Eleições 2022
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8 de outubro de 2022
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08:27

Com fim da aliança ao centro, extrema-direita dá as cartas e finca bandeiras no RS

Por
Flávio Ilha
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Victorino (esq), Onyx (centro) e Zucco são as caras da extrema-direita no RS | Foto: Reprodução
Victorino (esq), Onyx (centro) e Zucco são as caras da extrema-direita no RS | Foto: Reprodução

O general Hamilton Mourão, vice-presidente de Jair Bolsonaro, teve 2,6 milhões de votos no Rio Grande do Sul para o Senado. O candidato bolsonarista ao governo estadual, Onyx Lorenzoni, 2,4 milhões. O tenente coronel Zucco, 259 mil para a Câmara dos Deputados. O comunicador Gustavo Victorino, 113 mil para a Assembleia Legislativa.

Todos têm em comum os partidos Republicanos e PL, além das votações maciças do eleitorado em propostas como escolas cívico militares, armamento em massa da população civil e pautas moralistas, entre elas a defesa intransigente da família tradicional, de genéricos valores cristãos e da liberdade. Junto com PL, que recebeu as sobras da implosão do PSL que elegeu Bolsonaro em 2018, o Republicanos se transformou na trincheira da nova direita que ficou bandeira no Rio Grande do Sul.

Não se trata de retórica: os dois partidos tiveram as mais expressivas votações no Estado, tanto para a Câmara dos Deputados, quanto para a Assembleia Legislativa – isso sem falar no Senado. O Republicanos de Mourão, Zucco e Victorino elegeu cinco deputados estaduais, três deles com mais de 50 mil votos.

O PL de Lorenzoni também terá cinco representantes na Assembleia Legislativa, a maioria com votação expressiva. Na bancada federal, as duas agremiações elegeram sete deputados, todos com mais de 80 mil votos. As bandeiras conservadoras e moralistas, ao que parece, mudaram de mãos no Rio Grande do Sul: migraram do Progressistas, tradicional reduto de conservadores do Estado, que fez pouco mais de 250 mil votos, para as agremiações mais identificadas com Bolsonaro.

Mas, a julgar pelos resultados do Brasil, o Rio Grande do Sul não está sozinho nessa onda. “O chamado bolsonarismo é um nome genérico para a aliança entre a direita e a extrema-direita do País, algo mais estrutural e que, em dados momentos, vem à torna. Isso ocorreu em 1964. Ao que parece, é algo que vai persistir por algum tempo”, avalia o cientista político e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Peres.

Fundamentalmente, segundo ele, o esvaziamento do chamado “centro” permitiu a união da direita tradicional, e relativamente democrática, com a extrema-direita.

Peres salienta que até 2014 persistiu uma aliança entre a direita e o centro, liderada pelo PSDB. Mas a derrocada do partido e, em alguma medida, do próprio MDB, correspondeu ao movimento de aproximação entre essa direita, composta principalmente por empresários e a classe média, com a extrema-direita radical, militarista, autoritária e antidemocrática. “Lorenzoni representa esse bolsonarismo, ou seja, essa aliança mais radical. Eduardo Leite, por sua vez, representa a tentativa de manter no Estado a aliança entre centro e direita que, no plano nacional, já se dissolveu”, diz.

O pesquisador atribui essa aliança ao que chama de os quatro grandes “emes” da política brasileira, há décadas: moralismo (religioso, anticorrupção, anticomunismo), mercadismo (desregulação, redução do Estado, diminuição de políticas sociais, de direitos, privatizações), mídia (tomada tanto pelo moralismo religioso como pelos interesses mercadistas) e militarismo (defesa da lei e da ordem para resolver tudo, uso da força, armamento e intervenção dos militares na política).

“Estamos numa onda que, além de ser de extrema-direita, é majoritariamente militarista. Acho que alguns desses militares vão conseguir se manter por algum tempo na carreira. Esse talvez seja o caso do Zucco. Mourão já não tem muito perfil de político, ele pegou carona na vice-presidência e, agora, num cargo majoritário. Mas, depois de oito anos e com a polpuda aposentadoria do Exército, não sei se ele segue com isso. Mourão deverá ter uma atuação bastante apagada no Senado”, prevê Peres.

Zucco, mais votado para a Câmara dos Deputados no Rio Grande do Sul, foi eleito para a Assembleia Legislativa em 2018 na esteira do antipetismo e da crescente militarização da política. O parlamentar, que ajudou a eleger o irmão, Delegado Zucco, como deputado estadual, assegura que é democrático. “Nós respeitamos as ideias diferentes. A democracia é muito importante. Mas a gente espera que a nação entenda o que está em jogo, as propostas que estão em jogo. Não sou partidário de termos uma verdadeira guerra na política, mas entendo que hoje há uma polarização evidente pelas propostas que são apresentadas”, afirma.

Mas não precisa pesquisar muito para encontrar vídeos do deputado atacando as decisões do STF contra medidas adotadas por Bolsonaro e chamando o ministro Alexandre de Moraes de “cabeça de ovo”. Zucco também ajudou, nas suas lives semanais, a mobilizar ativistas para irem a Brasília no dia 7 de setembro deste ano. Nos vídeos do deputado, que têm a presença de Victorino, são comuns ataques à imprensa, acusada de produzir notícias falsas e de “sabotar” o presidente. “A cara dos sabotadores é muito transparente: governadores que querem concorrer à presidência, o STF e o TSE e a mídia”, diz Zucco em uma dessas lives. Ele classifica esses agentes públicos como “parasitas”.

O senador eleito Hamilton Mourão também é um típico caso de oportunidade política. Foi guindado ao cargo de vice-presidente na última hora, no final de agosto de 2018, numa disputa que tinha como candidatos o general Augusto Heleno (que depois seria chefe do Gabinete de Segurança Institucional) e o príncipe Luiz Philippe de Orléans e Bragança, entre outros menos cotados – Luciano Bivar, então presidente do PSL, e Janaina Paschoal. Foi uma escolha pessoal de Bolsonaro, baseado mais na falta de opções do que em convicção. Mas que acabou catapultando uma carreira política improvável: Mourão e Bolsonaro passaram boa parte do mandato às turras, a ponto do general ser preterido na montagem da chapa de 2022.

“Os militares sentiram o gostinho da carreira política e alguns conseguirão seguir nesse caminho. O problema é o que isso significa. As Forças Armadas, mais notadamente o Exército, se afastam da sua função de instituição de Estado, responsável pela segurança e soberania, para se tornar um ator político partidário no cenário eleitoral e de governo representativo. Só que eles têm as armas, uma organização hierárquica disciplinada, equipamentos e serviços de inteligência. E pior, tudo isso com o dinheiro dos civis, que normalmente eles consideram como cidadãos de segunda classe, sem a moral superior dos militares”, pontua Peres.

Bolsonaro, tenente do Exército reformado como capitão em 1986, fez 48% de votos no primeiro turno no Rio Grande do Sul. Isso não quer dizer, entretanto, que todos são votos de extremistas. O cientista político Benedito Tadeu César diz que não existe uma nova direita no Rio Grande do Sul. “Tem a direita que sempre esteve aí, o problema é que ela cresceu”, opina o professor aposentado da UFRGS.

César lembra que, quando foi eleito governador do Rio Grande do Sul [em 1958], Leonel Brizola teve de se submeter a uma aliança com o extinto Partido de Representação Popular (PRP) – acusado de ter ligações com grupos extremistas do nazismo – para conquistar votos nas colônias alemã e italiana do Estado. “Se pegarmos o mapa desta eleição de 2022, veremos que o Bolsonaro e o Lorenzoni vencem justamente nessas comunidades”, observa o analista.

César revela surpresa é com o que chama de “direita alvoroçada”, ou seja, mais barulhenta, mais visível para a sociedade e, naturalmente, capaz de resgatar ideias conservadoras que estavam adormecidas. “O que aconteceu aqui, e de resto no Brasil inteiro, é que o centro desapareceu”, concorda. Mas ele ressalva: não se deve cometer o erro de classificar todos os eleitores dessa faixa de pensamento como extremistas de direita, um conceito muito mais complexo do que se possa imaginar. “A maioria dos eleitores de Bolsonaro é conservadora, isso é verdade. Mas daí a enquadrá-los como extrema direita vai uma diferença”, adverte.

O radialista e advogado Gustavo Victorino, por exemplo, ganhou notoriedade em uma emissora local de TV depois de fazer carreira entre Rio de Janeiro e Florianópolis, num dos tantos programas de opinião que reúnem subcelebridades de última hora. Defensor incisivo do porte de arma para civis, xodó da classe média, Victorino também é um entusiasta das escolas cívico militares – assim como Zucco, com que fez dobradinha nas eleições legislativas. “A escola cívico militar forma muito mais que estudantes, forma cidadãos, forma o homem que vai cuidar do Brasil de amanhã”, defendeu em suas redes durante a campanha eleitoral.

Em 2020, porém, envolveu-se em um caso de injúria e difamação ao chamar o youtuber Felipe Neto de “pedófilo” e de “depravado”. Diante da reação de Neto, o apresentador teve de se retratar dizendo ter usado “palavras fortes” que incomodaram muitos de seus espectadores. “Ele [Felipe Neto] certamente se incomodou, porque publicou que ia me processar, o que é um direito dele. Sou um democrata e sempre defendi o direito da opinião, da liberdade, mas entendo que ela tem limites. Talvez, pelas palavras fortes que utilizei, tenha extrapolado esses limites”, retratou-se. O youtuber disse que a retratação era insuficiente e seguiu com o processo contra Victorino e a emissora.


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