Entrevistas
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20 de abril de 2024
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16:28

Paula Coradi: Temos uma janela de oportunidade para discutir privatizações nas eleições

Por
Luís Gomes
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Presidenta nacional do PSOL, Paula Coradi concede entrevista ao Sul21 | Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Presidenta nacional do PSOL, Paula Coradi concede entrevista ao Sul21 | Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Em visita a Porto Alegre nesta última semana, a presidenta nacional do PSOL, Paula Coradi, visitou a redação do Sul21 e conversou com a reportagem sobre o cenário político que permeará as eleições municipais de 2024. Coradi destacou que, além da influência da polarização política nacional nas disputas municipais, ela acredita que o cenário oferece uma janela de oportunidade para discussão de temas que estavam consolidados no pensamento hegemônico, como a privatização de empresas públicas.

“Em São Paulo, mais da metade da população é contra a privatização da Sabesp, por exemplo. Então, acho que, nesse processo das privatizações, existe um debate político que está em curso, não só em São Paulo, mas em todo o Brasil, de que aquela ideia da eficiência do mercado, de que os serviços seriam melhores, ela está completamente posta em cheque. Isso é uma janela de oportunidade para nós, de dizer quem que devem ser os financiadores de serviços básicos”, pontua.

Ao longo da conversa, a presidenta nacional do PSOL também faz uma avaliação sobre o cenário político em Brasília. “É um cenário difícil para a esquerda, um cenário que, além da extrema-direita, no cenário mais geral, nós temos a atuação do centrão, que é uma atuação muito sistemática de sabotagem do governo Lula. O tempo inteiro o Arthur Lira impõe agendas que não são aquelas que o governo gostaria que fossem tocadas, uma agenda retrógrada e que foi derrotada em 2022, mas ele se utiliza do seu posto para chantagear o governo publicamente, isso está muito nítido. Então, a gente acha que esse ano, em relação ao Congresso, nós vamos ter muita dificuldade, porque, além desse cenário, o Arthur Lira também quer manter o seu poder, sua influência e garantir o seu sucessor. Para isso, ele vai impor pautas cada vez mais ligadas à extrema-direita, que infelizmente hoje, junto com o centrão, forma a maioria no Congresso Nacional, para garantir as bases para sua sucessão no ano que vem”, pontua.

Apesar disso, avalia que o governo Lula conseguiu avanços importantes em seus primeiros 16 meses. “Quando a gente pega os dados da economia, existe uma melhora sensível na condição concreta da vida. Isso é dado e mostra que o governo avançou em determinadas áreas, mas com essa dificuldades também de o tempo inteiro ter que se equilibrar numa briga entre o STF e a Câmara”, diz. “Acho que dentro desse contexto, o governo Lula tem se equilibrado bem nas questões. Assim como achamos muito corajosa a atitude do Lula de vetar pontos ali daquela lei da saidinha, porque tem debates que precisamos enfrentar e achamos importante. Assim como vai enfrentar agora o debate do déficit zero também. São debates importantes em que ele comprou a briga”, complementa.

A seguir, confira a íntegra da entrevista de Paula Coradi ao Sul21.

 

Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Sul21 — Como tu avalia o cenário em que vão ser realizadas as eleições de 2024?

Paula Coradi: A gente tem avaliado que, em 2022, nós tivemos uma vitória extraordinária, que foi a vitória do Lula sobre Bolsonaro numa eleição muito difícil, muito polarizada. Uma eleição que, embora a nossa vitória tenha sido muito robusta, muito consistente e muito grande do ponto de vista político, também demonstrou que no Brasil existe uma extrema-direita organizada, uma extrema-direita com base social e que, nessas eleições, vem com um fato inédito, que é disputar na condição de oposição. Então, a gente está avaliando que o cenário tá muito complexo, é um cenário difícil para a esquerda, um cenário que, além da extrema-direita, no cenário mais geral, nós temos a atuação do centrão, que é uma atuação muito sistemática de sabotagem do governo Lula. O tempo inteiro o Arthur Lira impõe agendas que não são aquelas que o governo gostaria que fossem tocadas, uma agenda retrógrada e que foi derrotada em 2022, mas ele se utiliza do seu posto para chantagear o governo publicamente, isso está muito nítido. Então, a gente acha que esse ano, em relação ao Congresso, nós vamos ter muita dificuldade, porque, além desse cenário, o Arthur Lira também quer manter o seu poder, sua influência e garantir o seu sucessor. Para isso, ele vai impor pautas cada vez mais ligadas à extrema-direita, que infelizmente hoje, junto com o centrão, forma a maioria no Congresso Nacional, para garantir as bases para sua sucessão no ano que vem. Então, é um cenário muito complexo, difícil, e a gente imagina que as eleições de 2024, por conta disso, embora não seja uma eleição que está tão antecipada — tirando de São Paulo, que está muito antecipada –, em um cenário mais geral você observa que ainda está frio, mas a tendência de polarização é muito rápida.

Sul21 — Qual é a avaliação que tu faz do governo Lula até agora?

Paula Coradi: Eu acredito que tiveram avanços. Quando a gente pega os dados da economia, existe uma melhora sensível na condição concreta da vida. Isso é dado e mostra que o governo avançou em determinadas áreas, mas com essa dificuldades também de o tempo inteiro ter que se equilibrar numa briga entre o STF e a Câmara, entre essa medição de forças que é muito intensa e é ruim para o Brasil. Você imagina que a manutenção da prisão do Chiquinho Brazão, que é um dos mandantes do crime político mais bárbaro dos últimos anos no Brasil, mais chocante [contra a vereadora Marielle Franco], foi utilizada e articulada pela direita e pela extrema-direita, principalmente, para soltar um bandido notório, que a Polícia Federal disse que foi ele, para provocar o Alexandre de Moraes. Então, isso é um dos exemplos. Assim como o Marco Temporal que o Lira botou no Congresso, é uma forma também de afrontar o STF.

Sul21 — A própria PEC das Drogas.

Paula Coradi: Também. Então, isso impõe para o País agendas que são muito recessivas, muito retrógradas, muito ruins do ponto de vista político e de resposta para a sociedade. Eles dão respostas muito fáceis para problemas que são muito complexos. Provavelmente, vamos viver esse primeiro semestre com o populismo penal que eles tentam impor. Aí vai passar o ano falando de outras agendas, como foi no ano passado com a CPI do MST, a pauta do aborto agora com a questão do Conselho Federal de Medicina, que, sem nenhuma justificativa científica, recomendou a não realização de um certo tipo de procedimento para aborto legal que é muito utilizado principalmente para mulheres e meninas que são estupradas. Isso vai tomar conta da agenda, porque o Lira precisa manter uma base de apoio. Então, é um jogo sem escrúpulos, ninguém tem escrúpulo ali. Ele só quer manter o poder dele para continuar na Câmara e fazer uma queda de braço com o STF. Acho que dentro desse contexto, o governo Lula tem se equilibrado bem nas questões. Assim como achamos muito corajosa a atitude do Lula de vetar pontos ali daquela lei da saidinha, porque tem debates que precisamos enfrentar e achamos importante. Assim como vai enfrentar agora o debate do déficit zero também. São debates importantes em que ele comprou a briga.

Sul21 — Claro que cada eleição municipal é influenciada por fatores locais, como mobilidade, saúde e educação, mas a gente também viu, especialmente na última década, que elas têm se tornado cada vez mais nacionalizadas. De que maneira tu avalia que a pauta nacional vai entrar nas eleições municipais de uma forma geral?

Paula Coradi: A gente tem dois elementos. Tem uma conjuntura nacional e internacional, que não existe a menor chance de desaparecer num cenário daqui a quase seis meses, quando vai ter o primeiro turno. Vamos combinar que não é por acaso as provocações do Elon Musk, nada disso é por acaso. A tentativa do Bolsonaro de o tempo inteiro mobilizar sua base social, vai promover um novo ato agora no dia 21, em Copacabana, no Rio. Então, ele está num cenário que tá acuado, mas ele também está pensando eleitoralmente, fazendo o cálculo de que precisa vencer na maioria das cidades para criar sua base social para disputar 2026 com chance de ganhar a eleição. Então, as eleições têm esse caráter de ser uma antessala já de 2026.

Mas eu acredito que, embora seja um cenário polarizado, existe uma disputa que vai reverberar nas cidades que é a disputa de um projeto político. Que projeto político nós vamos imprimir nas cidades? Eu estava pensando um pouco sobre a cidade de Porto Alegre, que é uma cidade que já foi governada por um campo progressista durante um tempo, em que existia uma efervescência cultural, existia uma movimentação na cidade, existia mas um projeto de desenvolvimento da cidade que condiz com um projeto político e que se perdeu nesses últimos anos. Então, quando a gente está falando de uma pauta das eleições municipais, a forma como a gente debate como se ocupa o espaço público, por exemplo, se é privatizando, se é segregando ou se é ampliando, isso faz parte de uma disputa de projeto que tem a ver com essa polarização, nessa encruzilhada civilizatória que nós estamos vivendo, esse interregno em que nenhum dos dois lados tem força suficiente para impor o seu projeto.

Sul21 — Nesse sentido, a gente vive há bastante tempo, desde antes da ascensão neoliberal, essa hegemonia do pensamento neoliberal de privatizar tudo, representada pelo bordão ‘não há alternativa’, da Margaret Thatcher. Que mensagem nas eleições municipais pode questionar, pode captar o eleitorado indo contra essa falta de alternativa e essa lógica das privatizações, que é uma pauta em discussão em São Paulo, mas também aqui em Porto Alegre e em outros lugares?

Paula Coradi: Em São Paulo, mais da metade da população é contra a privatização da Sabesp, por exemplo. Então, acho que, nesse processo das privatizações, existe um debate político que está em curso, não só em São Paulo, mas em todo o Brasil, de que aquela ideia da eficiência do mercado, de que o serviço seriam melhores, ela está completamente posta em cheque. Isso é uma janela de oportunidade para nós, de dizer quem devem ser os financiadores de serviços básicos. A gente está falando da água, de saneamento. Assim como São Paulo e o RS, o Amapá é um caso crônico de fala de luz. Em 2022, eles passaram 16 dias sem luz, com a mesma empresa daqui de Porto Alegre, a Equatorial. Então, acho que existe uma janela de oportunidades da gente debater qual é o papel do Estado na promoção de políticas públicas, que essas empresas elas têm um serviço a prestar, que a água, por exemplo, é um bem universal, não tem como lucrar em cima disso. Então, acho que tem uma janela de oportunidades aberta para nós, existe um espaço na sociedade. Por isso que eu peguei o caso lá de São Paulo, que eu tenho um dado dizendo que 53% são contra. Isso diz que existe um espaço para nós.

 

Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Sul21 — Em 2022, nós tivemos uma união histórica entre o PT e o PSOL. Parece que, em 2024, nós vamos ver ela sendo repetida em grande parte do Brasil. Em Porto Alegre, pela primeira vez. Como é que tu vê a importância dessa aliança a nível no nacional? Tu acha que, de fato, isso vai se repetir pelo País neste ano?

Paula Coradi: Já temos concretos alguns casos de aliança, que é Porto Alegre e Goiânia, em que o PSOL apoia o PT, Belém e São Paulo, em que o PT apoia o PSOL. Desde o nosso congresso que aconteceu no ano passado, que é a instância máxima de deliberação, nós entendemos o momento crítico que vivemos na política, essa polarização, esse cenário difícil de crescimento de uma direita muito fisiológica, em que todo liberal, no fundo, se precisar ir para a extrema-direita, vai na maior facilidade, é só apertar um pouquinho o calo. A gente se colocou uma tarefa de que a gente precisa enfrentar esse projeto político, que é um projeto autoritário, um projeto que tem a mentira como sua base de mobilização, através das fake news, da intolerância., Então, é o nosso inimigo político prioritário. O nosso congresso orientou que, onde for possível e onde a extrema-direita tem chance de ganhar eleição, o PSOL deve assumir o papel de protagonismo, não de protagonismo na chapa, mas de formar um campo à esquerda para enfrentar essa turma aí do ódio, da intolerância e do autoritarismo. É uma resolução nossa de compreender o cenário já não tão de curto prazo, mas de médio prazo.

Sul21 — Do ponto de vista eleitoral, qual é a importância dos partidos das federações PT-PCdoB-PV e PSOL-Rede estarem unidos numa eleição como a desse ano?

Paula Coradi: Eu acho muito importante, porque é um desafio muito grande que nós vamos ter aqui na cidade de Porto Alegre também. O prefeito, embora tenha muitas contradições acumuladas, é um prefeito até bem avaliado, razoavelmente bem avaliado. Mas eu acho que essa ideia da gente formar frentes é para juntar forças para disputar um novo projeto, uma outra cidade. É muito importante, do ponto de vista político, saber que nós temos nossas diferenças, mas que elas agora são menos importantes do que nós temos que enfrentar.

Sul21 — Sobre as eleições de São Paulo. Obviamente, tudo que acontece lá gera uma repercussão nacional. O Guilherme Boulos está bem cotado nas pesquisas. Quais são as expetativas sobre essa campanha que está sendo construída para o Boulos?

Paula Coradi: As expectativas são altíssimas para essa eleição. É a eleição que o PSOL vai encarar como prioridade máxima, essa e reeleger o Edmilson em Belém também, para nós é muito importante isso. A gente sabe que vai ser uma eleição difícil, mas a gente vai se empenhar. Não estamos no clima de já ganhou, muito pelo contrário, a gente sabe que o que nós estamos enfrentando, que é a máquina pública, que é uma fábrica de fake news, inclusive fábrica de intimidação. O Guilherme Boulos agora tem que andar com segurança, com carro blindado, porque essa turma só fala essa linguagem, da intimidação, tentam acuar. Mas, para nós, é uma eleição muito importante. Porque para o PSOL é uma grande virada de chave, vai colocar o nosso partido em outro patamar, mas também por entender que, para 2026, ter alguém do campo progressista na maior cidade do País, no terceiro PIB do País, vai ser crucial para garantir uma vitória, uma possível reeleição do Lula ou do candidato que vier.

Sul21 — O Boulos é um nome que já é nacional. Mas tu acha que o PSOL chega em outro patamar a essa eleição de 2024? Para buscar crescimento não só nas capitais, mas também em cidades médias e no interior dos estados, onde o PSOL tem tido dificuldade de avançar nas últimas eleições?

Paula Coradi: O partido está trabalhando nessa perspectiva, porque, além dessas duas prioridades que eu comentei mais cedo, nós temos condições de disputar com muito protagonismo, saindo das grandes cidades, em Niterói (RJ), que é 400 mil habitantes, uma cidade média, Franca (SP), temos condições de disputar em Petrópolis (RJ) também, nós estamos muito bem lá, em segundo lugar nas nossas pesquisas internas. E a gente acredita que o PSOL, nessa última eleição de 2022, cresceu bastante e tem outras figuras além do Guilherme Boulos. Temos a Erika Hilton, que é a nossa líder da bancada, assim como outros. Renovamos também as bancadas de assembleias estaduais, aqui hoje temos o Matheus [Gomes], que é uma figura nova, jovem, que mostra a renovação da esquerda, que representa isso também, além de outros nomes. A própria Fernanda Melchionna. Eu acho que a gente teve essa capacidade de renovação e nós nos tornamos muitos atrativos. Então, a nossa expectativa é que o PSOL, enquanto partido, também vem consolidando eleitorado e por isso a gente acredita que vamos crescer bem, não só nas capitais, mas nas cidades metropolitanas, acho que a gente tem grandes possibilidades.

Sul21 — O resultado de eleições passadas dá mais recursos e tempo de TV para o partido. Qual é a importância de ter essas condições para fazer uma campanha mais forte?

Paula Coradi: Bem importante. Em 2020, a gente tinha 17 segundos de TV, então é muito difícil. Ainda não sei como ficou o cálculo, mas o fundo também não aumentou tanto assim quanto imaginam. A gente está se preparado do melhor jeito. Apesar de não dispor de tantos recursos como, por exemplo, o próprio PT, que é um partido muito grande, com 68 deputados, cinco vezes maior que a gente, estamos preparando internamente um programa que se chama Direito ao Futuro — Cidades. Gravamos várias aulas, de Contabilidade, Comunicação, Jurídico, para preparar os nossos candidatos, e é também uma plataforma programática. O que o PSOL defende para as cidades? A gente tem uma homogeneidade de discurso, no sentido de dizer ‘o PSOL defende que as cidades têm que ser antirracistas’, por exemplo. Então, tem uma série de propostas para também dar uma unidade maior entre as nossas candidaturas. E eu acredito que a gente também tenta, do nosso jeito, mesmo não dispondo de tanto recurso, mas de uma forma mais criativa também, ocupar os espaços que dá para ocupar e também fazer com que o PSOL cresça com uma consistência política, de uma forma mais orgânica e não fisiológica. A gente tem essa preocupação. Então, internamente, também estamos preparando isso.


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