenças respiratórias, incluindo os da gripe, a meningite e o vírus sincicial, causador de infecção aguda nas vias respiratórias que podem afetar os brônquios e os pulmões.

Ao não ter contato com esses vírus, as crianças acabaram se tornando mais suscetíveis agora, com o relaxamento das medidas não farmacológicas de proteção (uso de máscara, lavar as mãos) e circulação sem restrições.

“As crianças são as que mais têm internado por influenza, covid e vírus respiratórios. Talvez por terem ficado afastadas, agora estão se infectado mais”, explica Cunha.

Para tentar reverter o quadro, campanha de vacinação itinerante contra gripe e covid-19 começou dia 1º de junho. Foto: Cristine Rochol/PMPA

Secretária adjunta da Secretaria Estadual da Saúde (SES), Ana Costa diz ser preciso reforçar o discurso de que as vacinas são seguras e protegem contra formas graves da doença. A imunização, ela explica, causa proteção individual e coletiva, porque o vírus circula menos.

“Isso é inegável. Vírus circulando e pessoas desprotegidas, dá nisso. Se não vacinou, é como deixar uma porta aberta. Parece que temos uma situação muito relacionada”, afirma.

Assim como o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), ela também acrescenta no diagnóstico da crise o retorno ao convívio social após o período mais crítico da pandemia.

O cenário desfavorável, contudo, precisa ser revertido. Ana Costa diz não ser possível desistir de captar cada pessoa ainda não vacinada e, por isso, a campanha de imunização prossegue. “As pessoas acham que as doenças são menos graves do que são. A gente perdeu a ideia do risco e da proteção das vacinas.”

As fake news também são lembradas pela secretária adjunta. Ela pondera que, até pouco tempo atrás, o benefício das vacinas era algo incontestável, mas o entendimento mudou para uma parcela da população em função de orientações equivocadas e falsas. O resultado é que hoje, no Rio Grande do Sul, há mais crianças internadas em UTI do que nos piores momentos da pandemia. Em comparação com o ano passado, em 2023 há um aumento de 23% em internações pediátricas na UTI.

Embora não concorde com a pessoa que se recusa a receber a vacina, Ana Clara ressalta que o adulto tem poder de escolha, mas o mesmo não acontece com a criança, que precisa ser levada pelos pais para se imunizar. Por isso, ela considera injusto os pais não escolherem a melhor proteção para os filhos.

“Há um sentimento de direito da criança receber a vacina. Se inverte a lógica. O direito é vacinar, não vacinar deve ser exceção”, ressalta.

Como gestora pública de saúde, Ana Clara diz ter consciência do desafio enorme que haverá pela frente para reverter a tendência de baixa adesão da população às vacinas. Apesar do cenário desfavorável, diz ser preciso reagir. “É lamentável, uma pena, mas tenho convicção que isso vai mudar. A vacina deu certo, já mostrou isso no sarampo, na poliomielite, na covid e na influenza. Confio que vamos evoluir para uma responsabilidade coletiva”, afirma.

Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), se reconhece como menos otimista. Avalia que o terrorismo feito contra a vacina da covid-19 abalou todas as outras vacinas. O médico se espanta como as pessoas não se sensibilizam mais com a situação, mesmo vendo notícias de emergências lotadas. Para ele, reverter o cenário de baixa adesão às vacinas será um trabalho longo de toda a sociedade, incluindo governos, informações adequadas e campanhas publicitárias.

“Vai ser lento e vai ter muita pedra no caminho”, projeta o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações. “Vacina de graça, segura, eficaz, e as pessoas não fazem… e as emergências lotadas…”

Crianças – 25.330 (32,5%)
Gestantes – 2.731 (23,2%)
Idosos – 192.291 (63,23%)
Povos indígenas – 524 (28,8%)
Puérperas – 250 (12,9%)
Trabalhadores da saúde – 45.386 (44,6%)
Comorbidades – 19.927
Pessoas sem comorbidades – população em geral – 82.398


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