Saúde
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18 de junho de 2023
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15:43

Criada por acadêmicos da UFCSPA, terapia que usa IA contra Alzheimer disputa Leão de Cannes

Por
Luís Gomes
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Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

Na sexta-feira (16), a equipe da empresa Wide Labs, formada por egressos e acadêmicos da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), embarcou rumo à França, onde disputa nesta semana o Leão de Cannes, o maior festival de criatividade do mundo. A empresa é responsável pela plataforma de inteligência artificial (IA) bAIgrapher, que ajuda pacientes com a Doença de Alzheimer a fazer terapia de reminiscência a partir de relatos de conhecidos sobre a vida do paciente.

“O que a terapia de reminiscência faz é ajudar o paciente ‘lembrar’ de eventos passados e reviver esse passado de modo a aumentar o onset da evolução da doença, enquanto melhora a qualidade de e vida do paciente”, explica Marcelo Chapper, que se formou em Medicina na UCSPA.

Ao lado dos acadêmicos de Informática Biomédica Luiza Pinheiro e Fabricio Sotto, Chapper é o criador da bAIgrapher, que está entre os 18 trabalhos finalistas do Leão de Cannes na categoria Innovation Lions, que prestigia projetos de inovação, tecnologia e solução de problemas. O festival ocorre entre os dias 19 e 23 de junho, na cidade de Cannes, no sul da França.

Cerca de 56 milhões de pessoas vivem com a Doença de Alzheimer no mundo, das quais 1,2 milhões no Brasil. A doença é caracterizada pela perda progressiva da memória e das capacidades cognitivas, o que gradualmente vai afetando as atividades cotidianas de seus portadores.

Chapper explica que a bAIgrapher utiliza depoimentos fornecidos por pessoas indicadas pelo paciente, sob supervisão médica, em formato de texto, áudio e imagens. Os materiais são então interpretados, organizados e reescritos para construir uma autobiografia literariamente uniforme e cronologicamente ordenada.

“As imagens são inseridas no momento apropriado da linha do tempo da vida do paciente, enriquecendo ainda mais a narrativa”, detalha Chapper. “O bAIgrapher não é apenas uma plataforma tecnológica, mas uma ferramenta que visa enfrentar os desafios impostos pela Doença de Alzheimer. Por meio da terapia de reminiscência, buscamos ajudar os pacientes a ‘lembrar’ de eventos passados e reviver essas experiências, o que contribui para retardar a progressão da doença e melhorar sua qualidade de vida”, complementa.

O médico conta que começou a trabalhar com inteligência artificial e que a empresa foi criada em 2020 já voltada para aplicar a IA no monitoramento de pacientes. Um primeiro produto criado foi uma ferramenta chamada Radar, que utiliza algoritmos de aprendizado de máquina e deep learning [aprendizagem profunda] para calcular riscos e prevenir doenças.

Equipe da Wide Labs, criadores da bAIgrapher, embarcaram para a França na sexta-feira (16) | Foto: Arquivo Pessoal

Recentemente, o emprego da inteligência artificial ganhou grande notoriedade pelo crescimento do ChatGPT, que é uma aplicação automatizada de interação personalizada entre pessoas e um “robô” virtual (chatbot).

Chapper explica que o bAIgrapher diferencia-se do ChatGPT por não ser um assistente de escrita ou chatbot e por fornecer informações ou fatos inventados sobre o paciente, o que poderia levar a interpretações equivocadas.

“As duas principais diferenças em relação ao ChatGPT estão no tipo de interação e no conteúdo do texto criado. Em termos de qualidade gramatical e literária, as performances são similares. Contudo, o bAIgrapher foi arquitetado especificamente para produzir autobiografias. Ele não serve como assistente de escrita ou buscador ou coach motivador. Ele não responde a perguntas e não interage diretamente com o usuário em nenhum momento, mesmo que provocado. Os sistemas que operam em torno do LLM do bAIgrapher foram construídos para impedir que isso aconteça. Além disso, ele foi construído para se ater aos fatos e sua descrição. Ou seja, ele decifra, ordena, organiza e reescreve os elementos dos testemunhos de entrada, porém sem adicionar fatos novos, adjetivos, comentários, opiniões, sugestões ou qualquer outro tipo de comportamento que caracterize uma alucinação”, diz.

O médico pontua que ferramentas como a bAIgrapher são mais difíceis de serem avaliadas do que medicamentos, mas destaca que terapias de reminiscência possuem efeitos positivos para a saúde mental do paciente, contribuindo para atrasar a evolução de sintomas. Ele diz que, em parceria com a UFCSPA, será realizado um estudo que buscará demonstrar a efetividade da plataforma como tratamento complementar às intervenções farmacológicas em quadros de Alzheimer e demência.

“Temos testado a ferramenta com pacientes, cuidadores e familiares, e também com pessoas saudáveis. A recepção é muito positiva e o efeito em termos de saúde mental é palpável em diversos casos, o que nos motivou a buscar validar esse uso da tecnologia como intervenção efetiva e barata, com impacto possivelmente grande em termos de saúde pública, visto que é altamente escalável”, diz Chapper.

Ele ainda pontua que a contribuição da universidade foi “essencial” para o desenvolvimento da plataforma. “A disposição da UFCSPA em incentivar que esse tipo de uso da tecnologia seja seriamente investigado mudou a maneira como o projeto passou a ser visto”, diz. “Se premiada, a UFCSPA será a primeira universidade do Brasil a ter um Leão de Cannes”, complementa.


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